23 de dez. de 2011

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 12

  • Capitulo 12 – Os tucanos e suas empresas-camaleão
- O esforço para apagar as pegadas.
- Decidir e Decidir, IConexa e IConexa, Orbix e Orbix.
- Ou a dança dos nomes iguais.
- A camuflagem dos parentes e sócios de Serra.
- E, uma vez mais, Ricardo Sérgio...

É um jogo de gato e rato. Policiais, procuradores e fiscais fazendários fazem o papel do gato. Quem está na pele do rato tenta escapar, apagando suas pegadas. É preciso perseguir o dinheiro e este, como se tivesse vida própria, está sempre mudando de nome, de endereço, de forma. Circula pelos dutos formados por empresas de fachada, contas secretas e operações heterodoxas. Não é fácil encontrar os rastros em meio a tanta dissimulação. Que inclui, por
exemplo, batizar empresas com nomes parecidos. A IConexa Inc. E a IConexa S.A. são duas firmas, uma aberta nas Ilhas Virgens Britânicas e outra no Brasil. E a IConexa brasileira antes se chamava Superbid. Todas pertencem a Alexandre Bourgeois, o genro de José Serra. As IConexas são apenas uma amostra daquilo que se denomina empresa camaleao.
Como o réptil, elas praticam o mimetismo, camuflam se para escapar aos caçadores. É também o papel da Orbix, igualmente produto da mente criativa do genro de Serra. Começou como Orbix Administração de Capital e Recursos Ltda., metamorfoseou se em Orbix Global Partners Administração de Recursos, depois Orbix Capital S.C. Ltda. e, por fim, AAA Asset Management S/C. Ltda.
Quem acha pouco três Orbix pode começar a sorrir. Há também o Fundo Orbix S.A., implantado por Alexandre Bourgeois na praia de Trancoso, no sul da Bahia. O Fundo de Bourgeois recebe o
respaldo do BNY Mellon Serviços DTVM.
Como o mundo é mesmo pequeno, o BNY Mellon Serviços DTVM tem como sócia a construtora João Fortes, de propriedade do deputado Márcio Fortes (PSDB/RJ), que vem a ser o caixa da
campanha de José Serra à Presidência da República em 2010.
Fundada em 1997 com o nome de Dreyfus Brascan, a empresa funciona no prédio do grupo Opportunity, no Rio de Janeiro... Não foi à toa que seis meses das investigações foram gastos para
achar o fio da meada e entender como funciona a farsa. A primeira lição que aprendi é de uma simplicidade constrangedora: não adianta prestar atenção aos nomes das empresas, porque eles existem para nos iludir. O fundamental é checar os CNPJs, o número em que a firma foi incluída no cadastro nacional das pessoas jurídicas.
Mas a meada tem mais fio para desenrolar. Bourgeois lida ainda com a Lutece Investimento e Gestão de Recursos Ltda., que tem o nome fantasia de ABL Serviços e foi fundada em 2000. Que se vale também de outra denominação: Xibro Axia Administração de Recursos Ltda.
E aí aparece a Lutece Participações Ltda. A Lutece nasceu em 2004, então designada como S&A Serviços Empresariais Ltda., em Santana do Parnaíba, paraíso fiscal do interior paulista. Então, mudou para Opah Participação Ltda. E, após, para Lutece. É uma empresa de gaveta, criada num escritório de contabilidade. Inicialmente pertenceu a Cássio Lopes da Silva Neto, Luciano Correa e André Bourgeois, irmão de Alexandre Bourgeois.
E onde entra Alexandre Bourgeois? Bem, o marido de Verônica e genro de Serra compra as cotas de Luciano Correa e Cássio Lopes da Silva Neto na Lutece. Em fevereiro de 2006, ele tenta usar a
Lutece para incorporar a Orbix Global Partners Ltda., empresa de sua propriedade que deve à Fazenda Nacional. No final desse mesmo ano, a empresa deficitária, a Orbix, foi fechada.
Prolífico, o clã Serra registra mais exemplares das empresas camaleao.
O que, aliás, transmite a impressão de que os negócios que pratica não dispensam o estratagema. Desta vez, a empresa — e a confusão premeditada — são obras de Verônica, filha do ex governador paulista. Em 2001, ela abre na Flórida (EUA) a empresa Decidir.com.br em sociedade com Verônica Dantas, como se sabe, irmã e sócia do banqueiro Daniel Dantas, um dos maiores players dos leilões de privatização. Logo, e já com o nome de Decidir International Limited, transfere se para o escritório do Citco nas Ilhas Virgens Britânicas. No Brasil, enquanto isso, surge uma terceira Decidir. É quando a Belleville Participações altera seu nome para Decidir.com.brasil Ltda. E será sua homônima a offshore Decidir Internacional Limited, o ponto de partida, em 2006, da internação de R$ 10 milhões no Brasil.
Na dança dos nomes semelhantes, depois da filha e do genro do ex governador, é a vez das suas amizades. Aqui, o ardil da transmutação ocorre além do círculo familiar, mas dentro do seu entorno de amigos do peito. Pode se iniciar pelo ex caixa de campanha Ricardo Sérgio de Oliveira, o dono do know how.
Figuram na sua conta a Antar e a Antares. A offshore Antar Venture comprou R$ 5 milhões em ações da brasileira Antares Participações Ltda. Em 1999. Antar e Antares são controladas pelo ex-tesoureiro e por seu então sócio Ronaldo de Souza, já falecido.
Como se fosse pouco, no pico da privataria Ricardo Sérgio operou mais duas offshores, a saber a Consultatum Inc. e a Andover National Corporation. Braço direito de Ricardo Sérgio na Previ —
e nas privatizações patrocinadas com dinheiro público e dos fundos de pensão — João Bosco Madeiro da Costa não deixou por menos e abriu outras duas offshores nas Ilhas Virgens Britânicas: a Belluga e a Hill Trading.
