Postagem Dag Vulpi 17/04/2011 11:06
PARADIGMAS DE UMA ECONOMIA FRATERNA
por Hélcio de Castro Padrão, Thaïs Abi-Sâmara e Berenice von Rückert
Se aprofundarmos na principal razão ou razões da existência humana, acreditamos que o aprendizado ocupa posição de destaque.
Podemos dividir o aprendizado em três partes:
• Auto - conhecimento;
• Desenvolvimento do relacionamento social;
• Agir fraterno (contribuir para a sociedade / comunidade).
Ao analisamos o ideal trimembrado que surgiu na Revolução Francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, tanto a liberdade no pensar quanto a igualdade nas relações haviam sido descritas na Carta dos Direitos do Homem em 1789 (que posteriormente foi inserida na Constituição Francesa por Napoleão Bonaparte):
“Artigo l. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser fundamentadas senão sobre a utilidade comum”.
“Artigo 11. A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei”.
“Artigo 12. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; por conseguinte, esta força fica instituída para o benefício de todos, e não para a utilidade particular daqueles a quem ela for confiada”.
Embora fizesse parte do ideal francês, a palavra “fraternidade” não aparece nesta Carta e sequer fora relacionada com o “querer” ou com a vida econômica. Por quê?
Bem, o homem precisou desenvolver o seu eu, tomar consciência de seus direitos para
poder reivindicá-los, e lutar contra as formas de opressão.
Mas a fraternidade não é um direito. É um dever. Por isso não poderia estar presente em uma carta de direitos. Outro motivo é que a Revolução Francesa fora encabeçada pela burguesia mercantilista, que queria a liberdade na economia uma vez que sofriam com a excessiva intervenção do Estado neste setor.
Atualmente vivemos o momento de uma nova tomada de consciência por parte da humanidade: a conscientização de que também temos deveres. E este processo é mais doloroso porque significa abrir mão de muitas coisas, compartilhar e, antes de tudo, requer aprendizado contínuo. Em contrapartida é um caminho que traz muitas realizações.
E é este aspecto que gostaríamos de enfatizar, o da Fraternidade no Querer ou da Economia Fraterna.
Embora o aprendizado tenha relevante importância na vida humana e que o trabalho seja a melhor forma de contribuir para a comunidade, o que motiva este trabalho ainda é o auto-sustento, a realização pessoal e a satisfação dos desejos individuais. Uma pessoa que trabalha com este impulso não contribui com o quanto é capaz, mas com o quanto ele quer ganhar.
Como disse R. Steiner:
“É que ser auto-sustentador significa trabalhar para o ganha pão; já trabalhar para os outros significa trabalhar a partir das necessidades sociais”.
Mudar de um sistema centrado no individualismo (ego centrista) e ir em direção a um sistema voltado para o social significa uma mudança radical em nossos conceitos. O jargão “temos que atender às necessidades de nossos clientes”, embora maciçamente utilizado pelas organizações, ainda não foi amplamente entendido e sequer utilizado de forma pura. O que ainda motiva as ações da maioria das organizações e das pessoas é o lucro e não atender as reais necessidades dos clientes. O que não entendemos é que, a longo prazo, atender realmente às necessidades dos clientes e ter lucro estão intimamente ligados.
O lucro e o acúmulo de capital permitem o desenvolvimento humano, pois possibilitam o investimento em estudos e pesquisas. O problema é quando o homem se apropria deste capital, se sente dono dele. O capital surge na atuação do Espírito do homem no trabalho. E esta atuação resulta no surgimento de novos produtos e do aumento de produtividade, enriquecendo a comunidade. E é da comunidade o resultado deste trabalho. Ao homem, cabe sua remuneração, de forma que atenda suas necessidades. Quando ele se apropria deste capital e o acumula, pura e simplesmente, ele o estanca, fazendo o efeito inverso, não permitindo o desenvolvimento da sociedade, uma vez que este não movimenta a economia, e não facilita a atuação de outras pessoas com capacidade empreendedora no sistema.
E esta mudança não virá de forma imposta, pois cabe ao empreendedor o destino da aplicação do capital excedente. Temos sim que nos conscientizar todos das conseqüências reais de nossos atos, para que possamos agir de forma mais construtiva.
E o primeiro passo nesta direção, voltando ao início deste texto, significa justamente:
• Auto - conhecimento;
• Desenvolvimento no relacionamento social;
• Atuação fraterna.
Este é um dos paradigmas da economia desta nova era. Precisamos investir no desenvolvimento humano como um todo. E esta necessidade já se faz sentir em todas as organizações.
Quando conseguirmos quebrar este sistema individualista e caminharmos para um sistema cooperativo, a humanidade terá dado um importante passo para seu desenvolvimento. E construiremos uma sociedade mais justa, menos desigual, onde todos tenham as mesmas oportunidades e onde as diferenças sejam respeitadas, transformando a Terra em um lugar melhor para todos vivermos. E se observarmos bem ‘a nossa volta, poderemos perceber que esta mudança já está começando.
O CÂMBIO E OS JUROS
Vivenciamos uma economia globalizada.
