12 de set. de 2011

A REBELIÃO ROMÂNTICA DA JOVEM GUARDA - PREFÁCIO

Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966 

PREFÁCIO
Dois motivos, ao que penso, terão induzido Rui Martins a pedir-me o prefácio para este livro. Por me saber velho amigo da mocidade, em cujo convívio transcorreram os melhores anos de minha vida, e por sentir quanto me preocupam os problemas atuais. Por ter vivido entre moços, seria eu, a seu juízo, mais capaz de compreendê-los e de aceitá-los como são, e, por ser homem de meu tempo, - do presente, mais em condições de enfrentá-lo, com os olhos postos no que está por vir, - no futuro que nele já se anuncia entre luzes e sombras. Tenha acertado ou não na escolha que fez, aceitei o convite por ser livro seu (e eu estou entre os que mais admiram a inteligência do autor) e pelo assunto de que nele trata, e que é, realmente, de atrair e prender a atenção. 
Pois, assistimos hoje, em nosso país e em outros, a uma «rebelião romântica da jovem guarda». E Rui Martins a aponta e descreve, com objetividade na apresentação dos fatos, finura em suas análises e calor na compreensão das atitudes juvenis. :Em cada capítulo do livro projeta-se uma luz nova sobre elas. Mas eu me pergunto (e essa pergunta se levanta no texto e nas entrelinhas) porque a mocidade de hoje se aventurou por esses desvios românticos, de devaneios e histerias coletivas, quando outros caminhos lhe estaria indicando a época atual? Época de descobertas e invenções notáveis, de explorações e viagens espaciais e planetárias, de aventuras e perigos, de guerras e revoluções. Fase de transição de uma civilização que se extingue, para outra em cujo amanhecer (esperamos não seja sangrento) acordamos entre sobressaltos e inquietações. 
Será apenas por ser a juventude «o que ela é», ou por uma aspiração inconsciente de fuga do realismo de . nossos tempos? Mas esses caminhos românticos, de abandono a si ... mesma, de encantamento e delírio, parece-me não ter sido ela, propriamente que os escolheu. As circunstâncias é que neles a lançaram. Pois a mocidade não costuma enveredar por caminhos fáceis de percorrer e, por isso, mais freqüentados. Por sua natureza, ela é dinâmica, revolucionária. Não acomodatícia nem resignada e muito menos indiferente. Certo, depois de uma onda de sofrimentos e lutas, de batalhas ganhas ou perdidas, surge, com freqüência, uma nova vaga, - a romântica, de que a nota principal é a digressão, quase mística, para os sonhos e arrebatamentos, ou sensual, para a boemia e os prazeres. As tréguas são às vezes necessárias, e volta-se a descansar um pouco do que é grave, perigoso, e que obriga à reflexão, refugiando-se os jovens em tudo o que possa distrair-lhes o pensamento e conceder-lhes o privilégio de se abandonarem a si mesmos. 
É preciso seguir de perto as pulsações da consciência da juventude, inquieta e rebelde, para compreender esses periódicos espasmos.
em que ela se entrega a devaneios e dissipações. Crises, de desperdício de forças e energias, seguem-se e precedem, não raramente, a acontecimentos políticos e sociais, mais profundos do que o jogo confuso e contraditório de partidos e de classes. Se a mocidade foi envolvida por essas crises e se mostrou ou parece indiferente a tudo o que nos deslumbra ou perturba no alvorecer de uma nova civilização, o que, nesse fato, se deve ver não é um acaso nem uma atitude à parte, sem nenhum sentido. Mas o resultado de uma confluência de fatores, - entre os quais a perda de confiança nos adultos e velhos, nas camadas dirigentes, como nos valores antigos -, que a projetaram, sem que ela o percebesse claramente, no mundo, dispersivo e quimérico de derivações e rebeldias românticas. Se perdeu ela a crença nos homens e nos valores tradicionais, e não encontrou ainda, para se reanimar, a fé em homens e valores novos, não lhe resta outro caminho senão o da deserção, para viver, na plenitude, sua vida própria. 
Os perigos mais graves a que se expõe a juventude, como, aliás, todos nós, não são os mais visíveis, mas os que se aproximam sem ruído e penetram insidiosamente. Desiludida e ameaçada, posta de lado ou entregue à sua própria sorte, não só por um falso conceito em que a têm os mais velhos, como, sobretudo, por um secreto contágio que atinge o pensamento, bloqueia as reivindicações, e desagrega os costumes, tende a mocidade, naturalmente, a recolher-se e a entrar em férias. Quando o Estado decide ou tenta decidir, por nós, o que se tem de pensar; quando a opinião pública se submete, se embota e adquire o hábito de não ter opinião; quando os intelectuais são vistos com desconfiança e os estudantes acabam por reconhecer que não têm voz no capítulo, que lhes resta aos jovens, afinal, senão lançarem-se à aventura de tipo burguês, dessas rebeldias poético-românticas como se não estivessem integrados em um conjunto, - no conjunto das forças nacionais? 