Mudam os nomes, mas o modo de agir é sempre o mesmo. Invariavelmente inclui a criação de uma offshore que um dia vai se tornar sócia de uma empresa réptil no Brasil. E assim conseguirá
importar, com a conivência do Banco Central, o dinheiro sujo que certo dia saiu pela porta dos fundos através dos lamacentos dutos implantados pelos doleiros mais criativos.
Concebido por mentes astutas como as de Daniel Dantas e de Ricardo Sérgio de Oliveira, o esquema se espalhou pelo submundo da corrupção. Em 2006, por exemplo, a operação Branca de
Neve, tocada conjuntamente pela Polícia Federal, Receita e MPF descobriu que uma dessas empresas camaleão das Ilhas Virgens Britânicas — a Vilars Holding — ajudou a esconder por mais de 10 anos parte dos US$ 3 bilhões que uma megaquadrilha de fraudadores do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) desviou dos cofres públicos.
O bando era liderado pelo ex procurador do instituto Armando Avelino Bezerra. Ligado à superfraudadora Jorgina de Freitas, ele cumpriu pena entre 1992 e 1997 condenado por peculato e formação de quadrilha, entre outros delitos.
Livre das grades, Bezerra não dispendeu maior esforço para montar uma estratégia capaz de trazer de volta ao Brasil toda a fortuna invernada no Caribe. Era a hora de desfrutar o produto da
roubalheira. A fórmula usada para internar os valores foi a mesma adotada pelos tucanos. Ou seja, a offshore se tornou sócia de uma empresa aberta pelo próprio fraudador no país: a Coronato Empreendimentos. As investigações demonstram que o capital inicial da empresa brasileira, em torno de US$ 2,3 milhões foi quase todo injetado (integralizado) pela empresa caribenha. Ao desembarcar no Brasil, livre das impurezas, toda a grana desviada do contribuinte era redistribuída pela Coronato para outras empresas menores. Essas empresas de fachada se encarregaram então de adquirir, através de uma rede de laranjas, um montante de 110 comparsas para Bezerra e sua turma.
Descoberta casualmente por um auditor da Receita Federal — um vizinho com quem Bezerra se desentendera — a fraude levou o megafraudador e os demais integrantes da quadrilha novamente
para atrás das grades, desta vez por lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro. Os bens dos quadrilheiros foram sequestrados por determinação judicial, o que denota que o estratagema já não anda funcionando com tanta eficiência. Mas os ilusionistas em atividade estão sempre prontos para arquitetar uma nova forma de camuflar o dinheiro sujo e distrair seus rastreadores.
Um ano depois da prisão de Bezerra, uma CPI da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, aberta para apurar as perdas na arrecadação tributária, constatou que um grupo de auditores fiscais do Rio, comandado por Roberto da Cunha Gomes, conhecido como “Olho de Boi”, também recorria ao mesmo tipo de relação societária entre uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas com uma empresa brasileira para internar dinheiro oriundo de paraísos fiscais.
As investigações concluíram que a operação estava sob incumbência do filho de “Olho de Boi”, o administrador de empresas Francisco Roberto da Cunha Gomes. Era ele quem pilotava a offshore Rossano Group Corp. nas Ilhas Virgens Britânicas.
Seguindo o esquema tradicional para internar dinheiro, a empresa caribenha comprou 50% das cotas de uma firma aberta pelo filho de “Olho de Boi” em São Paulo: a International Boats Ltda.
Os restantes 50% estavam em nome, é claro, do próprio filho do auditor fiscal. Obviamente, o dinheiro sujo, camuflado no Caribe,
voltava limpo por obra e graça da injeção dos recursos da empresa estrangeira naquela do Brasil. Mas com uma distinção: em vez da jogada convencional, o ingresso dos valores ocorria sob o pretexto de aumento de capital da empresa brasileira integralizado pela offshore. A entrada do numerário da International Boats Ltda. Era justificada simplesmente como lucro obtido pela sua filial, mera caixa postal no Caribe, no exterior. Esses rendimentos eram devidamente declarados ao Fisco.
Parecia uma manobra perfeita, porque o auditor e seu filho conseguiam, em tese, escapar do enquadramento na Lei do Colarinho Branco — Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro, que considera crime manter depósitos e empresas no exterior sem o conhecimento dos órgãos federais. Não podiam ser enquadrados em nossa melhor lei de combate à lavagem de dinheiro, porque toda a transação no exterior havia sido informada ao Banco Central e à Receita Federal.
Mas “Olho de Boi” acabou não tendo melhor sorte do que os fraudadores do INSS. Comprovado o ardil pela CPI, o funcionário acabou sendo demitido a bem do serviço público. Evidenciado o
esquema de corrupção (crime antecedente), foi condenado também por lavagem de dinheiro pela Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que decretou o sequestro dos seus bens.
Toda essa simulação para internar dinheiro sujo certamente teria fim com uma providência: a proibição pelo governo da entrada de offshores em sociedades com firmas do Brasil. Só deveria ser permitido o ingresso nas empresas nacionais de companhias estrangeiras que identificassem o nome de seus verdadeiros donos em seus balanços contábeis. É uma medida simples que certamente ajudaria a conter o grande esquema de lavagem do dinheiro e o assalto aos recursos públicos.

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 11

  • Capitulo 1 1 – “Doutor Escuta”, o araponga de Serra
- Dinheiro publico para contratar espião do SNI.
- Militar atuou em grupo de extermínio durante a Ditadura Militar.
- E o que mostram documentos inéditos.
- E Alckmin mantem o araponga de Serra sob contrato...

Derrotado na disputa à Presidência da República, José Serra gastou boa parte da campanha eleitoral de 2010 resmungando contra “espiões” que estariam bisbilhotando a vida de sua filha Verônica e de ilustríssimas figuras de seu partido. Sua aliada, a mídia encarregou se de reverberar seus protestos, turbinando os com altos decibéis. A arapongagem teria raiz no “núcleo de inteligência” montado por petistas, cuja existência nunca foi provada. Serra sempre refutou, também com veemência, adotar práticas semelhantes às que supunha ver praticadas por seus adversários.
