3 de jan. de 2012

O CHEFE - Capítulo 21 - Na crise do mensalão, o PT temeu o impeachment. A oposição não agiu. Lula deu a volta por cima

Capítulo 21

Na crise do mensalão, o PT temeu o impeachment.
A oposição não agiu. Lula deu a volta por cima

As denúncias em turbilhão ligadas ao escândalo do mensalão, em 2005, deixaram desesperados integrantes do PT e do Governo Federal. Achavam que Lula não resistiria e que o impeachment do presidente da República era iminente. "Havia muita gente convicta de que o governo tinha acabado", admitiu o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, em entrevista à revista Veja, em junho de 2008. Houve até uma "famosa noite", em que os ministros Antonio Palocci (PT-SP), da Fazenda, e Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, sugeriram um acordo à oposição. Para evitar o acirramento da crise, nas palavras de Gilberto Carvalho, "Lula abriria mão da reeleição em troca do restante do mandato. Aquela noite foi difícil para todos nós".
Os dois ministros procuraram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) por orientação de Lula. Márcio Thomaz Bastos disse a FHC que o País ficaria ingovernável com o impeachment. O ex-presidente concordou, conforme o relato do repórter Carlos Marchi, no jornal O Estado de S. Paulo. E comprometeu-se a acalmar a oposição. Do repórter: "Nas semanas seguintes, a sua influência foi sentida e acabou sendo vital para que a oposição refreasse o ímpeto e não chegasse ao limite do pedido de impeachment".
FHC avaliou que o afastamento de Lula "criaria uma cisão no Brasil". Outros líderes da oposição, como o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), e o presidente nacional do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), também foram procurados por emissários de Lula. O escândalo do mensalão provocaria ainda mais desolação nos dias seguintes. Lula ficaria chocado com o episódio da prisão, com dólares na cueca, de um assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão do presidente do PT, José Genoino (SP).
E quando Duda Mendonça admitiu à CPI dos Correios, em agosto de 2005, que recebera, no exterior, proveniente de caixa 2, pagamento pela campanha que havia elegido Lula, os dois ministros demonstraram ao presidente que a confissão do publicitário atingira pessoalmente o mais alto mandatário da nação. A situação, a partir dali, fugiria do controle do governo.
Daquela vez, Antonio Palocci se mostrou desorientado a FHC, e informou-o de que os conselheiros mais próximos de Lula temiam seriamente pelo futuro do presidente. Palocci falou em "desastre". Para ele estava "tudo perdido". Se não bastasse, de acordo com o relato do então ministro da Fazenda ao ex-presidente FHC, havia novos escândalos a explodir, como o de um rombo de R$ 500 milhões no Banco do Brasil. Mas isso jamais veio à tona. E Lula conseguiu o que parecia impossível. Sobreviveu politicamente.
Um ano depois, no País da corrupção e da impunidade, Valdebran Padilha e Gedimar Passos, ambos ligados ao PT, foram presos pela Polícia Federal em um hotel em São Paulo, com R$ 1,7 milhão em cédulas de reais e dólares. O escândalo do dossiê, como ficou conhecido, era uma trama contra políticos do PSDB, e se tivesse dado certo beneficiaria principalmente o candidato do PT a governador de São Paulo, senador Aloizio Mercadante.
Vários colaboradores de Lula se meteram na enrascada. Mas era tarde demais para implicar o presidente. A oportunidade já havia passado. O inquérito do escândalo do dossiê chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal). Mercadante não foi incluído no rol dos indiciados, apesar de o então coordenador de sua campanha, Hamilton Lacerda, ter sido filmado no lobby do hotel com a sacola que conteria o dinheiro para comprar o dossiê. Os "aloprados" do PT, como definiria Lula, tinham a intenção de desmoralizar a oposição, vinculando-a à compra de ambulâncias superfaturadas e à chamada máfia dos sanguessugas. O tiro saiu pela culatra. Apesar de arranhado, Lula foi reeleito em 2006 para mais quatro anos de governo. Quanto a Mercadante, em desvantagem na disputa eleitoral, perdeu ainda no primeiro turno.
Como vimos, Lula tornou-se um mestre na arte da dissimulação. Mostrou habilidades contorcionistas no caso José Sarney. Fez de tudo ao seu alcance para proteger o aliado. E foi assim em todos os episódios aqui relatados, independentemente da gravidade dos fatos. Lula mostraria competência para dizer que não era com ele. Não titubearia na hora de pôr sua máquina parlamentar a serviço do bloqueio das investigações. Trabalharia contra todos os inquéritos que não lhe interessavam. Minimizaria a importância das evidências. Debocharia dos indícios. Ridicularizaria adversários.
A lentidão da Justiça brasileira ajudou. Favoreceu a impunidade. Deixou incólume a corrupção. Dois anos após o escândalo do dossiê, por exemplo, não havia ninguém formalmente denunciado. A investigação estava parada, com a desculpa da impossibilidade de se descobrir a origem do dinheiro. Ora, não havia mistério algum: o dinheiro veio do caixa 2 do PT e foi usado para beneficiar a candidatura do senador Mercadante. Era só responsabilizá-lo.
Lula foi reeleito. Manteve a alta popularidade. Aumentou-a ainda mais. Seguidores do presidente chegaram a ensaiar a apresentação de uma emenda à Constituição, para autorizá-lo a concorrer a um terceiro mandato consecutivo. A crise econômica internacional talvez tenha freado os ânimos dos amigos. Em todo o caso, Lula passou o segundo mandato negando que soubesse de fatos ligados ao escândalo do mensalão. Em todas as oportunidades refutou o esquema de compra de votos no Congresso. E tratou de defender os aliados.
O ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) é um bom exemplo. Havia renunciado ao mandato para evitar possível cassação em 2005. Fora denunciado por receber um mensalinho de R$ 10 mil para autorizar o funcionamento de um restaurante na Câmara dos Deputados. Claríssimo o seu envolvimento. Não havia como negar. Tanto que, dois anos depois, Severino Cavalcanti acabaria acusado pelo Ministério Público Federal por ter exigido e recebido R$ 137 mil de propina.
Pois bem. Em março de 2008, Lula fez discurso em Recife para dizer que a "elite paulista e do Paraná" derrubara Severino Cavalcanti da presidência da Câmara, como se um esquema de corrupção não tivesse sido desbaratado. "Continuo tendo o mesmo respeito que eu tinha por você", frisou Lula. Naquele ano, Severino Cavalcanti seria eleito prefeito de João Alfredo (PE).
Dois dias após elogiar Severino, Lula partiu para defender o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), outro aliado que, de tão enrolado, se viu forçado a renunciar à presidência do Senado em meio a uma série de denúncias de corrupção e condutas inadequadas. Palavras do presidente da República:
- Não vou permitir que alguém que não tenha moral de fazer crítica a alguém possa fazer com que eu rompa a amizade que tenho com um companheiro que me ajudou tanto tempo como o companheiro Renan Calheiros ajudou no Senado da República.
O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), trouxe luz a um novo escândalo ao anunciar, em agosto de 2008, a substituição de três contratos suspeitos de fraude assinados na gestão de Renan Calheiros. Eram contratos para a prestação de serviços de manutenção e condução de veículos, comunicação social e vigilância desarmada no Senado. Havia indícios de vícios em licitação, superfaturamento e quebra de impessoalidade, conforme gravações de conversas entre funcionários do Senado. Os três contratos implicavam gastos superiores a R$ 3 milhões mensais.
Como tantas vezes em seu governo, Lula fez que não havia nada demais. Duas semanas após os jornais publicarem a notícia dos tais contratos, o presidente recebeu Renan Calheiros no Palácio do Planalto. Deu-lhe uma boa nova: o Governo Federal iria inaugurar obras no interior de Alagoas, ainda antes das eleições municipais de 2008, em pleno reduto do senador. Dias depois, Lula telefonaria a Renan para outra boa notícia em primeira mão: a administração do PT decidira tocar obras de um metrô de superfície em Maceió. Lula trabalhava abertamente para reabilitá-lo. Ajudou seu filho, Renan Calheiros Filho, o "Renanzinho", a ser reeleito prefeito de Murici (AL).
Em abril de 2008, o jornal O Globo, do Rio, ajudou a entender Lula um pouco melhor. Publicou o artigo "Lula, o pelego?", do professor Francisco Weffort, fundador do PT e secretário-geral do partido de 1984 a 1988. Ele relatou uma viagem internacional na qual acompanhou Lula na década de 80. Um dirigente sindical metalúrgico foi agressivo com Lula na Alemanha. Estava furioso porque enviara dinheiro a São Bernardo do Campo (SP), mas não recebera qualquer prestação de contas do sindicato comandado por Lula. Já naquela época, Lula se desvencilhou do problema. Não sabia de nada.
Na mesma viagem, o mesmo constrangimento voltaria a se repetir nos Estados Unidos. Sindicalistas norte-americanos igualmente não teriam recebido a prestação de contas de um dinheiro encaminhado ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, berço político de Lula. Novamente Lula desconversou e fez que não era com ele. Francisco Weffort saiu da direção do PT em 1989, e desligou-se do partido em 1995. Trecho do artigo:
"Até então era difícil imaginar que um partido tão afinado com o discurso da moral e da ética pudesse aninhar o ovo da serpente. Minha dúvida atual é a seguinte: será que a leniência do governo Lula em face da corrupção não tem raízes anteriores ao próprio governo? A propensão para tais práticas não teria origem mais antiga, no meio sindical onde nasceu o PT e a atual 'república sindicalista'?"
O casal de ex-petistas Bruno Daniel e Marilena Nakano, irmão e cunhada do ex-prefeito Celso Daniel (PT), deixou às pressas o País e se mudou com os três filhos para a França. Em pleno regime democrático no Brasil, foram oficialmente reconhecidos como refugiados políticos pelo governo francês, em março de 2006, depois de receberem seguidas ameaças de morte por insistirem na elucidação do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP). O caso continuaria sem solução. De Bruno Daniel, em janeiro de 2008, em Paris:
- Depois de termos vivido os duros anos da ditadura militar, não imaginávamos que alguém seria obrigado a sair do País e se refugiar na condição de exilado. Para nossa surpresa, estamos diante dessa dura realidade.
No início deste livro, o leitor foi instado a responder por que Lula nomeara como ministro o filósofo Roberto Mangabeira Unger, que o acusara de ser o chefe do governo "mais corrupto da nossa história". Exageros eventuais de Mangabeira Unger à parte, a resposta é simples: a acusação por ato de corrupção só é inaceitável para quem não é corrupto.

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O CHEFE - Capítulo 20 - Lula: 'Sarney tem história para que não seja tratado como se fosse pessoa comum'

Capítulo 20

Lula: 'Sarney tem história para que não seja tratado como se fosse pessoa comum'

O tamanho da crise no Senado não teve precedente. Apesar de cercado por um oceano de acusações, indícios e evidências de abusos, desmandos e uso do cargo em benefício próprio, de parentes, aliados e amigos, o presidente da Casa, senador José Sarney (PMDB-MA), continuou a receber apoio político do presidente Lula. Quanto mais deteriorada e escancarada a situação de Sarney, mais Lula se empenhou em minimizar condutas inadequadas, desqualificar denúncias e apresentar-se como o protetor absoluto do líder maranhense. O presidente da República fez de tudo para salvá-lo. Conseguiu. Aqui, um resumo do escândalo que mobilizou a opinião pública em 2009, entremeado com a defesa do chefe Lula e de seus principais operadores.
Com a revelação de que o Senado tomava decisões por meio de atos secretos, em junho daquele ano, Sarney foi posto na berlinda. Afinal, Agaciel Maia, o diretor-geral apontado como o maior responsável por esconder medidas que implicavam gastos públicos, sem divulgá-las, fora escolhido para comandar a Casa, 14 anos antes, por Sarney. Os atos secretos atingiram diretamente o velho líder do Maranhão.