O comércio entre os povos existe há milênios. E não será diferente. E nem poderia ser, pois vivemos em um planeta onde todos os seres humanos estão interligados, formando uma comunidade global. A maioria dos países não é auto-suficiente e depende deste comércio para sobreviver.
Como disse R.Steiner no livro Economia Viva:
“Os diferentes Estados podem ser comparados às células de um organismo e, somente toda a Terra, como corpo econômico, pode ser comparada a um organismo....A Terra toda, tomada como um organismo econômico, é um organismo social.”
Dentro desta estrutura global, um fato econômico se torna perverso: as diferenças cambiais entre as moedas dos diversos países.
O câmbio, da forma como é praticada hoje é completamente absurda. Um verdadeiro jogo especulativo, sem nenhuma regra lógica, completamente incoerente, onde o que vale, na verdade, é o ganho fácil e o que é pior: sem produzir nada. Uma pessoa que vive da especulação nada produz, mas se alimenta, se veste, se diverte, ou seja, consome como qualquer outro. Todos têm direito a este consumo. Mas aqueles que consomem, sem nada produzir em troca, são fardos para a sociedade, pois outros terão que trabalhar para mantê-los.
Para se ter noção da falta de coerência e da perversidade que hoje significa o sistema cambial, basta observar os fatos presentes:
Se os Estados Unidos entrarem em guerra contra o Iraque, por que o Real se desvaloriza em relação ao dólar? Não é estranho? Não deveria a moeda norte americana se desvalorizar, já que são eles que estão gastando bilhões de dólares nesta batalha? Ou seja, tudo que acontece no cenário mundial desvaloriza nossa moeda. Que lógica há nisto tudo? A única lógica é que alguém ganha e alguém perde com toda esta especulação. E com certeza não é o setor produtivo, que se vê como um barco à deriva, em meio a toda esta tormenta. Para uma economia realmente globalizada, assim como fez a União Européia, teremos que caminhar gradativamente para uma moeda única e mundial. Sabemos que não será fácil, pois requer significativas melhorias nas condições econômicas dos países menos desenvolvidos. Mas este será um caminho necessário.
Outro problema que estrangula a economia é o juro. Nosso governo insiste na fórmula de aumentar o juro para conter a inflação. Embora tenha efeitos no curto prazo, uma vez que retém uma parte do capital especulativo mundial, no longo prazo os efeitos são arrasadores.
O que acontece quando o país aumenta sua taxa de juro?
A dívida do governo aumenta de forma geométrica, que por sua vez necessita aumentar seus impostos, que hoje, no Brasil, já chega a 34% do PIB. Com isso o setor produtivo enfraquece, uma vez que o dinheiro em circulação diminui (está sendo sugado para o governo pagar suas dívidas) e o custo do dinheiro para investimentos fica cada vez mais caro. Por sua vez, os novos empreendedores se vêem em dificuldades para criar novas organizações. Sem esta atuação do Espírito humano no trabalho, forma-se menos capital. Sem capital a população empobrece. E sem surgimento de novas empresas e sem novos investimentos no setor produtivo o desemprego aumenta. E este é um círculo vicioso que corrói e destrói a base econômica do nosso país. O governo alega que necessita conservar o juro alto para manter o capital especulativo estrangeiro no país. Mas um dia ele terá que deixar-nos uma vez que este só visa lucro fácil. Ou o governo favorece o setor produtivo ou favorece o especulativo. E se o governo não favorecer a produção, sua maior
base de arrecadação, ele também morre.
Outra alegação do aumento do juro foi defendida pelo Banco Central baseando-se no aumento da inflação. E que esta inflação estaria elevada pelo aumento de circulação de dinheiro na economia. Este dado não condiz com o relatório do próprio Banco Central, que em 2002 constatou a diminuição das remunerações dos brasileiros. Se a renda diminuiu, como o dinheiro em circulação poderia ter aumentado? Em nossa opinião a inflação atual tem base em três pilares principais:
• o jogo especulativo do câmbio que desvalorizou sobremaneira a nossa moeda;
• os aumentos constantes das tarifas públicas, bem acima da inflação e os aumentos programados pelos setores regulados pelo governo, como energia e telecomunicações;
• o aumento dos impostos.
No fundo não sabemos se a dívida brasileira é ou não pagável. Mas não é difícil entender o quanto estamos sendo sacrificados para saldar seus juros. E também não é difícil prever que, se hoje seja possível quitá-la, com estas taxas de juros exorbitantes, em pouco tempo não mais será.
Não será fácil para o país agir para não mais atrair este capital especulativo que aqui hoje reside. Será um remédio amargo e com certeza aprofundaremos em uma crise. Mas se não tomarmos as providências necessárias em tempo hábil, certamente experimentaremos algo muito pior.
Como citou R.Steiner, aumentar os juros para conter a alta dos preços é o mesmo que estar sentindo frio e aumentar a coluna de mercúrio de um termômetro.
Hélcio de Castro Padrão, Thaïs Abi-Sâmara e Berenice von Rückert, são membros da Associação de Pedagogia Social e consultores da Éthica Consultoria e Treinamento