Mas as relações de Serra com o submundo da espionagem foram levantadas pelo próprio autor. Faltava, no entanto, prova las. Este capítulo traz essa prova cabal, os documentos inéditos que comprovam definitivamente o que todo mundo sempre soube. Serra costuma recorrer ao submundo da espionagem para vasculhar a vida de seus adversários políticos.
A papelada cedida ao autor pelo jornalista Gilberto Nascimento evidencia que o então governador paulista contratou, sem licitação, por meio da Companhia de Processamentos de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), a empresa Fence Consultoria Empresarial. A Fence é propriedade do ex agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), o legendário coronel reformado do exército Ênio Gomes Fontelle, 73 anos, conhecido na comunidade de informações como “Doutor Escuta”. A empresa do “Doutor Escuta” foi contratada por R$ 858 mil por ano “mais extras emergenciais” — pagos pelo contribuinte — no dia 10 de julho de 2008. Vale lembrar que nessa época a vida particular do ex governador de Minas Gerais Aécio Neves estava sendo espreitada por arapongas no Rio de Janeiro, onde a Fence está sediada.
Talvez isso explique por que a Prodesp tenha invocado “inelegibilidade” para contratar a empresa do araponga sem licitação.
Em outras palavras, a Prodesp afirma que o “Doutor Escuta” não tinha concorrentes à altura para realizar o serviço. Conforme o contrato, entre outros serviços, a Fence é responsável pela “detecção de incursões eletrônicas nas instalações da Prodesp ou em outras localizações de interesse da empresa”. Isto significa que a empresa tem como acessar os dados pessoais de funcionários públicos, de juízes e até de parlamentares por uma simples razão: a Prodesp é responsável não só pela folha de pagamento, mas também por todos os serviços de informações do Estado. Ou seja, o contrato concede à firma do “Doutor Escuta” o direito de invadir esses dados na hora que bem entender. Até o fechamento deste livro (final de junho) o governador Geraldo Alckmin (PSDB) mantinha o contrato com a empresa de Fontelle.
E o que o delegado federal e ex deputado, também federal, Marcelo Itagiba, chefe da arapongagem serrista, tem a ver com isso? A resposta quem fornece é o próprio currículo do coronel. O “Doutor Escuta” jacta se de haver integrado o seleto grupo de arapongas que Serra, quando era ministro da Saúde de FHC, montou na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Sob a batuta de Itagiba, além do coronel Fontelle, estavam ainda mais dois personagens destas páginas. Um deles, o ex agente do SNI Fernando Luiz Barcellos, de alcunha “agente Jardim”. E... adivinhe quem mais! Sim, ele mesmo, o delegado Onézimo das Graças Sousa, aquele mesmo frequentador do restaurante Fritz, da confeitaria Praline e das páginas de Veja e dos jornalões em 2010.
O ninho de arapongas da Anvisa foi desativado pelo próprio Serra, o que aconteceu após a imprensa denunciar que a vida privada de servidores do Ministério da Saúde e de desafetos do então ministro — entre eles seu colega, o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, falecido em 2010 — estaria sendo esquadrinhada. Na época, o argumento de Serra para a arregimentação de arapongas foi o medo.
Receava ser grampeado por representantes das indústrias de medicamentos, que teriam sido contrariados por medidas do governo.
Coincidentemente, o “Doutor Escuta” e os demais pássaros foram contratados em 2002, quando partidários do PFL (atual DEM) denunciaram a suposta vinculação de setores do governo do PSDB
com os grampos fatais à candidatura pefelista à Presidência da República. Teriam levado a Polícia Federal a descobrir que a empresa Lunus, de propriedade da candidata Roseana Sarney e de seu marido Jorge Murad, guardava R$ 1,34 milhão em seu cofre.
Suspeita se que o dinheiro alimentaria a campanha do PFL, implodida ali mesmo pela apreensão.
O “Doutor Escuta” vem de longe. Foi no período do presidente João Baptista de Figueiredo que ele se integrou à comunidade de informações. Entrou pelas mãos do ex ministro chefe do SNI, Octávio Medeiros. Seu rumo foi o Garra, braço armado das ações clandestinas e a arma mais letal do SNI durante a ditadura. Fontelles recebeu a tarefa de modernizar o arsenal tecnológico do órgão.
Como seu próprio codinome esclarece, o “Doutor Escuta” comandou uma equipe de trabalho que desenvolveu aparelhos de escuta com tecnologia nacional que substituíram os importados.
Faziam parte do seleto grupo do Garra os coronéis Ary Pereira de Carvalho, o “Arizinho”; e Ary de Aguiar Freire, acusados de participar do complô que resultou no assassinato42 do jornalista Alexandre Von Baumgarten em outubro de 1982. Dois meses antes de morrer, o jornalista compôs um dossiê. No chamado Dossiê Baumgarten, os dois Arys são acusados de terem participado da reunião em que foi selada a morte do jornalista.
O sargento Marival Dias, do CIE (Centro de Informação do Exército), soube da morte do jornalista antes mesmo de seu desaparecimento ser anunciado. Disse ao autor que Baumgarten teria sido executado pelo “Doutor César”, codinome do coronel José Brant, também do Garra, a exemplo de Fontelles. Agente do CIE em Brasília, Dias teve acesso a um informe interno onde se afirmava que a morte se devia a Brant. Em uma operação do Garra para intimidar Baumgarten, o “Doutor César” teria se excedido e matado o jornalista. Isto o teria obrigado a eliminar duas testemunhas:
a mulher de Baumgarten, Janete Hansen, e o barqueiro Manuel Valente. A reportagem, publicada na revista IstoE, nunca foi desmentida.43 Aos seus clientes, o coronel Fontelles costuma dizer que sua empresa presta serviços de contraespionagem e não espionagem.