O escândalo trouxe à tona que João Fernando Michels Gonçalves Sarney, neto de Sarney, havia sido nomeado, com 20 anos, secretário parlamentar do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), num dos postos mais altos da estrutura funcional do Senado. Ficou no "emprego", aparentemente sem aparecer por lá, por quase dois anos. O salário dele era de R$ 7.600, sem contar os benefícios.
Do presidente Lula:
- Eu sempre fico preocupado quando começa no Brasil esse processo de denúncias, porque ele não tem fim e depois não acontece nada.
Em razão da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que proibiu o nepotismo no poder público, o jovem João Fernando, filho do empresário Fernando Sarney, primogênito de José Sarney, não poderia continuar usufruindo a sinecura. Puseram em seu lugar, com o mesmo salário, a mãe, uma ex-candidata a Miss Brasília, Rosângela Terezinha Michels Gonçalves.
Antes da nomeação da mãe do rapaz no Senado, a Polícia Federal gravou uma conversa telefônica entre Fernando Sarney e João Fernando. No diálogo, travado em 27 de agosto de 2008, o pai acalmava o filho, temeroso de perder o emprego, em razão do cerco ao nepotismo no Congresso. Fernando Sarney explicou que já acertara a situação com o senador Epitácio Cafeteira:
- Se tiver que, de alguma forma, ter uma atitude, tiver que sair mesmo, ele já me disse que o lugar é meu, que eu boto quem eu quiser.
De Lula:
- Não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil, mas eu penso o seguinte: quando o Congresso foi desmoralizado e fechado, foi muito pior para a democracia e para o Brasil.
Com o escândalo do neto de Sarney nos jornais, Epitácio Cafeteira procurou justificar o emprego a João Fernando, filho de relação extraconjugal:
- Eu devia favores ao Fernando. Ele me ajudou na campanha.
Sobre a contratação da mãe, no lugar do neto:
- Eu a convidei. Quem resolve quem trabalha no meu gabinete sou eu.
Agora, o senador responde sobre o trabalho da nova "assessora":
- Não existe tipo de trabalho, no gabinete todos trabalham.
De Lula:
- O que ganharia o Senado em ter uma contratação secreta, se tem mais de 5 mil funcionários transitando por aqueles corredores? Por que haveria de ter alguém secreto? Essa história precisa ser melhor explicada.
Os repórteres Fernando Rodrigues e Valdo Cruz, da Folha de S.Paulo, quiseram saber de José Sarney o que ele achava de Epitácio Cafeteira ter nomeado João Fernando pelos favores devidos a Fernando Sarney. Resposta:
- Vocês acham que eu, como presidente do Senado, tenho minha biografia, vou discutir uma coisa dessa? Não vou discutir um assunto desse. Minha resposta para vocês é essa.
De Lula, reclamando de notícias de jornal sobre nomeações no Senado:
- O povo não aguenta mais que as coisas secundárias sejam transformadas em prioritárias e as prioritárias sejam esquecidas.
Ato secreto nomeou Vera Portela Macieira Borges, sobrinha de José Sarney. Por mais de seis anos, ela recebeu salários de R$ 4.600, sem contar os benefícios, na capital de Mato Grosso do Sul. Oficialmente, prestava serviços no escritório político do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Ele confirmou:
- Sarney me solicitou, porque ela estava aqui, em Campo Grande, e eu atendi.
De Lula, criticando a "política do denuncismo" da imprensa:
- O que não pode é todo dia se arrumar uma vírgula a mais ou repetir a mesma matéria. Vai desmoralizando todo mundo, cansando todo mundo. E inclusive a imprensa corre risco, porque ela também tem de ter a certeza de que não pode ser desacreditada.
Sem o sobrenome do irmão famoso, ficou fácil para José Sarney esconder a irmã por parte de pai, Ana Maria da Costa Bastos, em seu gabinete pessoal no Senado. Ela foi nomeada como secretária parlamentar em janeiro de 2005, com salário de R$ 7.400. Em seguida, "rebaixada" para assistente parlamentar, passou a receber R$ 4.900 mensais. Ainda em 2005, no primeiro mandato de Lula, acabou transferida para o gabinete do então senador Edison Lobão, aliado histórico de Sarney. De lá Ana Maria da Costa Bastos só saiu em outubro de 2008, após ser exonerada por ato secreto.
Outra sobrinha de Sarney também conseguiu trabalho no Senado. Maria do Carmo de Castro Macieira foi comissionada no gabinete da senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), filha do líder maranhense. Mas não ficava em Brasília. Prestaria serviços em São Luís, no escritório político de Roseana. O ato secreto que a nomeou teve a assinatura de Agaciel Maia.
Do ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB-PE):
- O apoio ao presidente Sarney é absoluto.
Virgînia Murad de Araújo, parente de Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, ganhou cargo de assistente parlamentar na Liderança do Governo no Congresso em 2007. Na época, a líder de Lula era a própria Roseana. Após dois anos, Virgínia Murad permanecia na folha de pagamentos do Senado.
De Lula:
- O governo tem sua programação determinada, acho que todos os senadores, a começar pelo presidente Sarney, têm responsabilidade de dirigir bem os destinos do País, do Congresso. Vamos esperar que essas coisas se resolvam rápido.
Sobrinha de Jorge Murad, Isabella Murad Cabral Alves dos Santos foi contemplada com emprego na Liderança do PTB no Senado em 2007. O líder era Epitácio Cafeteira. Garantida a boquinha, a moça foi morar na Espanha. Recebendo os salários. O senador disse que não sentiu falta de Isabella. "Não sou fiscal de funcionário". E recorreu a outro tio dela, o amigo Eduardo Lago:
- Ele é tio dela e me pediu que nomeasse, mas esqueceu de avisar que ela tinha conseguido uma bolsa de estudos na Espanha.
De Lula, ao reclamar da "predileção pela desgraça" na cobertura jornalística sobre a crise que envolvia José Sarney:
- Há tanta coisa boa que acontece. Quando liga a TV e lê jornal, o que está estampado é a desgraça!
Empossada como governadora em 2009, Roseana Sarney escolheu a filha do senador Epitácio Cafeteira, Janaína, como sua assessora de Programas Especiais do Maranhão. Antes, a moça tinha tido cargo no gabinete do pai. Saíra em razão da legislação antinepotismo.
De Lula:
- Para chegar ao Senado, é preciso ter mais de 35 anos. Se tem problema, só tem uma solução: é consertar o problema. Se não tiver problema, é mostrar que não tem. E foi essa a disposição do presidente José Sarney na conversa que tive com ele. Não vamos fazer disso uma causa nacional, porque temos coisas mais importantes para discutir no Brasil.
Shirley Duarte Pinto de Araújo, cunhada de José Sarney, esteve empregada no gabinete de Roseana Sarney por seis anos, desde o começo da era Lula. Shirley era mulher de Ernane Cesar Sarney Costa, irmão de José Sarney e secretário particular de Roseana. No início do segundo mandato de Lula, o salário dela subiu de R$ 2.400 para R$ 7.600. Os nomes de Ernane e Shirley apareceram na Operação Navalha, que investigou atividades da construtora Gautama. Ela seria destinatária de depósitos suspeitos de dinheiro.
De Lula:
- O povo brasileiro já viu muitos escândalos. Ao longo da história, o que mais vemos são escândalos, divulgados em verso e prosa, que depois não dão em absolutamente nada.
Mais um do clã José Sarney empregado com cargo público. Amaury de Jesus Machado, o "Secreta", apontado pelo jornal O Estado de S. Paulo como mordomo de Roseana Sarney, era funcionário efetivo do Senado. Com as gratificações, ganhava cerca de R$ 12 mil. Estava lotado no gabinete de Mauro Fecury (PMDB-MA), o suplente que substituiu Roseana Sarney quando ela assumiu o governo do Maranhão em 2009.
Secreta, o secretário, trabalhava na residência de Roseana no Lago Sul, em Brasília. Era o faz-tudo da família. Cuidava dos serviços de copa e cozinha, dava ordens a outros empregados da casa e organizava as recepções promovidas por Roseana. Para compensar o apoio de Mauro Fecury a Secreta, o irmão do senador, Sidney de Lima Fecury, tinha emprego no gabinete do deputado José Sarney Filho (PV-MA). Secreta fez ameaça:
- Eu sempre trabalhei no Congresso Nacional e vou processar quem disse o contrário.
De Lula, em reunião reservada com assessores, na qual o presidente dá ordem para "tentar segurar" Sarney:
- Sarney foi eleito. Os senadores o elegeram. Acho que ele tem um compromisso de fazer apuração e me disse que está apurando.
José Sarney criou o Conselho Editorial do Senado. Era como um cabide de empregos. Nathalie Rondeau, então com 19 anos, ganhou cargo no órgão em 2005. Por ato secreto. Ela é filha de Silas Rondeau, nomeado ministro de Minas e Energia do governo Lula, por indicação de Sarney. Tempos depois, acusado de envolvimento no esquema de corrupção da Operação Navalha, Silas Rondeau, como já vimos, teve de se afastar. Nathalie Rondeau, não.
A Operação Navalha celebrizou Zuleido Veras, dono da construtora Gautama. A agenda dele, apreendida pela Polícia Federal, registrava anotações relativas à "Dama", uma referência a então candidata a governadora do Maranhão em 2006, Roseana Sarney. A agenda também mencionava "Roseana" e, em determinada página, a palavra "Dama" havia sido escrita sobre "Roseana". As anotações indicariam doação de R$ 1 milhão para a candidata. Os Sarney não foram incluídos no relatório da Operação Navalha.
De Lula:
- O que eu não quero é transformar as coisas que aconteceram no Senado em uma coisa institucional. Ali todo mundo tem maioridade, todo mundo sabe o que acontece, todo mundo toma a decisão e resolve.
Em 2007, um ato secreto nomeou Luiz Cantuária Barreto, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Amapá, um protegido de Sarney, no Conselho Editorial do Senado. Durante 14 meses ele receberia salários de R$ 7 mil. Ato secreto também guindou ao cabide de empregos Ricardo Araújo Zoghbi, filho do diretor de Recursos Humanos do Senado, João Carlos Zoghbi.
De Lula, ao dizer que a imprensa tem menos poder que há alguns anos:
- O jornal fica tão velho que todos os jornais criaram blogs para informarem seus eleitores junto com os internautas do mundo inteiro.
Sócia de Maria Adriana Sarney, filha de Fernando Sarney, a empresária Zenicéia Silva de Assis foi nomeada por ato secreto assinado por Agaciel Maia, em 2007, num cargo do Conselho Editorial do Senado. Palavras dela:
- Os assessores do presidente Sarney me avisaram da nomeação.
Zenicéia Silva de Assis não chegou a ocupar o cargo. Achou o salário oferecido, de R$ 2.794, baixo demais. Já Osvaldino Gonçalves de Brito, com ligações estreitas com Sarney, teve a "sorte" de ser efetivado como funcionário de carreira, por ato secreto, sem prestar concurso público.
De Lula:
- Não critico a imprensa por conta do Senado. É pelo denuncismo desvairado, que às vezes não tem retorno. Há uma prevalência da desgraça sobre as coisas boas. A Nação precisa de boas notícias, de autoestima para poder vencer esse embate com a crise internacional.
O Senado empregou dois funcionários vinculados à Fundação José Sarney, entidade privada que mantinha um museu, em São Luís, capital do Maranhão, com acervo do período em que Sarney foi presidente da República (1985-1990). Raimundo Nonato Quintiliano Pereira Filho era dono de cargo em Brasília havia 14 anos, desde a época em que Sarney foi presidente do Senado pela primeira vez. Salário mensal de "Raimundinho", em 2009: R$ 7.600. Em São Luís, ele atuava como coordenador de projetos da Fundação e respondia como presidente da Abom (Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês), entidade cujo "presidente de honra e perpétuo" era Sarney. Já Fernando Nelmásio Silva Belfort manteve cargo no gabinete da Liderança do Governo de 2007 a 2009, período em que a líder de Lula atendia pelo nome de Roseana Sarney. Ele era diretor-executivo da Fundação, localizada no histórico Convento das Mercês, centro histórico de São Luís.