Se, voltando os olhos ao meio em que vivem, o que se lhes depara é um espetáculo desolador, uma situação deplorável que não se tenta seriamente resolver, e para a qual não é convocada a colaboração da mocidade, nada, de fato, tem ela a fazer. senão retirar-se, desiludida, ao seu mundo, de sonhos e fantasias. Certamente, a obra de reconstrução nacional se ataca em várias frentes. Mas todas essas reformas que se projetam no papel, nada serão se não começarem pela educação e recuperação da juventude, em larga escala e em todos os setores de atividades. Pois, o que se vê, sob o domínio de 'elites restritas e seriamente comprometidas, são massas urbanas e rurais, privadas de quaisquer recursos, para viverem dignamente, moradia, alimentação, elementares noções de higiene e de instrução, e, além disso, sem uma clara consciência de sua função social e de suas próprias obrigações para com a comunidade. 
Em situações em que a mocidade não encontra estímulo para uma participação calorosa em atividades de reconstrução, e em que esteja na ordem do dia não a grandeza mas a mediocridade, é quase instintiva, nela, a fuga higiênica para os sonhos e ilusões românticas. Se não a querem com suas naturais inconformidades, rebeldias e aspirações, em largos planos de ação, o que lhe resta é entrar em recesso, viver sua própria vida, mais ou menos alheia ao que se passa em torno dela e não é capaz de lhe agitar o espírito, conquistar-lhe o coração e despertar-lhe o entusiasmo. Em todos os grandes movimentos de reorganização nacional, nessa ou naquela direção, de direita ou de esquerda, em que se apelou para elas, as gerações jovens, convocadas e mobilizadas, nunca deixaram de participar da execução de planos, às vezes carregados de erros e perigos, mas que lhes traziam qualquer coisa de grande, nas suas concepções e esperanças. Elas tiveram, porque atraídas (e tantas vezes, traídas! ), papel sumamente importante em todos esses movimentos, democráticos ou não. Não havia então lugar para fugas e rebeliões romântica, empenhadas como estavam, na obra de recuperação, de reformas e reivindicações. 
Mas, quando em torno delas, se faz o vazio e nada as convida para lutas, construtivas ou destrutivas; quando não se lhes acena para grandes iniciativas e realizações; quando os acontecimentos se arrastam, na confusão ambiente, e, se, importantes e graves, não encontram líderes ou dirigentes à altura deles, e se tudo os remói, na incoerência, ou nas perplexidades e hesitações, a mocidade tende a procurar, em seus sonhos, o meio de fugir à mediocridade e pasmaceira reinantes. Volta-se a si mesma, sem objetivo e com espírito conservador senão reacionário, para viver sua vida à parte. Nem os adultos se integram na vida das gerações jovens, nem estas se preocupam com a sua participação na dos adultos e velhos. Daí, «a rebelião romântica da jovem guarda», que tão admiravelmente analisa Rui Martins, em poucos capítulos, com a lucidez e segurança de suas observações de fatos, e de suas reflexões sobre eles. 
Vale a pena ler cada um desses capítulos, pequeno e incisivos, em que o jovem escritor examina as rebeliões/juvenis contemporâneas; os adultos e sua integração no mundo juvenil; as razões do declínio da «bossa nova> e o papel da propaganda na criação de imagens sobre a música que satisfez a todos; sobre a rebelião romântica da juventude nacional; o apoio e reservas dos adultos aos movimentos juvenis e os traços conservadores do líder ou dos líderes juvenis. São todos eles, análises finas e penetrantes que nos convidam à reflexão. Baseou-se o autor para fazê-los em observações, reportagens e pesquisas, de que ele extraiu dados e elementos para uma segura interpretação dos fatos, que se propôs a estudar, e que ele conhece melhor do que qualquer um de nós.
O fenômeno dessa "rebelião romântica da jovem guarda", é universal. Não se manifesta apenas, como se poderia imaginar, em países menos desenvolvidos. Ele já tinha surgido, e de modo espetacular, em outros, super desenvolvidos como a Inglaterra, de onde vieram os "Beatles", com repercussões, de intensidade e amplitude variáveis, pelo mundo inteiro. Todas essas manifestações juvenis, de raízes mais extensas do que profundas, são analisadas neste livro, de poucas páginas mas de muito conteúdo, com a clareza de um jornalista moderno, em que se associam vibratilidade e espírito objetivo. Espírito que é o da procura da verdade, sem preconceitos e distorções. É o que consegue Rui Martins numa linguagem viva, simples e direta. No encontro que, nessas investigações, marcou com a verdade, parece-me que deu com ela, trazendo-nos contribuições de valor para o esclarecimento de vários problemas que abordou. Eu o felicito por isso. 
FERNANDO DE AZEVEDO 
São Paulo, Julho de 1966.

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