Como veremos mais à frente, foi justamente esse trabalho, ou de contraespionagem, que acabou envolvendo o autor no episódio da quebra de sigilo da suposta quebra de sigilo de Verônica Serra durante a campanha presidencial de 2010.
42 Baumgarten saiu para uma pescaria no dia 13 de outubro de 1982. Seu corpo apareceu boiando doze dias mais tarde na praia da Macumba, no bairro carioca do Recreio dos Bandeirantes. Tinha as marcas de três tiros. Dois cadáveres, que seriam os de sua mulher, Janete Hansen, e do barqueiro Manuel Valente, foram descobertos carbonizados em Teresópolis, alguns dias mais tarde. 43 “Os matadores”, de Amaury Ribeiro Jr., reportagem publicada em IstoE, edição de 24 de março de 2004.

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 10

  • Capitulo 10 – Os sócios ocultos de Serra
- Por que o ex governador esconde seus sócios e suas sociedades.
- E por que mentiu a Justiça Eleitoral.
- Verônica, Preciado e Rioli.
- Outro elo com Ricardo Sérgio

Muitas parcerias comerciais unem — ou uniram —José Serra a parentes e amigos. Mas, por estranho que pareça, raras entre elas são assumidas pelo ex governador de São Paulo.
No decorrer da sua vida pública, ele tem omitido, com zelo incomum, a existência de seus sócios — a filha Verônica entre eles — e de suas sociedades à Justiça Eleitoral. Por que age assim?
Vamos tentar saber aqui. Um bom começo é seu sócio e primo Gregorio Marín Preciado. Senador eleito pelo PSDB, Serra assume, em 1995, o Ministério do Planejamento na gestão Fernando Henrique Cardoso.
Enquanto isso, Preciado vive aturdido pelas dívidas com o Banco do Brasil. Cansado de esperar, o BB finalmente se move: em julho do mesmo ano ingressa na Justiça pedindo o arresto de bens do devedor relapso. No lote, figura um item interessante: o terreno que Preciado então possui em sociedade com o primo ministro no bairro Morumbi, área nobre de São Paulo. Mas alguém vazou a informação e os primos Preciado e Serra venderam o imóvel antes do arresto... A escritura de compra e venda foi lavrada em 1o de setembro de 1995, e o negócio registrado no dia 19 do mesmo mês no 15o Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo. Em sua defesa, Preciado declarou ter realizado a venda em abril. Pitorescamente, o assento no cartório ocorreu cinco meses depois... Serra apresentou uma explicação que o Ministério Público Federal tachou de “esdrúxula”. Sintonizado com o primo, sustentou que a negociação foi parcelada em cinco vezes e que somente após o pagamento da última cota, lavrou se a escritura. Descreveu uma operação anômala, já que o instituto da hipoteca existe para solucionar tais pendências sendo a escritura firmada  imediatamente após o fechamento do negócio.
A suspeitíssima operação autoriza a crer que Serra e Preciado cometeram aquilo que é chamado, no jargão jurídico, de fraude pauliana. Explica se: na pre história do Direito, o devedor respondia com o próprio corpo pelas obrigações assumidas. Se não pagasse a dívida, poderia até mesmo perder a liberdade — e tornar se escravo do credor — ou mesmo a vida. No Direito Romano, atribui se ao pretor Paulo a mudança desta situação, afastando a penalidade do corpo do devedor e direcionando a para seus bens. A fraude pauliana ocorre quando o devedor aliena seu patrimônio visando iludir o credor e esquivar se de sua obrigação. Em outras palavras, uma artimanha de que se vale o caloteiro para afastar a satisfação do prejuízo do alcance de quem iludiu.
Como se a suspeita carregasse no seu bojo outra suspeita — uma realimentando a outra — o terreno dos primos, com 828 m2, no valorizadíssimo bairro da classe média alta paulista, foi passado adiante por R$ 140 mil, montante abaixo dos preços praticados no mercado.
Mas a relação entre Serra e seu contraparente é pródiga em parcerias, além da antiga e polêmica copropriedade do terreno no Morumbi. Os dois primos estão vinculados por endereços, negócios e sociedades. Mas Serra procura sempre isolar, atrás de uma muralha de subterfúgios, seus contatos e sua vida comercial.
Basta ver o caso da ACP Análise da Conjuntura Econômica e Perspectivas Ltda. A empresa, que tem como sócia também Verônica Serra, situava se na Rua Simão Álvares, 1020, Vila Madalena, São Paulo (SP). Por uma incrível coincidência, o prédio pertencia à Gremafer e, portanto, a Preciado.
Neste terreno onde as coincidências se encontram amiúde e dizem “Olá” umas para as outras, Serra não incluiu a ACP na declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral em 1994, 1998 e 2002.
O endereço, aliás, também acolheu seus comitês nas campanhas eleitorais de 1994 e 1996.
Serra “mentiu para a Justiça Eleitoral, ocultando empresa e ligação com o Sr. Preciado”, registrou o Ministério Público Federal (MPF), quando investigava o relacionamento comercial do ex governador paulista e de seu contraparente. Como se fosse pouco, Serra escondeu também da Justiça Eleitoral sua vinculação com Vladimir Antonio Rioli, ex diretor de operações do Banespa. Serra e Rioli foram sócios durante nove anos na Consultoria Econômica e Financeira Ltda., parceria que se manteve até 1995. E, mais uma vez, um sócio e uma sociedade de Serra foram sonegados pelo candidato à Justiça Eleitoral. Não é de hoje, mas desde 1965 que a lei eleitoral, buscando a necessária transparência, exige que os candidatos sejam honestos ao declarar seus bens para prevenir o enriquecimento ilícito por meio do assalto aos cofres públicos.