Do senador Edinho Lobão (PMDB-MA), filho do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a respeito de Raimundinho, lotado em seu gabinete:
- No Maranhão, a gente faz parte de uma grande família política. Liberei para trabalhar no Convento porque, trabalhando para o presidente Sarney, ele está trabalhando para nós.
Esculhambado Brasil afora e diante da ameaça de um generalizado "fora, Sarney!", o presidente do Senado quase perdeu apoio do PT. Candidatos às eleições de 2010, senadores petistas temiam o desgaste junto ao eleitorado se ficassem ao lado de Sarney. O líder maranhense cogitou deixar o cargo. Mas, prontamente, Lula entrou em campo e enquadrou os correligionários.
Da África, designou a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT-RS), para conversar com Sarney e impedi-lo de se afastar da presidência do Senado. Outro que operou nas sombras para selar o suporte do PT e da base aliada a Sarney, como relatou a revista Veja, foi o ex-ministro José Dirceu (PT-SP).
Como um articulador político informal de Lula, José Dirceu tomou café da manhã "de amigos" com Sarney. Assegurou que o PT não o atrapalharia no Senado. Aos jornalistas, afirmou que o PT não poderia prejulgar Sarney:
- Tenho procurado ajudar ao alertar desde o começo que há duas questões: a crise institucional no Senado e a tentativa de derrubar Sarney, desestabilizar o governo e a aliança PT e PMDB.
Por trás das alegações em defesa da governabilidade e da necessidade de apoio do PMDB nas eleições de 2010, Lula devolvia, na prática, a ajuda de Sarney na crise do mensalão. Para a opinião pública, porém, o presidente da República tratava de escamotear, usando gíria de futebol.
De Lula, para quem a oposição queria ganhar o Senado no "tapetão":
- Assim não é possível. Isso não faz parte do jogo democrático.
Constrangido, Aloizio Mercadante (SP), líder do PT no Senado, procurou pôr fim à rebelião. O senador petista, mais a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), e outros oito senadores do partido foram visitar Sarney. Coube ao "arrependido" Aloizio Mercadante falar aos jornalistas:
- A renúncia é uma possibilidade que ele pode vir a tomar. Mas, no nosso ponto de vista, não é a melhor escolha, porque a crise não pode ser atribuída a ele. Desses 14 anos de atos secretos, ele foi presidente por apenas quatro anos.
O líder do PT na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (SP), próximo de José Dirceu, também esteve com o presidente do Senado:
- Fui como líder, prestar solidariedade.
Sarney emprestou irregularmente apartamento funcional do Senado, em seu nome, para o ex-senador maranhense Bello Parga, que não exercia mais o mandato. Favor de Sarney, com dinheiro público. Valéria Freire dos Santos, funcionária de Sarney, nomeada por ato secreto, morou quatro anos em imóvel localizado no térreo de um dos prédios que servem de moradia exclusiva para senadores em Brasília. Favor de Sarney, com dinheiro público.
Dácio Vieira, desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, cujo nome fazia alusão a um conhecido grupo folclórico do Maranhão. A investigação da Polícia Federal corria sob segredo de Justiça. O desembargador atendeu a pedido de Fernando Sarney. A propósito: Dácio Vieira ocupou cargo de confiança na gráfica do Senado, na época em que o órgão era chefiado pelo amigo Agaciel Maia. José Sarney, com quem ele manteria ligações, o indicara para o Tribunal de Justiça.
Sarney utilizou R$ 8.600 da verba indenizatória do Senado para contratar empresa que organizasse seu acervo pessoal de livros. O arquivo ficava na residência particular de Sarney em Brasília. Favor de Sarney, para Sarney, com dinheiro público. Sarney mobilizou por três vezes agentes da Polícia Legislativa do Senado para proteger propriedades de sua família no Maranhão. As despesas com deslocamentos, estimadas em R$ 30 mil, incluíram diárias e passagens aéreas. Sete agentes públicos ficaram dez dias à disposição de Sarney. A justificativa foi o julgamento de seu adversário Jackson Lago (PDT), governador do Maranhão. Ele seria afastado do cargo para Roseana Sarney assumir. O presidente do Senado temia que seus imóveis fossem depredados no processo. Favor de Sarney, para Sarney, com dinheiro público.
Ex-secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira denunciou que, em encontro reservado com a ministra Dilma Rousseff (PT-RS) no final de 2008, pouco antes da eleição de José Sarney à presidência do Senado, recebeu da chefe da Casa Civil pedido para concluir com rapidez investigações nas empresas da família Sarney. Na época, a Receita Federal vasculhava negócios do clã. De Lina Maria Vieira sobre a reunião com a ministra:
- Falamos sobre amenidades e, então, ela me perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho do Sarney.
A ex-secretária da Receita Federal entendeu as palavras da ministra como um recado "para encerrar" a investigação. Palavras de Lina Maria Vieira:
- Fui embora e não dei retorno. Acho que eles não queriam problema com o Sarney.
A devassa, contudo, não esmoreceu. Na época, Lula apoiava a eleição de Sarney, e continuou ao seu lado depois. Lina Maria Vieira forneceu mais detalhes da reunião. Relatou que o encontro fora solicitado por Erenice Guerra, conhecida como braço-direito de Dilma Rousseff no Ministério da Casa Civil, "e que era para ser sigiloso":
- Estive lá, antes a chefe de gabinete dela foi ao meu gabinete, agendou isso para ser uma coisa informal, que não constasse nem da minha agenda nem da dela. Eu cheguei pela garagem, sem identificação, conversei com ela e voltei.
Lina Maria Vieira foi demitida no auge da crise que envolvia Sarney. Segundo ela, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, justificou a exoneração alegando que a ordem viera "de cima, do Palácio do Planalto".
Um dos principais assessores de José Sarney, o ex-deputado Chiquinho Escórcio, empregou no Senado, com a anuência do chefe, a mulher, Alba Leide Nunes Lima, e a filha, Juliana. A mulher, no próprio gabinete de Sarney. A filha, no do senador Mauro Fecury (PMDB-MA). E ele, Chiquinho, foi escolhido por Roseana Sarney para ser representante do Governo do Maranhão em Brasília. Sem vagas em seu gabinete, Sarney tinha de solucionar o caso de seu assessor de imprensa para o Amapá, Said Dib. Do assessor:
- O presidente Sarney pediu para o Agaciel encontrar uma solução para me manter como assessor, e a solução foi uma lotação na Direção-Geral.
Com respaldo do presidente Lula, José Sarney autorizou a instalação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar irregularidades na Petrobras. Era uma tentativa de tirar o presidente do Senado do centro da crise. Pensaram que assim desviariam o foco das atenções da imprensa e da oposição. Entretanto, a CPI teria amplo controle por parte dos senadores da base aliada. Eles barrariam qualquer apuração que incomodasse o governo.
De Lula, depois de acertado que PT e PMDB trabalhariam juntos, a fim de blindar José Sarney e a CPI:
- No mensalão, eu fui para o corner e sei o que passei. Agora, no final do meu governo e com eleição pela frente, a base tem que estar unida.
Maria Vandira Peixoto, secretária particular de Sarney, foi nomeada no Senado por ato secreto, assinado por Agaciel Maia. Ganhou o cargo em 2003, no começo do primeiro mandato de Lula, quando Sarney ocupou a presidência da Casa pela segunda vez. Salário da fiel escudeira, em 2009: R$ 9.900.
Em reunião ministerial na Granja do Torto, Lula pediu a seus auxiliares para cerrar fileiras em torno de José Sarney, e lembrou dos "15 minutos de glória" da oposição, nos tempos do mensalão:
- É importante ser leal a Sarney, porque há uma campanha pesada contra ele e não se pode individualizar as acusações.
Gabriela Aragão Guimarães Mendes, filha do ajudante de ordem de Sarney, Aluísio Guimarães Mendes Filho, também conseguiu cargo de Agaciel Maia. Empregada desde 2007 como assessora parlamentar no gabinete do próprio Sarney, a moça não apareceria para trabalhar. Apenas receberia salário.
De Lula:
- Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum.
Da história: durante a ditadura militar (1964-1985), José Sarney presidiu a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido político que deu sustentação civil ao regime dos generais. Depois presidiu o PDS (Partido Democrático Social), sucessor da Arena. Ele ingressou no PMDB já no período de abertura democrática, para ser candidato a vice-presidente de Tancredo Neves (1910-1985). Da jornalista Miriam Leitão, em O Globo:
- O presidente Lula sugeriu que olhássemos o passado do senador. Ele tem um passado marcante. Por 21 anos, foi um dos biombos civis de um regime que matou, torturou, censurou, cassou, fechou o Congresso e rasgou a Constituição. Sarney permaneceu fiel a ele. Esse é o passado que o distingue.
Deste autor: se José Sarney não era pessoa comum, como advertiu Lula, e, portanto, estava acima das leis que regem a sociedade, imagine o que o presidente achava de si próprio. Inimputável! Em outras palavras, Lula, como Sarney, não poderia ser responsabilizado por "deslizes", pois teria prestado relevantes serviços ao País. O que é isso senão o execrável "rouba, mas faz"? O pior, porém: fez-se pouco pelo Brasil, infelizmente, como atesta o nosso baixo grau de desenvolvimento. Apesar da propaganda oficial, basta percorrer bairros mais afastados, periferias, vilas e comunidades brasileiras para ver a angústia e o sofrimento de milhões de pessoas que moram em barracos e casas precárias, sem acesso a saneamento básico nem condições dignas de vida. O Maranhão, aliás, é um dos maiores exemplos da incúria dos nossos administradores. A pobreza, a desigualdade e a exclusão social são consequência da ausência de políticas e homens públicos competentes, comprometidos com a aplicação honesta e responsável dos recursos do povo.
O jornal O Estado de S. Paulo revelou um esquema para emprestar dinheiro a funcionários do Senado, investigado pela Polícia Federal, que envolvia José Adriano Cordeiro Sarney, outro neto de José Sarney. Filho do deputado José Sarney Filho (PV-MA), o rapaz abriu a corretora Sarcris Consultoria, Serviços e Participações em 2007, apenas quatro meses após o diretor de Recursos Humanos do Senado, João Carlos Zoghbi, ter iniciado as atividades da Contact Assessoria de Crédito, registrada, como vimos, em nome de sua babá.
Em pouco mais de dois anos, seis bancos autorizaram José Adriano a intermediar operações de crédito consignado no Senado. Ele informou aos repórteres Rodrigo Rangel e Rosa Costa que o "carro-chefe" da Sarcris era o banco HSBC. Sobre o faturamento anual da sua empresa, que atuaria também na Câmara dos Deputados, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar, José Adriano foi lacônico:
- Menos de R$ 5 milhões.
O HSBC admitiu ter executado operações de crédito consignado no Senado intermediadas pela Sarcris. Emprestou R$ 3,6 milhões a funcionários, o que gerou comissão de R$ 182 mil à empresa do neto de Sarney. A Sarcris também teria participado da venda de seguros de vida a servidores do Senado.
Do editorial "Os compadres", da Folha de S.Paulo:
"O presidente da República torna-se fiador do que há de mais retrógrado na política brasileira. Abençoa de bom grado o compadrio – bem como sua matriz, o patrimonialismo – que displicentemente afirma combater. O uso de contratos, cargos e dinheiro públicos para beneficiar amigos e parentes é o roteiro monótono do interminável escândalo do Senado."
Mansão de 694 metros quadrados de área construída, avaliada em R$ 4 milhões, erguida na Península dos Ministros, Lago Sul, área nobre de Brasília. A residência deixou de ser incluída nas relações de bens de José Sarney apresentadas à Justiça Eleitoral, nas eleições de 1998 e 2006. Sarney defendeu-se, alegando ter ocorrido "erro técnico", "equívoco" e "esquecimento". Informou que o imóvel havia sido declarado no Imposto de Renda, também entregue ao TCU (Tribunal de Contas da União). Não mencionou que o IR é protegido por sigilo fiscal. Apenas as declarações à Justiça Eleitoral são públicas e, portanto, acessíveis a eleitores e imprensa. Em 2006, Sarney não declarou à Justiça Eleitoral sua luxuosa casa de praia, no valor de R$ 531 mil, localizada na praia do Calhau, no Maranhão.
Em discurso na posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, Lula atacou a "imprensa que às vezes quer condenar antes do processo ser feito corretamente":
- A única coisa que eu peço é que uma instituição que tem o poder que tem o Ministério Público brasileiro, garantido pela Constituição, tem o dever e a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado.
Em 2005, sob a tensão do escândalo do mensalão, José Sarney solicitou ao Ministério da Cultura recursos para um projeto cultural da Fundação José Sarney. A entidade privada tinha como presidente vitalício, como se sabe, o próprio José Sarney. A Petrobras atendeu prontamente, por meio da legislação que concede incentivos fiscais a empresas que investem em projetos culturais. Pois bem: quatro anos depois, descobriu-se que pelo menos R$ 500 mil do R$ 1,3 milhão repassado pela Petrobras teriam sido desviados para empresas ligadas ao clã Sarney. A denúncia saiu em O Estado de S. Paulo.
Os repórteres Rodrigo Rangel e Leandro Colon apuraram que o projeto prevendo a digitalização dos documentos do museu não foi executado. Eles deveriam ser acessíveis aos visitantes, em computadores instalados nos corredores do Convento das Mercês. Mas não havia micros por lá.
As diversas suspeitas: para justificar um saque de R$ 145 mil do dinheiro do patrocínio, anexaram recibos da própria Fundação. Em nome da veiculação de comerciais sobre o projeto, R$ 30 mil foram parar nas contas da TV Mirante e das emissoras de rádio Mirante AM e a Mirante FM, todas de propriedade da família Sarney.
Na prestação de contas havia recibo no valor de R$ 35 mil em nome de uma ex-funcionária da Fundação, Raimunda Santos Oliveira. Ela explicou assim:
- Não sei do que você está falando.
Uma das contratadas, a Ação, Livros e Eventos, teve como sócia a mulher de Antônio Carlos Lima, o "Pipoca", secretário de Comunicação da governadora Roseana Sarney. Faturou R$ 70 mil. Das 34 notas fornecidas, 30 eram sequenciais, como se a Fundação José Sarney fosse a única cliente da empresa. Pipoca integrava o Conselho Fiscal da Fundação.
Na época da revelação da maracutaia com o projeto cultural bancado pela Petrobras, Pipoca era assessor do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Félix Alberto Lima, irmão de Pipoca, vinha a ser dono da Clara Comunicação. Ele forneceu R$ 103 mil em notas para o projeto. Alegou que o divulgou:
- Não sei de projeto, me chamaram para fazer esse trabalho, e cumpri isso profissionalmente.
O Centro de Excelência Humana Shalom, por sua vez, teria recebido R$ 72 mil da Fundação José Sarney. No endereço atribuído à empresa, em São Luís, morava a professora Joila Moraes, irmã de Jomar Moraes, integrante do Conselho Curador da Fundação, e amigo de Sarney. Palavras dela:
- A empresa é de um amigo meu, mas nunca funcionou aqui. Eu só emprestei o endereço.
A MC Consultoria Empresarial ficou com R$ 40 mil do dinheiro do projeto. A empresa pertencia a um velho contador e advogado da família Sarney, Marco Aurélio Bastos Cavalcanti, que trabalhava para a TV Mirante. Na prestação de contas do projeto, conforme o jornal, um restaurante localizado na mesma rua da Fundação forneceu 3 mil refeições. Faturou R$ 15 mil.
Uma empresa de comércio de roupas, a Sousa Première, localizada em elegante residência de praia, ministrou curso de "capacitação de história da arte" para 80 pessoas, pelo qual teria cobrado e recebido R$ 12 mil. E a SGC Leite, de Sidney Gonçalves Costa Leite, um dos diretores da Fundação, levou outros R$ 6.500. Da mesma forma, foi incumbida de dar curso a funcionários. A firma estava registrada como reparadora e mantenedora de computadores.
De Lula:
- No Brasil, dependendo da carga de manchetes da imprensa, a pessoa já está condenada. Depois, não adianta ser absolvida, porque não valeu nada aquilo, a pessoa já está condenada.
Filha de Fernando Sarney e Tereza Murad Sarney, Ana Clara desempenhava papel de advogada da Fundação José Sarney. Em escuta feita pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, Ana Clara conversa com o avô, em 27 de fevereiro de 2008. José Sarney informa a neta que um empresário iria telefonar. O senador quer que Ana Clara consiga dinheiro para a Fundação:
- Olha, vai te ligar o Richard Klien, que também quer nos ajudar, tá?
No diálogo, Sarney explica como quer que a neta conduza a conversa:
- Então, conversa com ele e diz como é a Fundação e tudo. Diz que nós estamos querendo reconstruir a igreja, que estamos em dificuldades, etc e tal.
O líder maranhense insiste:
- E diz para ele... Mas não põe ele só na igreja, não. Diz que nós precisamos para a manutenção do convento. Que tem que pagar INSS. Toda essa coisa. Vê quanto ele quer nos ajudar aí.
Richard Klien, empresário do setor de transportes portuários, era sócio do banqueiro Daniel Dantas na empresa Santos Brasil. Atuava no ramo de contêineres no porto de Santos (SP). Reportagem da Folha de S.Paulo revelou que Richard Klein doou R$ 270 mil para a campanha de José Sarney, e outros R$ 240 mil para a de Roseana Sarney, em 2006.
Alguns dias depois da conversa entre Sarney e a neta, Richard Klien telefonou e acertou tudo com Ana Clara. O empresário disse à moça que iria "cortar a linguiça em pedaços", ou seja, mandaria o dinheiro em parcelas:
- Vou viajar semana que vem talvez, e tava querendo deixar a primeira remessa pronta. Vou te mandar entre 70 e 100 mil.
De Lula, ao defender que a imprensa "não pode é vender tudo como se fosse um crime de pena de morte":
- Ou seja, uma coisa é matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby.
Ao lado da Fundação José Sarney, na capital maranhense, fica a sede da Abom (Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês), entidade controlada pela família Sarney, cuja finalidade está gravada nos estatutos: ajudar crianças carentes. Nos dois mandatos de Lula, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Eletrobrás injetaram ao menos R$ 3 milhões na Abom. Mesmo inadimplente, a entidade receberia recursos públicos.
De Lula, ao condenar "um crime antecipado":
- O que nós precisamos é não estabelecer a morte precoce. O que nós precisamos é estabelecer um processo de investigação, de julgamento e aí, sim, a pessoa será absolvida ou condenada em função da qualidade da investigação.
A Eletrobrás, sob o comando do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), repassou R$ 400 mil para a Abom realizar o "Canto de Luz", uma festa de Natal, em 2008. Do total, R$ 83 mil foram para a Sacada Eventos e Produções, empresa de Marizinha Raposo, que teve cargo de assessora parlamentar no gabinete da senadora Roseana Sarney. Outros R$ 11 mil foram para a produtora de vídeo Farol Digital, que funcionava no mesmo endereço da Sacada Eventos e Produções. E R$ 32 mil rechearam a conta bancária da Rádio Mirante, empresa da família Sarney.
De Lula, ao dizer que há "denúncias que, investigadas, são verdadeiras":
- Mas tem denúncias que não deram em nada e as pessoas já estão condenadas antes. É isso que eu quero evitar.
A revista Veja publicou que auditores do Banco Central encontraram em computadores apreendidos no falido Banco Santos, de Edemar Cid Ferreira, uma contabilidade clandestina mostrando evidências de que José Sarney, amigo do banqueiro, teria sido dono de uma conta bancária secreta no exterior, registrada como "JS-2". Em 30 de outubro de 1999, segundo a revista, os depósitos conteriam US$ 870.564, equivalentes, dez anos depois, a R$ 1,7 milhão. Sarney não registrou qualquer dinheiro no exterior no período. Sabe-se que, um dia antes da intervenção do Banco Central no Banco Santos, em 2004, Sarney teria conseguido retirar R$ 2,2 milhões aplicados na instituição.
De Lula:
- O que eu não posso entender é que toda pessoa que tenha uma denúncia contra ela tenha de renunciar ao cargo.
A Fundação José Sarney fez uma exposição de arte sobre o Descobrimento do Brasil em 2001, organizada por empresa ligada ao banqueiro Edemar Cid Ferreira. Como registrou a Folha de S.Paulo, opositores da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, acusaram-na de gastar R$ 4,3 milhões para reformar instalações da Fundação para o evento. Depois, ela teria destinado mais R$ 1 milhão para prorrogar a mostra, um "sucesso de público".
De Lula:
- Muitas vezes, as pessoas são condenadas antes de se provar que cometeram crimes e é preciso investigar tudo.
O Convento das Mercês, sede da Fundação José Sarney, um prédio histórico de 1654, pertencia ao patrimônio do Governo do Maranhão. Em 1990, foi doado à Fundação, para se transformar no museu de Sarney. Para fazer a exposição de Edemar Cid Ferreira, a governadora Roseana alugou o prédio por R$ 600 mil. Injetou dinheiro do Estado do Maranhão na Fundação do pai.
Do deputado Ricardo Berzoini (SP), presidente nacional do PT:
- O PT defende a permanência de Sarney à frente da Casa e em hipótese alguma trabalhará pelo afastamento. Pedir isso é o mesmo que propor golpe.
Em 15 de julho de 2009 Fernando Sarney, o filho mais velho de José Sarney, foi indiciado pela Polícia Federal por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A Operação Boi Barrica investigou transações financeiras suspeitas nas eleições de 2006 e evasão de divisas e corrupção em setores do Governo Federal sob influência de José Sarney. Fernando Sarney chegou a ter a prisão preventiva solicitada pela Polícia Federal. Não foi preso.
Tereza Murad Sarney, mulher de Fernando, sócia de empresas supostamente envolvidas no esquema, também seria indiciada. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) detectou dois saques suspeitos de R$ 1 milhão cada, perto das eleições de 2006, nas quais Roseana Sarney disputou o governo do Maranhão. Ana Clara, filha de Fernando e Tereza Murad, neta de Sarney, foi incluída entre os investigados.
Além das movimentações da Marafolia Promoções e Eventos, mantida em nome de supostos laranjas, e da São Luís Factoring e Fomento Mercantil, a Operação Boi Barrica teria identificado transações do Governo Federal com empresas desconhecidas, ligadas à construção civil e ao setor de energia. Fernando Sarney estaria por trás da organização criminosa. Ele usaria a influência do pai no Ministério de Minas Energia e em empresas estatais. A São Luís Factoring e Fomento Mercantil, com apenas uma funcionária e sem sede própria, movimentara R$ 11,6 milhões em 2006.
Braço do esquema atuaria na Valec, empresa estatal do Ministério dos Transportes, encarregada da construção da ferrovia Norte-Sul. O diretor de Engenharia da Valec, Ulisses Assad, foi colega de Fernando Sarney na Poli (Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo). Outros colegas da Poli estavam entre os denunciados: Astrogildo Quental, diretor da Eletrobrás, Gianfranco Vitório Artur Perasso e Flávio Barbosa Lima, apontados como testas-de-ferro. Teriam recebido R$ 160 mil de propina, uma compensação por intermediação de Fernando Sarney. Silas Rondeau, ex-ministro das Minas e Energia, também faria parte do grupo.