Serra escondeu o primo, mas por que esconderia Rioli? Sucede que, nesta senda de negócios obscuros, o sócio Rioli é mais uma conexão com Preciado. Vice presidente de operações do Banespa e pilotando as reuniões do comitê de crédito do banco público, Rioli liberou R$ 21 milhões para o primo do ex governador tucano. Realizado em 1999, o empréstimo, sem garantias legais, direcionado para a Gremafer e a Aceto, carregava “indícios veementes de ilicitudes”, segundo o MPF. Não se sabe se o financiamento foi pago.
Mas Rioli é muito mais do que um elo da cadeia entre Serra e Preciado. Ele desvela a vinculação de Serra com o ex tesoureiro do ex governador, Ricardo Sérgio de Oliveira. No labirinto em que se cruzam e entrecruzam os caminhos de Serra, Preciado, Ricardo Sérgio e outros personagens da era das privatizações, o percurso de Rioli é tão importante, que ele merece tratamento à parte. Pivô de negócios nebulosos, em que invariavelmente os cofres públicos perdem e os particulares ganham, ex arrecadador de campanhas eleitorais do PSDB e ex sócio de José Serra, o nome de Vladimir Antonio Rioli, hoje, evoca mais futebol do que política.
É que, atualmente, uma de suas empresas, a Plurisport, empenha se em semear arenas esportivas Brasil afora, prevendo a demanda da Copa do Mundo de 2014. Torcedor do Palmeiras, Rioli envolveu se na modernização do velho estádio Palestra Itália. Além do clube do coração, arquiteta consórcios para erguer os novos estádios de Sport Recife, Botafogo (de Ribeirão Preto), Santo André, Remo, Tuna Luso e Paysandu. Seu passado, porém, persegue o como uma sombra.
Rioli, 67 anos, sempre foi unha e carne com dois ex ministros de FHC. Um deles, José Serra e o outro, Sérgio Motta, ex titular da pasta das comunicações e um dos artífices da privatização do sistema Telebrás.41 Bem antes da expressão “tucano”, em livre associação, vincular se à “privatização” e “neoliberalismo” no imaginário político nacional, Rioli, Serra e o falecido Serjão já eram amigos.
Conviviam na Ação Popular (AP), uma das tantas organizações de esquerda dos anos 1960/1970 que peitaram a ditadura militar paramudar o Brasil. Implacável, o tempo passou, os três mudaram e mudou também a mudança que pretendiam fazer.
41 Sérgio Roberto Vieira da Motta (1940 1998), um dos fundadores do PSDB, tornou se personagem central no processo de aprovação da reeleição para beneficiar o então presidente e seu companheiro de partido Fernando Henrique Cardoso. Teria articulado a compra dos votos parlamentares por meio de dinheiro ou concessões de rádio e TV — necessários à aprovação da emenda pro reeleicao, segundo gravações obtidas e publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo.
Em 1986, quando começou sua sociedade com Serra, Rioli envolveu se em desastroso negócio para a então estatal Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Sua consultoria, a Partbank, foi acusada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de engendrar um contrato sem correção monetária em período de inflação galopante. No final das contas, a Cosipa acabaria perdoando parcialmente a dívida da siderúrgica Pérsico Pizzamiglio, de Guarulhos (SP). O prejuízo da Cosipa escalou o patamar dos US$ 14 milhões. Em 2005, caberia justamente à Pluricorp, de Rioli, assumir um plano de recuperação da indústria. Por ironia, a devedora Pérsico sobreviveu. A credora Cosipa foi privatizada em 1993 e absorvida pela Usiminas.
Nomeado, por indicação do PSDB, para a vice presidência de operações do Banespa em 1991, no governo Luis Antônio Fleury (PMDB), Rioli conquistou poderes para autorizar novos empréstimos mesmo para clientes endividados. Em 1999, foi condenado a quatro anos de prisão. Convertida em multas e prestação de serviços, a pena foi aplicada pela Justiça Federal que considerou sua gestão temerária. Apesar de pareceres contrários, Rioli emprestou US$ 326 mil à quase concordatária Companhia Brasileira de Tratores.
O lance mais impressionante de Rioli no Banespa incluiu um personagem recorrente desta trama: Ricardo Sérgio de Oliveira. Envolvendo o Banespa e com a cumplicidade de Rioli, Ricardo Sérgio trouxe de volta ao Brasil US$ 3 milhões sem origem justificada que repousavam no paraíso fiscal das Ilhas Cayman, no Caribe.
Na CPI do Banespa, que investigou o escândalo, o ex governador Fleury espantou se com o fato. “É surpreendente saber que os tucanos conseguiram usar o Banespa para internar dinheiro durante o meu governo”, disse.

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 09

  • Capitulo 09 - A feitiçaria financeira de Verônica Serra
A sociedade das Veronicas. E as empresas de fachada.
O genro que opera milhões. Mas fica pobre de uma hora para outra.
E enriquece de novo! O método de trazer dinheiro dos paraísos fiscais. A sombra de Daniel Dantas

Foi a bordo de um vestido tomara que caia perolado, cortado pelo estilista Ocimar Versolato, que a empresária Verônica Serra, 31 anos, casou se com o também empresário Alexandre Bourgeois, 32.
A festa durou três dias. Começou em 19 de abril, com a união perante a Igreja Católica, seguiu com o enlace civil no dia seguinte e culminou, no terceiro dia e em alto estilo, com uma recepção para 800 convidados no São Francisco Golf Club, reduto da nata paulistana desde sua fundação pelo conde Luiz Eduardo Matarazzo, em 1937.
Entre os convivas, destaque para Antônio Ermírio de Moraes, Geraldo Alckmin e sua mulher, Lu, José Sarney e Dona Marly, Ruth Cardoso e grao tucanos como Tasso Jereissati e Andrea Matarazzo.