A Polícia Federal anunciou ter rastreado remessa de Fernando Sarney, no valor de US$ 1 milhão, para conta bancária do Hong Kong and Shanghai Banking, de Qindao, na China. Existiriam contas suspeitas em bancos nas Bahamas e nas Ilhas Verdes do Caribe, paraísos fiscais. Em conversa gravada, Fernando Sarney faria referência a "dois americanos", ou seja, US$ 2 milhões.
As investigações sobre a transferência de dinheiro à China levaram os federais a ir atrás da antiga parceria entre Fernando Sarney e Paulo Delfino Fonseca Guimarães, o "PG". Na década de 90, uma casa de bingo supostamente dele, o Poupa Ganha, assumiu papel destacado num escândalo. PG sofreu acusação de lesar clientes, lavar dinheiro e sonegar impostos.
José Sarney foi padrinho de PG, cujo nome ecoou na CPI do Narcotráfico. Em Codó (MA), uma emissora de televisão recebeu registro em nome de Tereza Murad Sarney e da mãe de PG. Agora, o diálogo gravado pela Polícia Federal entre PG e Ana Clara, filha de Fernando Sarney e Tereza Murad. Começa com referência dele, provavelmente, ao Banco Rural. Quando ela diz "n", estaria querendo dizer "número telefônico":
- Você quer receber aí no Rural na próxima semana ou junto aqui e até a próxima semana pega aqui tudo de uma vez, você escolhe.
- Como seria essa entrega aqui? Quem pegaria? Como seria feito?
- Duas carradas de leite Ninho e duas de Pergalon preços da Nestlé com nota fiscal do distribuidor do Piauí, você arranja quem pega aí.
- Me liga de um bom n.
Do inquérito da Polícia Federal: "Desponta aí a prática de diversos crimes danosos aos cofres públicos, como advocacia administrativa, tráfico de influência, fraude a licitação, falsidade ideológica, falsidade documental, bem como os já aventados crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e, possivelmente, (...) crimes contra a ordem tributária".
De Ricardo Berzoini, presidente do PT:
- É preciso de maturidade e lembrar que Sarney foi eleito.
A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a ampliação do aeroporto de Macapá, menina dos olhos de José Sarney, na capital do Amapá. As obras foram objeto de pedido pessoal de Sarney ao presidente Lula, ainda no primeiro mandato da administração federal do PT. O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou a paralisação dos serviços em 2006, após detectar supostas irregularidades no contrato e na sua execução. Haveria um sobrepreço de R$ 17 milhões. As obras vinham sendo tocadas pelo consórcio formado pelas construtoras Beter e Gautama, do empresário Zuleido Veras.
De Lula:
- O Senado tem que ter maioridade para resolver o seu problema. O que não pode é deixar a coisa esticar, esticar, porque, a cada dia, se você vê uma novidade, por menor que ela seja no jornal, cria desgaste na instituição.
O TCU também investigou o programa federal Luz para Todos no Maranhão. O sindicato dos funcionários da Cemar (Companhia Energética do Maranhão) reclamou que 50 mil das 103 mil ligações de energia elétrica previstas para 2005 e 2006 não teriam sido feitas. O contrato entre o Governo do Maranhão e a Cemar foi celebrado em 2004, no período em que Silas Rondeau, um forte aliado do clã Sarney, ainda presidia a Eletrobrás. Ficara estabelecida a aplicação de quase R$ 800 milhões.
Técnicos do TCU constataram 13 mil ligações a menos. Duas curiosidades do Luz para Todos, no Maranhão: a Cemar alegou ter eletrificado 1.578 casas a mais que o estipulado, mas, ao mesmo tempo, registrou a instalação de 77 mil postes a menos do que o necessário. No relatório do sindicato, consta que apenas um fiscal da estatal maranhense vistoriou, em 15 dias, os serviços executados em 2.376 casas, situadas em 12 municípios. Se fosse verdade teria de ter percorrido 158 casas por dia, sem contar o tempo das viagens, o que daria em média quase sete casas por hora, 24 horas por dia, durante 15 dias.
De Lula:
- Os senadores têm que dizer o que querem para o Senado. O que não é possível é que as pessoas permitam que a instituição vá sofrendo desgaste, desgaste, porque isso mata as pessoas e mata a instituição.
Nos arredores de Brasília, um caso inusitado: na década de 80, José Sarney teria comprado área de 540 hectares, que ficou conhecida como sítio São José do Pericumã. Em 2002, o senador vendeu as terras para a Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários, que tinha planos de construir um condomínio de luxo no local. Só que 318 hectares jamais foram registrados em nome de Sarney. Assim, ele teria evitado o pagamento de impostos sobre a propriedade.
A história é enrolada: 33 hectares da área, por exemplo, estavam em nome de um ex-funcionário do Senado, Wanderley Ferreira de Azevedo, ligado a Sarney. Ele os teria adquirido em 2001, mas a propriedade estava em nome de um homem morto cinco anos antes. Sarney, por sua vez, comprara o pedaço de terra, mas não o registrara em seu nome. Mesmo assim o vendeu. Parte da área era suspeita de ter sido obtida por meio de grilagem de terras públicas.
Em resumo: Sarney passou para frente os 540 hectares sem possuir o registro total da área. Vendeu para a Divitex, e ainda ficou dono de pelo menos 10% das ações da empresa. O empresário Jeovane de Morais, dono de motéis em Brasília, o senador Eliseu Resende (DEM-MG) e o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o "Kakay", amigo de José Dirceu e defensor de Sarney eram sócios da Divitex. Para tentar legalizar a área, a Divitex moveria ação judicial por usucapião. Em tempo: a venda do "sítio" São José do Pericumã serviu para Sarney justificar os R$ 2,2 milhões sacados do Banco Santos em 2004, na véspera da intervenção do Banco Central.
De Lula, após reiterar o apoio a Sarney e pedir à bancada de senadores petistas que evitasse fazer comentários públicos sobre o maranhense:
- Tudo o que eu espero é que o Congresso, agora com a cabeça fria, depois de dez dias de férias para todo mundo, em que cada um foi viajar, descansar, converse. Que se reúnam, como os homens adultos que são, todos com mais de 35 anos de idade, e decidam normalizar a situação do Senado.
Seis diálogos telefônicos gravados pela Polícia Federal, com autorização judicial, mostraram a participação do senador José Sarney na nomeação de um protegido da família, por meio de ato secreto. As conversas vão de 30 de março a 2 de abril de 2008. A série de diálogos começa com Maria Beatriz Sarney, a "Bia", neta de José Sarney, conversando com o pai, Fernando Sarney. A moça refere-se ao irmão por parte de mãe, Bernardo Brandão Cavalcanti Gomes, que se desligara do Senado após seis anos de "trabalho":
- Hein?, pai?, deixa eu perguntar uma coisa. Meu irmão saiu do Senado, né? Vai sair a exoneração amanhã. Ele arranjou um emprego melhor. Até ganha menos, mas pra carreira dele é melhor. Aí ele resolveu sair, né? Aí você acha que dá pro Henrique entrar na vaga dele ou não?
Henrique Dias Bernardes, no caso, era o namorado de Bia. Fernando Sarney:
- Podemos trabalhar isso, sim.
No dia seguinte, Fernando Sarney relata à filha o que já havia acontecido:
- Já falei com o Agaciel. Peça ao Bernardo pra procurar o Agaciel.
Fernando Sarney conta à filha como abordou o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, para "segurar" a vaga que seria preenchida pelo namorado:
- "Vou pedir pro Bernardo te procurar, o Bernardo vai sair, mas você não põe ninguém até nós dois conversarmos".
Em outra ligação, Bia conta ao pai que o avô, José Sarney, não gostou de ter recebido o currículo do namorado dela:
- Aí ele falou assim: "Ah, você tinha que ter falado antes pra eu já agilizar, não sei o quê..." Aí eu falei: "Não, vô, eu falei com papai, e agora eu já tô te dando o papel, mas não sei, se der, tal, pra colocar ele no mesmo lugar de onde o Bernardo saiu".
Agora, o diálogo entre Fernando Sarney e Aluísio Guimarães Mendes Filho, ajudante de ordem de José Sarney. Fernando menciona a segunda vez que seu pai foi presidente do Senado, em 2003, no começo do governo Lula:
- O irmão da Bia, quando papai era presidente do Senado, eu arrumei emprego pra ele lá. Ele agora tá saindo e eu liguei pro Agaciel pra ver a possibilidade de botar o namorado da Bia lá. Porque me ajuda, viu? É uma forma e tal de dar uma força pra mim. E o irmão tá saindo, é uma vaga que podia ser nossa.
- Lógico.
- Então, era uma ligação de papai pro Agaciel.
- Só pra firmar esse negócio, né?
- É. Papai já tá sabendo. A Bia falou com ele ontem.
- Então tá joia. Eu vou falar com seu pai hoje pra ele dar uma ligada pro Agaciel.
Enfim, Fernando Sarney e José Sarney selam a jogada. O filho diz ao pai que o diretor-geral dispunha de currículos de Bernardo e do namorado de Bia:
- Eu já falei com o Agaciel.
- Já falou com o Agaciel?
- Eu falei, falei.
- Tá.
- Pedi pro Agaciel segurar com ele. Agaciel tá com os dois currículos na mão dele, tá com tudo lá.
- Tá bom. Eu vou falar com ele.
E, 16 dias depois, Henrique Dias Bernardes estava empregado. Contratado como assessor parlamentar, passou a receber R$ 2.700, fora os benefícios do cargo. Com a divulgação das gravações, Sarney explicou aos senadores:
- Não há ninguém nesta Casa que negue o pedido de uma neta.
De Lula:
- Eu não quero para mim, eu não quero para o presidente Sarney, eu não quero para você e para nenhum brasileiro o julgamento precipitado, sem que haja as investigações corretas.
O Ministério Público do Maranhão rejeitou as prestações de contas da Fundação José Sarney dos anos de 2004 a 2007. Decidiu intervir na entidade. Entre outras irregularidades detectou que R$ 975 mil repassados pela Petrobras para recuperar o acervo do museu e outros R$ 500 mil, doados pela Fundação Filantrópica Safra, viraram, indevidamente, aplicações financeiras.
Mais R$ 960 mil, oriundos da Secretaria de Cultura do Maranhão, foram desviados para aplicações em "despesas administrativas". A Quintec, por exemplo, ficou com R$ 48 mil. O endereço da empresa é o mesmo da vice-presidente da Abom (Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês), Maria Martins Pereira. A Abom teria engolido R$ 198 mil em "despesas de manutenção", numa triangulação irregular com a Fundação.
Já o Ministério da Cultura apontou problemas nas contas do Instituto Mirante, presidido por Fernando Sarney, que pôs as mãos em R$ 150 mil captados da Eletrobrás para financiar apresentações de corais de Natal, em 2006. Um terço do dinheiro teria morrido em contas bancárias da TV Mirante, Rádio Mirante e jornal O Estado do Maranhão, pertencentes ao clã Sarney, e na própria Abom, para "ensaios e apresentações". Depois, posando-se de vítima, Sarney anunciaria o fechamento da Fundação.
De Lula:
- Sarney está sendo acusado de muitas coisas, de atos secretos, de contratação de pessoas, e dá a impressão de que é apenas o presidente Sarney, de que é uma coisa que começou ontem.
A MC Consultoria, já citada no caso da suspeita de desvios de repasse da Petrobras para a Fundação José Sarney, manteria ligações com três empresas investigadas pela Operação Boi Barrica. As empreiteiras Lupama, Planor e Proplan, de propriedade de Gianfranco Vitório Artur Perasso e Flávio Barbosa Lima, também mencionados anteriormente, foram acusadas pela Polícia Federal de fazer parte de esquema de desvios de recursos públicos comandado por Fernando Sarney. A Proplan apareceu como suspeita de desviar R$ 2,6 milhões de uma obra para despoluir a lagoa de Jansen, em São Luís.