Não foi por nada que a revista IstoEGente titulou sua matéria sobre o evento como “A noiva do poder”. O ano era 2001, FHC era presidente e o pai da noiva, José Serra, seu ministro. Não foi um começo de uma nova história, mas uma continuação.
Verônica e Alexandre estavam juntos havia três anos. Nos anos 1990, encontraram se na Harvard Business School, em Boston, centenária universidade que tem como divisa “Educando líderes para fazer a diferença no mundo”. Para honrar o preceito ou não, logo após, a par de namorados, os dois tornaram se sócios. Casados sob o regime de separação total de bens, quem os une, no mundo da economia, é a empresa IConexa S.A., fundada em setembro de 1999 e originária da Superbid S.C. Ltda. São dois dos cinco sócios fundadores. A IConexa serve de ferramenta para internar dinheiro procedente de paraísos fiscais, o que acontece por meio de sua homônima, a IConexa Inc., uma offshore abrigada no escritório do grupo Citco, em Wickhams Cay, na cidade de Road Town, ilha de Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas. O acionista e procurador da IConexa Inc. é justamente um dos donos da IConexa S.A., Alexandre Bourgeois, que assina pelas duas. É a IConexa das Ilhas Virgens Britânicas que irá integralizar o capital da Superbid ou Iconexa S.A.
Temos, portanto, duas IConexas e uma Superbid. Por enquanto.
Porque há mais cascas de banana no caminho de quem se arrisca a rastrear suas idas e vindas. O leitor deve se acostumar, porque o jogo é esse mesmo. Quem joga assim não vem para explicar, mas para confundir.
Para Verônica, 2001 marca mais do que as bodas com Bourgeois. Assinala também a abertura de sua empresa, a Decidir.com.inc na suíte 900, número 1200, na Brickell Avenue, principal artéria do distrito financeiro de Miami, sempre associada a altos negócios e riqueza.
Da sociedade participa outra Verônica. Irmã e sócia do banqueiro Daniel Dantas, dono do banco Opportunity, Verônica Valente Dantas Rodemburg compartilha a gestão com a xará e filha de José Serra. A direção executiva é composta por Verônica Dantas, que representa o fundo CVC Opportunity, com Verônica Serra, respondendo pelo fundo International Real Returns — IRR, e mais quatro sócios.37
De acordo com o próprio site da empresa, a Decidir.com.inc passa a atuar com um investimento de US$ 5 milhões do Citicorp — então ligado ao ex tesoureiro de campanha de Serra e grande operador das privatizações, Ricardo Sérgio de Oliveira — e do próprio Opportunity.
37 Guy Nevo, representante da Decidir Argentina; Brian Kim, pelo Citibank; mais Esteban Brenman e Esteban Nofal.
A sociedade entre as duas Verônicas — que há quase 10 anos é contada de várias formas na internet — veio a público em 2002, quando Serra disputava pela primeira vez as eleições à Presidência.
Por incrível que possa aparecer, não foram os partidários de Lula, rival de Serra, que jogaram a bomba no ar e sim a revista IstoE Dinheiro, aliada sem nenhum pudor — e não faz a mínima questão de dissimular isso — ao banqueiro Daniel Dantas.
Verônica Serra, filha do candidato do PSDB, era sócia até maio último de Verônica Dantas Rodenburg, irmã de Daniel Dantas, do Opportunity. Elas fundaram, juntas, uma empresa de internet, a Decidir.com, que continua em plena atividade. A empresa foi registrada em Miami em 3 de maio de 2000, sob o número P00000044377.
Mas a operação nos Estados Unidos vai durar pouco. A filha de Serra tirou o nome da empresa antes de o pai ser oficializado candidato”, diz a nota.
E como explicar essa notícia? A revista brigou com Dantas? Ou o banqueiro ficou louco ao ponto de se autodenunciar? Nada disso.
De acordo com as investigações da Polícia Federal, na época, o Banco Opportunity brigava com os sócios estrangeiros e com a Previ, o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil (BB), pelo controle da Brasil Telecom. Sendo assim, pressionava o ex governador paulista a intervir na indicação da diretoria da Previ, que detinha a maior parte das cotas das empresa de telefonia. Em
outras palavras, por meio da publicação, Dantas usava a sociedade entre as duas Verônicas para chantagear Serra.
Esse mecanismo de pressão fica evidente nos e mails trocados entre o assessor de Serra, Luiz Paulo Arcanjo, o “Níger”, e o consultor do Opportunity, Roberto Amaral, no período de 2001 a 2002 compilados. As mensagens foram copiadas e periciadas a partir do computador de Amaral, apreendido pela PF em dezembro de 2008 durante a Operação Satiagraha.38 No dia 30 de abril de 2002, em e mail enviado ao principal assessor de Serra, Amaral critica a nomeação do tucano Andrea Calabi para o conselho de administração do Banco do Brasil. Na ocasião, Calabi era um tucano fora do ninho. Havia deixado o governo em 2000, onde ocupara o cargo de presidente do BNDES, e atuava como conselheiro da Telecom Itália. A empresa italiana travava uma batalha contra Dantas e a Previ pelo controle da Brasil Telecom.
Na mensagem, publicada pela revista Epoca em uma edição da Semana Santa — quando ninguém costuma ler jornal nem revista — o lobista pede para que o assessor resolva o problema.
A reivindicação foi resolvida em uma semana, quando Calabi deixou o cargo.
O que a revista Epoca não publicou é que as trocas de e mails entre o lobista e o assessor deixam clara a aflição de Serra com a devassa que o Ministério Público Federal e a Receita Federal faziam no Fundo Opportunity e outras empresas de Dantas. Temia que a busca pudesse trazer fatos novos sobre a ligação de sua filha com o clã Dantas.
Em 2008, quando a empresa de Miami tornou se novamente notícia devido à repercussão da Satiagraha, que resultou na prisão de Dantas, Verônica Serra distribuiu nota à imprensa negando ser sócia da Decidir. A filha do governador dizia que apenas fazia parte do conselho da Decidir, aberta, de acordo com ela mesma, com o capital do Citibank e do Opportunity.