Fernando Sarney manteria "contatos promíscuos" com Ulisses Assad, diretor da estatal Valec, encarregada de construir a ferrovia Norte-Sul. Sem estrutura para executar obras, a Lupama assumira contrato de R$ 46 milhões para fazer trecho da ferrovia. Investigado por suspeita de superfaturamento e desvio de dinheiro da obra da ferrovia, Ulisses Assad seria afastado da Valec. Ele usaria o cargo para favorecer empreiteiras vinculadas ao clã Sarney. O TCU (Tribunal de Contas da União) apontou superfaturamento de mais de R$ 500 milhões na obra.
De Gilberto Carvalho (PT-SP), chefe de gabinete de Lula:
- Sarney não pode ser o bode expiatório de todos os erros do Senado.
A Fundação José Sarney recebeu de empresa ligada ao ex-senador Gilberto Miranda, amigo de José Sarney, um repasse suspeito de R$ 300 mil. A doação foi feita pela KKW, que representava duas offshores com sedes na Inglaterra e no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. O dinheiro ficou registrado como o maior aporte de recursos na Fundação durante o ano de 2007.
Gilberto Miranda admitiu aos repórteres Hudson Corrêa e Alan Gripp, da Folha de S. Paulo, que a KKW pertencia às filhas dele, Juliana e Marcela Scarpa. Como se sabe, offshores costumam servir para guardar e repatriar dinheiro ilegal do exterior. Em 2008, a KKW obteve autorização do Ministério de Minas e Energia, área de influência de Sarney, para explorar jazidas minerais de bauxita e manganês em Mato Grosso e no Maranhão.
De Lula:
- Não vejo crise, só divergência no Senado.
A revista Veja relatou que a Petrobras descobriu possíveis mananciais de gás natural na região de Santo Amaro, interior do Maranhão. Houve uma correria pelas terras promissoras. Suspeitava-se de grilagem e estelionato. Teriam ocorrido discrepâncias entre documentos em posse da Adpart, empresa da qual Sarney seria sócio, e certidões de imóveis da área supostamente contemplada com as reservas de gás. Da tabeliã de Santo Amaro, Elke Viviane:
- O pessoal do Sarney trouxe a certidão de compras das terras. Não posso falar mais nada.
De Lula, ao pedir cautela às ações do PT e mandar recado aos senadores "rebeldes" contrários a Sarney, segundo o qual eles não precisariam chamá-lo para o palanque em 2010:
- Se o PT não quer ajudar, pelo menos que não atrapalhe.
José Sarney recebia em meados de 2009 mais que o dobro permitido pela Constituição, que fixou como teto salarial os ganhos de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), ou seja, R$ 24.500, na época. Sarney recebia o chamado "salário duplex": remuneração de senador, de R$ 16.500, acrescida de pelo menos mais R$ 35.560, de duas aposentadorias acumuladas no Maranhão. Total de R$ 52.060. Sarney se recusou a comentar o assunto.
De Lula, ao reforçar ações para manter Sarney na presidência do Senado:
- Se a gente for colocar em uma balança as coisas boas e as coisas más que foram acontecendo no Congresso, as coisas boas são infinitamente superiores. Mas, muitas vezes, as coisas boas não têm o destaque que a gente gostaria que tivesse.
Uma empreiteira comprou dois apartamentos usados pela família de José Sarney em São Paulo. A notícia foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em agosto de 2009. A reportagem de Rodrigo Rangel revelou que a Aracati Construções, Assessoria e Consultoria adquiriu os imóveis no edifício Solar de Vila América, nos Jardins, bairro de alto padrão da capital paulista, onde Sarney já dispunha de um imóvel. O proprietário da empresa, Rogério Frota de Araújo, manteria relacionamento próximo com os filhos do senador Fernando Sarney e o deputado José Sarney Filho (PV-MA).
A Aracati, que mudaria a razão social para Holdenn Construções, Assessoria e Consultoria, tinha negócios no setor elétrico, justamente a área de influência de Sarney no governo Lula. A empresa atuaria na construção de usinas termoelétricas. Rogério Frota Neto esteve em Cachoeiro do Itapemirim (ES) em 2008. Queria ser contratado para fazer uma usina termoelétrica na cidade. Palavras do prefeito Roberto Valadão (PMDB), sobre a visita do empresário:
- Ele disse que é muito amigo do Sarney.
Voltemos ao edifício Solar de Vila América: o dono do apartamento 22, Felipe Jacques Gauer, foi procurado por José Adriano Cordeiro Sarney, neto de Sarney, em 2006. O filho mais velho de José Sarney Filho mostrou-se interessado em comprar o apartamento. Do proprietário do imóvel:
- Ele me fez algumas perguntas e disse que uma pessoa dessa empresa, a Aracati, iria me procurar para acertar a compra do apartamento.
Dias depois, Felipe Jacques Gauer recebeu a visita de Maria Rosane Frota Cabral, irmã de Rogério Frota Neto. Do antigo dono do apartamento 22:
- Direta ou indiretamente, estava evidente que essa empresa tinha alguma relação com a família Sarney. Para mim ficou claro que estavam comprando o apartamento em nome da empresa para não chamar a atenção.
O negócio: Maria Rosane Frota Cabral marcou encontro no saguão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e levou consigo a escritura pronta e um escrevente de Sorocaba (SP). A transação foi assinada ali mesmo.
O segundo apartamento comprado pela Aracati, o de número 32, pertencia ao casal Liza Heilman e Sidney Wajsbrot, abordado pelo zelador do prédio:
- Ele me disse que o senador Sarney estava procurando um apartamento, que ele já tinha dois apartamentos no prédio e queria um terceiro para um assessor.
O proprietário do imóvel foi contatado por Rogério Frota de Araújo. Mais uma vez a irmã dele, Maria Rosane Frota Cabral, marcou o negócio no aeroporto. Da mesma forma trouxe o escrevente de Sorocaba e cheque nominal. Sarney e seus filhos não apareciam como donos do apartamento.
Do ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB-PE), ao comentar o apoio de Lula a José Sarney:
- Ninguém foi mais solidário, até pela amizade que tem.
Do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), afastando a possibilidade de cassação de Sarney:
- O mandato que tenho da bancada é com o pedido de licença temporária como ato de grandeza de Sarney. Não tenho mais nada além disso.
Em discurso no Senado, Sarney, desequilibrado, acusou O Estado de S. Paulo de mover "campanha sistemática" contra ele, "adotando uma prática nazista". Em trecho do pronunciamento afirmou que os senadores não devem explicações "sobre compra de qualquer coisa que usem na vida". De Sarney:
- Deus, eu devo dar explicações sobre compra ou uso de qualquer coisa que eu use na vida aqui para o Senado?
Sarney não esclareceu a relação com a empreiteira que comprou os imóveis.
Em 5 de agosto de 2009, o presidente do Conselho de Ética do Senado, Paulo Duque (PMDB-RJ), arquivou quatro pedidos de investigação contra Sarney, por quebra de decoro parlamentar. Dois dias depois enterrou as outras sete denúncias que restavam. Todas tratavam das irregularidades atribuídas a Sarney, relatadas aqui. Livrou-o do risco de ter o mandato cassado. Comentário do senador Pedro Simon (PMDB-RS), para quem Sarney procedeu da forma como Lula achou que deveria:
- A vitória foi de Sarney? A vitória foi de Renan? A vitória foi dos combatentes? Não! A vitória foi de Lula.
O arquivamento dos processos poderia ser revertido pelo plenário do Conselho de Ética, mas Lula sabia disso e manteve a carga:
- O que você não pode é transformar a denúncia em única razão de ser de 81 homens que têm responsabilidade de representar um Estado e uma Nação.
E Lula voltou a acusar "o oba-oba do denuncismo":
- O que não dá é que as pessoas achem que você pode trocar um presidente da instituição todo dia. Aí ninguém tem estabilidade.
Decisão dos 15 senadores do Conselho de Ética, pelo placar de nove a seis, manteve os processos arquivados. Os votos dos três senadores petistas foram decisivos para a absolvição de Sarney. Todos, Ideli Salvatti (SC), Delcídio Amaral (MS) e João Pedro (AM) votaram a favor do líder maranhense. O senador Flávio Arns (PT-PR) anunciou que se desligaria do partido:
- O PT jogou a ética no lixo, vai ter que achar outra bandeira. O partido deu as costas para a sociedade, ao povo e às bandeiras tão caras para tantas pessoas. Posso dizer que tenho vergonha de estar no PT.
Pedido para reavaliar a decisão do Conselho de Ética foi protocolado. Mas a vice-presidente do Senado, Serys Slhessarenko (PT-MT), o sepultou.
Lula comemorou:
- Uma oposição, quando não tem argumento para fazer oposição, é pior do que doença que não tem cura.
 
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O CHEFE - Capítulo 19 - Apesar do desgaste, Lula defendeu José Sarney e retribuiu apoio recebido no caso do mensalão

Capítulo 19

Apesar do desgaste, Lula defendeu José Sarney e retribuiu apoio recebido no caso do mensalão

O mundo político foi marcado pela eleição de José Sarney (PMDB-AP) à presidência do Senado no início de 2009. Se houvesse alguma dúvida sobre o papelão que os senhores parlamentares desempenhariam, naquele sétimo e penúltimo ano da era Lula, acabou desfeita com as primeiras palavras do novo segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados e corregedor da Casa, Edmar Moreira (DEM-MG), eleito na mesma época. Edmar Moreira queria o fim dos julgamentos de deputados por falta de decoro parlamentar. Ninguém mais seria cassado. Propôs um vale-tudo.
É digno de nota o fato de que o novo corregedor responderia a inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por suspeita de apropriação indébita de contribuições previdenciárias e crime contra a ordem tributária. O deputado mineiro não teria repassado para o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) um total de R$ 655 mil referentes a contribuições recolhidas dos salários dos funcionários de uma de suas empresas de segurança.
O histórico de Edmar Moreira incluía votos contra as cassações de sete deputados denunciados por envolvimento no escândalo do mensalão e a renúncia à vaga de titular do Conselho de Ética da Câmara. Motivo: ficou indignado com a rejeição de seu relatório absolvendo o deputado José Mentor (PT-SP), que não dera explicações consideradas razoáveis para um dinheiro depositado pelo valerioduto em sua conta bancária. Nem precisava: José Mentor acabou inocentado por seus pares. O elo com o PT proporcionara os votos necessários para Edmar Moreira eleger-se corregedor.
O que o tornou conhecido nacionalmente, contudo, foram as imagens de um castelo estapafúrdio, em estilo medieval, estampadas nos jornais de todo o País. A propriedade suntuosa virou um símbolo da imoralidade política. Acusado de esconder da Justiça Eleitoral o famoso Castelo Monalisa, avaliado em R$ 25 milhões, Edmar Moreira alegou que era dos seus filhos a construção erguida em área de 192 hectares, com 36 suítes dotadas de hidromassagem e torres de até sete andares, em São João do Nepomuceno (MG). O deputado sofreu outra acusação: teria gastado boa parte dos R$ 15 mil mensais da chamada verba indenizatória fornecida pela Câmara para contratar segurança privada. Em vez de usar o dinheiro para cobrir despesas do mandato com serviços de transporte, hospedagens e aluguel de escritórios, por exemplo, justificou o dispêndio de R$ 230 mil dos R$ 360 mil, num período de dois anos, com segurança pessoal.
Pior: Edmar Moreira apresentou notas de duas empresas de sua propriedade, a Ronda e a Itatiaia, como se tivessem sido contratadas por ele com o objetivo de protegê-lo. As investigações apontaram que a Ronda existiria apenas para emitir notas, a fim de justificar o uso da verba indenizatória. As empresas estariam em situação pré-falimentar. O deputado não comprovou a prestação dos serviços. Ficou a forte suspeita de que amealhou os recursos públicos em benefício pessoal. O primeiro relator do caso Edmar Moreira perdeu o cargo após dizer que não via motivos para condenar nem pedir a cassação do colega. Palavras do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS):
- Estou me lixando para a opinião pública.
O deputado do castelo não perdeu o mandato.
O destino das verbas indenizatórias tornou-se um escândalo recorrente nos anos Lula. Em 2006 mais de 100 deputados teriam apresentado notas fiscais falsas para justificar gastos com combustível. Provavelmente enfiaram o dinheiro no bolso. As investigações deram em nada. Ninguém foi punido. Em apenas dois meses de 2008, as notas apresentadas pelos senhores deputados justificaram compras de 1 milhão de litros de gasolina, o suficiente para dar 250 voltas ao redor do planeta. Se o leitor permite outra comparação, 1 milhão de litros de combustível daria para fazer 25 viagens da Terra à Lua.
Ainda antes do Carnaval de 2009, uma bomba: inconformado com a eleição de José Sarney para a presidência do Senado, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) concedeu entrevista ao repórter Otávio Cabral, da revista Veja, e acusou Sarney de não ter compromisso ético. Atacou o próprio partido, "uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos".
- Para que o PMDB quer cargo?
- Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.
Jarbas Vasconcelos não perdoou Lula. Para ele, o presidente era chefe de "um governo medíocre". Segundo o senador pernambucano, Lula "havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha compromissos com reformas ou com ética".
Sobrou também para o partido do presidente: "O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: 'Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?'"
A entrevista teve repercussão nacional. Jarbas Vasconcelos não poupou o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), alçado ao cargo de líder do PMDB no Senado com a eleição de José Sarney:
- Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi dos poucos a apoiar as investidas de Jarbas Vasconcelos contra o PMDB, o maior partido político do País:
- Acontecem essas mesmas coisas com os outros partidos, com PT, PSDB, DEM, PPS e PTB. Estamos em uma geleia geral. Acontece que alguns têm mais corrupção que outros porque são maiores.
Jarbas Vasconcelos não recuou:
- Não é de hoje que o PMDB tem sido corrupto. Mas Lula tem sido conivente com a corrupção. Não foi Lula ou o PT que inventaram a corrupção, mas essa tem sido a marca do governo dele, a marca do toma-lá-dá-cá.
- A impunidade estimula a corrupção. Se o governador, o senador e o deputado são corruptos e nada acontece, as pessoas logo pensam que também podem fazer corupção.
A retaliação não tardou. Renan Calheiros destituiu Jarbas Vasconcelos da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), um dos órgãos mais importantes do Senado. Lula só se pronunciaria após 40 dias, com a costumeira cara de paisagem, em visita ao Recife:
- Eu sempre tratei o senador Jarbas Vasconcelos tão bem e não sei por que ele, eleito senador, tem agredido tanto o governo.
Depois do castelo, certa mansão de R$ 5 milhões ganhou as páginas dos jornais. Seu ilustre morador, Agaciel Maia, diretor-geral do Senado, comprara o imóvel luxuoso em 1996, apenas um ano após assumir o cargo de chefão do Senado, escolhido por José Sarney, durante sua primeira gestão como presidente da Casa. As fotografias do casarão de 960 metros quadrados, erguido no Lago Sul, área nobre de Brasília, escandalizaram o País. Agaciel Maia registrou-o em nome do irmão, deputado João Maia (PR-RN), mas o imóvel não foi declarado à Receita Federal ou à Justiça Eleitoral.
A mansão derrubou Agaciel Maia do cargo. Durante 14 anos, ele comandou a máquina administrativa do Senado. Fez e desfez, num período em que José Sarney ocupou a presidência da Casa por três vezes. Exemplos: 4 mil postos de trabalho instituídos, mas apenas 150 preenchidos por concurso público. Os demais eram nomeações políticas. Cerca de 700 funcionários do Senado receberiam salários superiores a R$ 25 mil por mês em 2009, extrapolando o teto estabelecido pela Constituição. Para pagar as despesas o orçamento da Casa subiria de R$ 882 milhões a R$ 2,7 bilhões, em uma década. Triplicou.
Entre 2003 e 2005, na segunda gestão de José Sarney à frente do Senado, surgiriam 70% dos 181 cargos de diretor existentes na Casa. Tempos do primeiro mandato de Lula. As atenções, voltadas para o escândalo do mensalão, deixaram à vontade os senhores senadores. Por outro lado, José Sarney, competente operador de bastidores, havia feito o que estava a seu alcance para blindar Lula e livrá-lo do mensalão. No segundo mandato de Lula, porém, a confusão se instalaria no Senado e, como veremos, foi a vez de Lula retribuir. Os dois salvaram-se mutuamente. Antes de iluminarmos mais maracutaias no Senado e como Lula protegeu Sarney, tratemos de outro escândalo que sacudiu o Congresso em 2009: a farra das passagens aéreas.
Em 2 de abril, o jornal Folha de S.Paulo revelou que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) gastou R$ 469 mil da sua cota de passagens aéreas para fretar jatinhos. Tasso Jereissati contestou o valor, mas admitiu ter usado R$ 358 mil na alocação de aeronaves. Outros três senadores reconheceram ter feito o mesmo: Mário Couto (PSDB-PA), Jefferson Praia (PDT-AM) e Heráclito Fortes (DEM-PI), primeiro-secretário do Senado.
Parlamentares trataram de converter as cotas em bilhetes para viagens de turismo. Levantamento do site Congresso em Foco constatou 1.855 viagens internacionais solicitadas por deputados, apenas no período entre janeiro de 2007 e outubro de 2008. A pesquisa apontou os campeões, aqueles que fizeram o maior número de requisições para deslocamentos ao exterior naquele espaço de tempo. Os cinco recordistas: Dagoberto Nogueira (PDT-MS), com 40 viagens; Léo Alcântara (PR-CE) e Marcelo Teixeira (PR-CE), com 35 cada um; Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), com 29; e Jilmar Tatto (PT-SP), que cravou 28 viagens.
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), também usou bilhetes aéreos comprados com dinheiro público para viajar. Foi com a mulher para a França e gastou passagens para curtir a Bahia com o irmão e outros três familiares. Os deputados Ricardo Berzoini (PT-SP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidentes nacionais dos respectivos partidos, usaram a cota para distribuir benesses. Ricardo Berzoini forneceu bilhete para a filha ir a Argentina. Rodrigo Maia levou a mulher e a filha a Nova York. Bancou também bilhete ao mesmo destino para uma prima. A mulher de Rodrigo Maia ainda foi a Paris e Londres.
Ex-ministro do governo Lula, o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE) presenteou a mulher e a filha com passagens a Miami. O deputado José Genoino (PT-SP) carregou a mulher e o filho a Madri. Vic Pires (DEM-PA) levou parentes e até o namorado da filha a Miami. Monteiro Neto (PTB-PE) mandou emitir bilhetes para a mulher, a filha e o filho nas rotas Santiago, Madri e Buenos Aires. O líder do PP, deputado Mário Negromonte (BA), não economizou: cinco familiares para Nova York. José Carlos Aleluia (DEM-BA) viajou com a mulher e o filho a Paris e Londres.
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) cedeu passagem a que tinha direito para a filha ir ao Havaí. "Agi como se a cota fosse minha propriedade soberana. Confesso que caí na ilusão patrimonialista brasileira", reconheceu, depois. Eugênio Rabelo (PP-CE) bancou com verba da Câmara 77 bilhetes aéreos para jogadores e dirigentes de um time de futebol.
Outro festival foi comandado pelo deputado Fábio Faria (PMN-RN). Deu sete passagens aéreas à namorada. Usou sua cota de bilhetes pagos com dinheiro público para presentear terceiros com viagens aos Estados Unidos. Em uma ocasião, levou 12 pessoas a uma festa em Natal. Descoberta a farra, prometeu devolver R$ 23.748.
Mais viagens de deputados: José Sarney Filho (PV-MA) levou a mulher e o filho a Montevidéu, Buenos Aires, Santiago e Madri. José Aníbal (PSDB-SP) a mulher a Paris. Sandro Mabel (PR-GO) a mulher a Buenos Aires. Henrique Alves (PMDB-RN) a mulher e dois filhos a Buenos Aires, Miami e Nova York. Fernando Coruja (PPS-SC) a mulher e dois filhos a Buenos Aires e Paris. Ivan Valente (PSOL-SP) a mulher a Paris.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) usou a cota pessoal de passagens aéreas para custear viagens da namorada em território nacional. Também a levou a Paris. Informou ter restituído R$ 20.621 aos cofres públicos. Renan Calheiros (PMDB-AL) cedeu várias passagens a terceiros. Entre os beneficiados, o primo Ildefonso Tito Uchoa, o primo acusado de ser testa-de-ferro do senador.
A senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN) aproveitou a farra aérea. Com dinheiro público "pagou" viagens e até estadias em hotéis para ela, o marido, filhos, parentes e amigos. No Brasil e no exterior. A Folha de S.Paulo apurou que, em menos de um ano, de maio de 2007 a fevereiro de 2008, Rosalba Ciarlini usou a cota de bilhetes aéreos do Senado para proporcionar 240 viagens. Quase uma por dia. Ao todo, somaram R$ 160 mil. Ela disse ao repórter Leonardo Souza que poderia usar a cota como quisesse:
- Eu cheguei aqui, senadora nova, a orientação era essa.
O deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE) usou recursos públicos para adquirir passagens aéreas com destino a Nova York, Miami, Frankfurt e Milão em benefício da mulher, três filhas e uma neta. Depois, justificou:
- A família é sagrada, não tem nada demais.
Leandro Sampaio (PPS-RJ) lançou mão da cota e obteve 11 bilhetes para ele, parentes e amigos. Viajaram para Alemanha, Chile e Argentina. O deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) foi a Nova York e Buenos Aires. João Paulo Cunha (PT-SP) usou os bilhetes da Câmara dos Deputados para ir com a mulher e a filha a Bariloche, na Argentina. A assessora Silvana Paz Japiassu e outras três pessoas também ganharam passagens à Argentina.
Não foram apenas deputados que participaram da farra das passagens. Ex-deputados também. A Câmara arcou com bilhetes aéreos entre fevereiro de 2007 e dezembro daquele ano a 116 ex-parlamentares. Do total, 28 usaram as cotas que teriam sobrado da época do mandato para fazer mais de 20 voos cada um. Rasparam o tacho. Solicitaram e obtiveram 896 bilhetes aéreos. Os recordistas: Almeida de Jesus (PR-CE), um dos acusados de envolvimento no escândalo dos sanguessugas, com 81 passagens; Hamilton Casara (PSDB-RO), com 57 bilhetes emitidos; e Miguel de Souza (PR-RO), que usufruiu 56.
A lista dos 28 incluía o ex-ministro do Esporte de Lula, Agnelo Queiroz (transferiu-se do PC do B para o PT-DF em 2008), que depois assumiu o cargo de diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); Roberto Freire (PE), presidente nacional do PPS; Murilo Zauith (DEM), vice-governador de Mato Grosso do Sul; e Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).
Ex-senadores não ficaram atrás. Onze deles pediram e foram atendidos, com 291 bilhetes aéreos. Mesmo fora do Senado usaram passagens aéreas da Casa em benefício próprio e de parentes e amigos. O vice-governador do Maranhão, João Alberto Souza (PMDB), pôs as mãos em 98 bilhetes. Usou 22 e mandou emitir os demais em nomes de terceiros. Rodolpho Tourinho (DEM-BA) tratou de obter 79 passagens. Roberto Saturnino Braga (PT-RJ), 54 bilhetes.