38 Iniciada em 2004 pela PF, a operação Satiagraha averiguou delitos como o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Resultou na prisão de banqueiros, diretores de banco e investidores em 2008. Empregado pelo pacifista hindu Mahatma Gandhi, o termo satiagraha, do sânscrito, é composto pelas palavras satya (verdade) e agraha (firmeza). Também é interpretado como “o caminho da verdade”.
Sustentava que sua xará Verônica Dantas “foi indicada pelo CVC Opportunity para representa lo no conselho de administração da Decidir. Não conheço Verônica Dantas, nem pessoalmente, nem de vista, nem por telefone, nem por e mail. Ela nunca participou de nenhuma reunião de conselho da Decidir — todas ocorriam mensalmente em Buenos Aires. O Citibank Venture Capital com sede em NY é quem mantinha o CVC Opportunity informado sobre a Decidir”.
A filha do ex governador afiançava ainda que a Decidir sempre foi sediada em Buenos Aires e que no auge da bolha da internet foi aberta uma subsidiária em Miami. “Eu não tenho nenhuma ligação com a empresa desde o primeiro semestre de 2001”, dizia ainda na nota.
E o que este livro tem de novo a acrescentar sobre a Decidir?
Documentos, é claro, obtidos de forma lícita, que esclarecem de vez a saga da sociedade entre as Verônicas. Os papéis comprovam que Verônica mentiu várias vezes em sua nota. A empresa não fechou as portas, Verônica não deixou a empresa e o dinheiro do Opportunity e do Citibank aplicado na firma também nunca esteve na Argentina.
Após cancelar seu registro de funcionamento no Departamento de Comércio da Flórida em 2001, a Decicir passa a ter outro endereço.
Dá para adivinhar?
As Ilhas Virgens Britânicas, é claro, e mais especificamente para o Citco Building, o velho navio pirata que ajudou a amoitar o dinheiro da propina das privatizações. A Decidir é transformada em
offshore e rebatizada como Decidir International Limited. Não se trata de uma estratégia de investimento no Caribe. A legislação do paraíso fiscal caribenho veda transações financeiras em seu próprio território. A finalidade das offshores é a de propiciar transações financeiras intercontinentais. Como ensinam os manuais internacionais de combate aos crimes financeiros, as offshores funcionam como empresas ônibus, que transportam dinheiro, quase sempre sem origem justificada, entre contas bancárias, um artifício que visa apenas dificultar as investigações fiscais e policiais e de outras autoridades que verificam atividades financeiras provenientes da corrupção, do narcotráfico e do terrorismo. E qual é a função da offshore Decidir? Internar dinheiro. Onde? Na empresa Decidir do Brasil, que funciona no escritório da filha do ex governador, localizado
na Rua Renato Paes de Barros, no bairro Itaim Bibi, em São Paulo (SP). Documento da Junta Comercial de São Paulo revela como a empresa injeta de uma vez R$ 10 milhões, em 2006, na
Decidir do Brasil, que muda de nome para Decidir.com.Brasil S.A. Como isto ocorreu? Simplesmente, a offshore de Verônica Serra adquiriu 99% das ações — correspondentes, na época, aos US$ 5 milhões investidos por Dantas e o Citicorp na empresa homônima de Miami — da empresa Decidir Brasil.com.br. É exatamente o que você está lendo: surge na nossa crônica uma terceira “Decidir”...
Não é falta de imaginação. Ao contrário, trata se de uma demonstração inegável de criatividade na tortuosa arte da esquiva.
Além de funcionar no escritório de Verônica Serra na Rua Dr. Renato Paes de Barros, bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, a Decidir brasileira tem como vice presidente a própria filha do governador.
Apesar de ter recebido toda a bolada das Ilhas Virgens Britânicas, a Decidir do Brasil já no primeiro ano acumula um prejuízo de quase R$ 1 milhão, segundo balanço da empresa publicado na imprensa.
Se a empresa vai mal, a empresária vai bem, obrigado. A Decidir do Brasil trabalha no vermelho, mas Verônica ostenta rendimentos suficientes para investir em uma casa de praia em Trancoso, Sul da Bahia, um refúgio de milionários paulistas. Fica no condomínio Alto do Segredo, área verde com vista para o mar. Vista, aliás, que Serra costuma desfrutar, como aconteceu no reveillon de 2010.
Antes da filha comprar a residência, seu anfitrião em Trancoso era o primo emprestado e ex sócio Gregório Marín Preciado. Guarde este nome. Serra deixou de frequenta lo tão amiúde, mas nós vamos visita lo muitas vezes no decorrer destas páginas.
De acordo com documentos obtidos em cartórios, a filha do governador fecha outro negócio, este mais interessante: compra de terceiros, em setembro de 2001, por R$ 475 mil, a mansão em que Serra mora, no bairro Alto de Pinheiros, área nobre de São Paulo. Um excelente negócio para Serra, que continua morando no mesmo endereço.
Mas de onde vem esse dinheiro? Não se sabe. Mas Verônica tenta nos ajudar: a fortuna lhe sorriria por obra de ganhos de capital no exterior. À revista IstoE Dinheiro (sempre a mesma publicação)
ela disse que a chave do cofre traria o nome de Patagon, uma companhia argentina de internet por meio da qual teria levantado cerca de R$ 1 milhão como resultado de aplicações financeiras.
O Citco Building é, não por coincidência, também o mesmo endereço da IConexa Inc., do marido Bourgeois. Como se verá aqui e adiante, esse modus operandi apenas reproduz a fórmula bolada por Ricardo Sérgio de Oliveira na década de 1980. A exemplo da Decidir caribenha, a IConexa passa a internar dinheiro na IConexa Ltda., que funciona no mesmo prédio da Decidir, ou seja, o escritório de Verônica no bairro Itaim Bibi. Toda vez que Bourgeois quer trazer o dinheiro invernado no velho navio corsário, ele faz um aumento de capital na Iconexa, que é integralizado (posto em dinheiro vivo) pela IConexa Inc. Aí acontece o mais inacreditável: Bourgeois assina pelas duas empresas (a IConexa Inc. e a IConexa do Brasil Ltda.) nessas operações. Conforme documentação obtida na Junta Comercial de São Paulo, entre os anos de 2000 e 2002, Bourgeois trouxe um total de R$ 7 milhões do Caribe.
Bourgeois é o dono, além da IConexa Inc., também da Vex Capital Inc., igualmente abrigada no Citco Building, das Ilhas Virgens Britânicas.
Esta sopa de nomes pode se tornar ainda mais indigesta, porém ainda é necessário observar que a Superbid.com.br S/C Ltda., a Superbid.com.br S.A. (após IConexa S.A.) e, mais uma firma, a Leilão World Site formam uma única empresa. E seu dono efetivo seria o genro de Serra. Vamos em frente para não perder o fio da meada.
IConexa e Vex internam R$ 8 milhões em duas empresas abertas em São Paulo pelo próprio Bourgeois. As receptoras são a Orbix S.A. e a Superbid.com.br. A Iconexa Inc. aplica R$ 7 milhões em ações da Superbid.com.br — que, mais tarde, irá se metamorfosear na nossa já conhecida IConexa S.A. E a Vex Capital investe R$ 500 mil na Orbix S.A., que, por mera casualidade, tem o mesmo endereço da Superbid. Esta, por sinal, teve Verônica Serra como sócia.
Detalhando estas operações, percebe se que em 2000 a IConexa do Caribe despejou R$ 1,8 milhão na xará brasileira, cujo capital, até então era de R$ 10 mil. No ano seguinte, outro salto, agora para
R$ 3,5 milhões. E, em 2002, atingia mais de R$ 7 milhões.
Entretanto, as empresas de Bourgeois no Brasil parecem contaminadas pela mesma praga que acometeu o empreendimento nativo de Verônica. A exemplo da Decidir, elas passam a acumular sucessivos prejuízos e sofrem uma devassa fiscal da Receita Federal sob a acusação de sonegação de tributos. A IConexa passa a ser ré no processo número 2004.61.061807 5, que tramita na 7ª Vara de Execuções Fiscais, em São Paulo. É acusada de não pagar valores devidos à Previdência Social. A Justiça chega a ordenar o rompimento do sigilo fiscal e bancário de Bourgeois. O juiz da 7ª Vara, Pedro Calegari Cuenca, ordena a penhora dos bens do genro do ex governador.
Mas os oficiais de justiça não encontram nem mesmo um carro registrado em nome do marido de Verônica Serra. No dia 18 de abril de 2008, a Justiça quebrou o sigilo fiscal de Bourgeois referente aos anos 2005, 2006 e 2007 e dos anos 2004, 2005 e 2006 da IConexa. E, mais uma vez, não localizou nenhum bem a ser penhorado.
Em março de 2010, a Justiça determinou a quebra do sigilo bancário da empresa e de Bourgeois na tentativa de receber uma dívida de R$ 363 mil, mas somente conseguiram achar R$ 3 mil na conta do empresário. Como será esmiuçado na parte final deste livro, a IConexa chega a ser indiciada pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro após o Coaf detectar operações atípicas nas contas da firma, usadas exclusivamente para internar dinheiro.
Os oficiais de justiça constatam então que Bourgeois, apesar de trazer milhões do exterior, fica pobre de uma hora para outra.
Certifico ainda que realizei pesquisa junto ao Detran, a mesma resultou negativa”, afirma a oficial de justiça Jurema de Paiva, no dia 28 de agosto de 2006. Neste mundo de números e simulações, de miragens e ficções, a suposta ruína do marido de Verônica parece indicar que ele atuou somente como laranja nas operações em paraísos fiscais.
Mas como não há mal que sempre dure, o bravo Bourgeois logo está de volta ao universo misterioso de onde teria sido ejetado como pária. Garimpados na Junta Comercial do Rio de Janeiro, documentos atestam que, às vésperas de o sogro candidatar se novamente à Presidência da República, Alexandre Bourgeois retomou suas operações. Funda o fundo de investimentos Orb, com sede em Trancoso e no Rio de Janeiro, administrado por um grupo do qual recebe também seu endereço: o fundo Mellon Brascan DTVM (ou BNY Mellon Serviços), que funciona no prédio do  Banco Opportunity, na Avenida Alvarenga Peixoto, no Rio. E, por mais uma coincidência neste mundo crivado de coincidências, o fundo é transferido ao controle da construtora João Fortes Engenharia, ligada à família do deputado federal Márcio Fortes (PSDB), um dos arrecadadores da campanha de Serra. Coincidência ou não, a construtora passa, de acordo com a Junta Comercial, a ser acionista do fundo em 2010 durante a campanha eleitoral.
E não é só isso: Bourgeois também retoma as operações com a empresa Lutece S.A., que, em seus balanços, garante ter obtido um lucro de R$ 1,5 milhão. Papéis levantados na Junta Comercial de
São Paulo indicam que a Lutece foi anabolizada por uma injeção de capital do Banco Indusval, vinculado ao doleiro Lúcio Bolonha Funaro. Este, junto com a corretora Link, pertencente aos filhos do ex ministro das Comunicações de FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros, é acusado de causar um prejuízo de R$ 32 milhões ao Banco do Brasil por meio de operações de swap.39 O Banco Indusval é uma das 15 instituições financeiras acusadas no chamado “Escândalo dos Precatórios”,40 da prefeitura de São Paulo.
O relacionamento com o Opportunity insere uma nota curiosa em tudo isso: a sombra perene de Daniel Dantas e do seu banco do início ao fim das atividades empresariais e financeiras do casal.

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