Joaquim Roriz (PMDB-DF), como se sabe, ficou no cargo apenas cinco meses. Renunciou para escapar de possível processo de cassação. Após sair do Senado, utilizou sete passagens. Teotônio Vilela (PSDB), eleito governador de Alagoas, não abriu mão da cota aérea dos tempos de senador. Requereu oito bilhetes. José Jorge (DEM-PE) virou ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), mas pediu 14 passagens. Jorge Bornhausen (DEM-SC) usufruiu 13 viagens, sem contar os dois bilhetes para os netos irem a Nova York. Saíram da cota do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC). Por fim a ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL). Usou seis passagens após o término do mandato.
Lula demorou a se manifestar. Mas também deu a sua opinião:
- Não acho um crime um deputado dar uma passagem para um dirigente sindical ir a Brasília. Quando eu era deputado, muitas vezes convoquei dirigentes da CUT e outras centrais para se reunir, com passagens do meu gabinete. Graças a Deus, nunca levei nenhum filho meu para a Europa. Mas um deputado levar a mulher para Brasília... Qual é o crime?
O crime, senhor presidente, é usar dinheiro público. Parlamentares ganham suficientemente bem para pagar do próprio salário passagens às digníssimas esposas. De relatório técnico do TCU (Tribunal de Contas da União):
"É flagrante que a utilização de passagens aéreas em viagens de férias com a família e turismo internacional, como nos casos reportados pela imprensa, caracteriza afronta aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade."
Para o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), fornecer passagens para sindicatos, como Lula admitiu ter feito quando era deputado, é transgressão.
- A prática do presidente Lula é de banalizar a ética. Com essas declarações, ele está dizendo que ética é hipocrisia e todo o mundo deve se locupletar.
Comissão de sindicância instalada na Câmara dos Deputados identificou uma "máfia das passagens". Encontraram indícios de um esquema para vender bilhetes aéreos das cotas de parlamentares em 45 gabinetes. Ou seja, implicaria 45 deputados. Estranhamente, apenas dois poderiam ser responsabilizados. Os outros, tão ciosos, desconheciam que tinham bilhetes aéreos à disposição, deixando tudo nas mãos de espertos assessores...
Os deputados investigados eram Eugênio Rabelo (PP-CE) e Paulo Roberto (PTB-RS). Três outros talvez estivessem envolvidos. No restante dos casos, a culpa iria recair sobre os funcionários. Seriam eles que, em vez de emitir bilhetes pela internet para uso dos gabinetes, pegavam as senhas fornecidas pelas companhias aéreas e negociavam com agências de turismo de fachada que, por sua vez, vendiam as passagens para agências estabelecidas.
Uma das agências sem cadastro, a Morena Turismo, pertenceria a Pedro Damião Pinto Rabelo, que compraria passagens da uma funcionária do gabinete do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI). Outra, a Special Tour, teria como representante Marco Aurélio Cunha Vilanova, apontado como funcionário-fantasma do gabinete do deputado Marcio Junqueira (DEM-RR).
Eugênio Rabelo e Paulo Roberto foram absolvidos. Não teriam participado do esquema de venda de passagens. O gaúcho Paulo Roberto, no entanto, seria apontado como suspeito de manter funcionários-fantasmas em seu gabinete e ficar com parte de seus salários.
A farra aérea respingou no governo Lula. Após a nomeação para o primeiro escalão da administração do PT, três ex-deputados usaram e distribuíram a parentes e amigos 64 passagens da Câmara. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB-PE), enfiou no bolso 54 bilhetes. Foi ilustre passageiro por cinco vezes. Desfrutaram da mordomia filho, genro, sobrinho e primo. Voaram entre Brasília, São Paulo, Rio, Recife e Porto Alegre.
Os outros dois ministros que paparam passagens da Câmara dos Deputados são Reinhold Stephanes (PMDB-PR), da Agricultura, e Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), da Integração Nacional. Geddel, aliás, também voava em avião particular pelo interior da Bahia. O piloto, Francisco Meireles, era contratado como secretário parlamentar do deputado Edigar Mão Branca (PV-BA), que assumiu o mandato como suplente de Geddel Vieira Lima. Salário do piloto do ministro, pago pela Câmara dos Deputados: R$ 8.040. De Edigar Mão Branca, sobre as atribuições do alto cargo público de Francisco Meireles:
- Comigo aqui a ordem é fazer qualquer coisa, a qualquer hora, o que for necessário.
Mais um ministro de Lula enrolado: Hélio Costa (PMDB-MG), das Comunicações. Usou passagens do Senado para ir com a família a Miami. Os bilhetes saíram da cota do suplente de Hélio Costa no Senado, Wellington Salgado (PMDB-MG), que também cedeu um cargo do gabinete para rechear a conta bancária da secretária do ministro, Eliana Maria Ros. Ela recebia até hora extra do Senado. Salário dela: R$ 7.484. A propósito: Alexandre Costa, filho do ministro, foi nomeado no gabinete do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), de onde só saiu exonerado depois de acusado em 2008 de ser funcionário-fantasma. Em 2009, já fazia mais de seis anos que Januário Rodrigues, motorista da família de Hélio Costa em Belo Horizonte, estava comissionado em Brasília. Nos últimos tempos, como funcionário de Wellington Salgado. Como senador, Hélio Costa teria abrigado em seu gabinete, durante cinco anos, um repórter de uma rádio de Minas Gerais.
Hélio Costa também se enrolou no caso dos ministros de Lula que receberam auxílios-moradia suspeitos, pagos pelo Senado. Além dele, que teve o salário engordado ao longo dos anos em R$ 178.600, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PR-AM), recebeu R$ 110.200, e o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), R$ 57.000. Total de auxílio-moradia nas contas bancárias dos três: R$ 345.800. O benefício não exigia apresentação de notas ou qualquer comprovação de despesas.
Edison Lobão, aliado de José Sarney, empregou o estudante Luiz Gustavo Amorim, namorado de Rafaela Sarney, neta de Sarney, no Ministério de Minas e Energia. Com salário de R$ 2.518, o rapaz não apareceria no trabalho. Enquanto ocupou o cargo de senador, Edison Lobão manteve como assessora parlamentar a nora Marta Fadel Lobão, casada com o filho Márcio Lobão.
E mais: após se afastar do Senado para ser ministro de Lula, Edison Lobão continuou a receber auxílio-moradia destinado aos senadores, no valor de R$ 3.800 por mês. A mulher dele, deputada, também. Recebia R$ 3.000 por mês, da Câmara. Com agravante: o casal morava em casa própria em Brasília.
O jornal O Globo relatou que a mulher do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (PT-RJ), Maria Margarida Galamba de Oliveira, estava empregada no gabinete da deputada Cida Diogo (PT-RJ). Ela foi contratada por R$ 4.020, para trabalhar de terça a quinta-feira, apenas três semanas após uma funcionária e parente de Cida Diogo, Flávia Martins Marques, ser nomeada, por R$ 5.967, no Ministério do Meio Ambiente. Tudo em família.
Lula não fez comentários sobre a conduta de seus ministros. Nem tomou qualquer providência. Ficou por isso mesmo.
Já foi mencionado que, às escondidas, o Senado criou 181 cargos de diretor, mais que dois postos de direção para cada um dos 81 senadores. A esbórnia, como definiu o jornal O Estado de S. Paulo, foi explicada pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS): "É coisa feita para o cara ganhar mais". As diretorias de fachada que não acabavam mais remuneravam muito bem: salários em torno de R$ 20 mil. Dois exemplos: Diretoria de Apoio Aeroportuário, para facilitar o embarque de senadores, parentes e amigos no aeroporto de Brasília, também conhecida como diretoria de fura-fila ou de check-in; e Diretoria de Visitação, para acompanhar os turistas que percorriam as dependências do Senado.
Descobriu-se ainda que o Senado adotara a prática de editar atos secretos para instituir cargos, aumentar salários e nomear parentes e amigos, sem divulgá-los em publicações oficiais, sem levar a conhecimento público. Ao todo, foram 544 atos secretos em 14 anos, período em que Agaciel Maia deu as cartas no Senado. Quem denunciou foi o jornal O Estado de S. Paulo. Mandaram às favas o princípio da moralidade na administração pública, que pressupõe transparência no uso do dinheiro público. Com medidas sigilosas criaram, por exemplo, assistência vitalícia odontológica e psicológica a maridos e mulheres de ex-parlamentares. Autorizaram servidores a parcelar em até 99 vezes créditos consignados. Tiveram a coragem de reajustar o auxílio-alimentação dos servidores, com valores retroativos a 12 meses.
Com os atos secretos, espertalhões deixaram escondidos em gavetas textos sucintos, desprovidos de numeração e com decisões suspeitas. Consolidaram ações polêmicas como a de acabar com limitações para 800 servidores efetivos fazerem horas extras. Com conhecimento discreto dos senhores senadores, Agaciel Maia espalhou benesses e multiplicou contratos com empresas terceirizadas. Servidores em viagem ao exterior foram autorizados a receber diárias além dos dias específicos de trabalho. Aumentaram as gratificações de chefes de gabinete de secretarias. Tornaram permanentes adicionais salariais. Instituíram comissões e espalharam conselhos só para proporcionar gordos jetons (adicionais de salários) a funcionários.
Ato secreto supostamente autorizado por José Sarney criou uma gratificação-fantasma em 2003. A medida teria implicado despesas de R$ 20 milhões em seis anos. Funcionava assim: servidores de nível médio, desde que indicados para cargos de chefia, passavam a receber um bônus que elevava os ganhos como se já tivessem no final da carreira de nível superior. Haveria mais de 100 casos nessa situação no fim de 2009. Gente ganhando mais de R$ 20 mil.
Durante os dois mandatos do presidente Lula, o Senado adotou como norma prorrogar e aditar contratos com empresas terceirizadas. Valores foram corrigidos, sempre para cima. Em 2009 eram R$ 152 milhões por ano em diversos serviços, como os de limpeza, comunicação e segurança. Sindicâncias detectaram indícios de superfaturamento, excesso de pessoal, altos salários e ausências de justificativa para as contratações.
Com a crise, a luz do dia chegou a iluminar a caixa-preta do Senado, ainda que parcialmente. Revelou-se o pagamento de R$ 6,2 milhões em horas extras para 3.883 funcionários, por serviços prestados em janeiro de 2009. O primeiro mês do ano, para quem não sabe, é de recesso parlamentar, e não havia o que justificasse o benefício. Veio à tona também que com apenas seis meses de mandato, senadores e seus familiares passavam a ter direito a um sistema de saúde vitalício, que consome R$ 17 milhões por ano.
Não havia limite para a gastança. Bastava apresentar recibos que atestassem as despesas. Em 2008, cada um dos 81 senadores despendeu R$ 80 mil. O valor equivale a cerca de R$ 7 mil por mês, incluindo os serviços médicos destinados aos familiares. Já os 310 ex-senadores e seus parentes eram obrigados a obedecer a um limite, embora dispensados de contribuir para o plano de saúde: os gastos deles não podiam exceder os R$ 32 mil por ano, incluídas aí as despesas com tratamentos odontológicos e psicológicos.
Não foram apenas atos secretos. Havia ainda contas bancárias secretas, contas ocultas ou contas paralelas, como o leitor preferir chamá-las. O fato é que continham R$ 160 milhões em julho de 2009. Tinham sido abertas 12 anos antes. Eram movimentadas livremente por Agaciel Maia. Não faziam parte da contabilidade oficial do Senado, nem do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira, do Governo Federal). Foram abertas e recheadas com dinheiro descontado dos salários dos funcionários do Senado, para o custeio de planos de saúde. A única fiscalização estaria a cargo de uma comissão de 11 servidores, toda indicada por Agaciel Maia. A comissão não se reunira em cinco anos. Serviria para referendar as decisões do diretor-geral. Agaciel Maia manteve em 2008 uma conta bancária com R$ 2 milhões na Caixa Econômica Federal. O valor era incompatível com os seus rendimentos.
A revista Época relatou que Agaciel Maia construiu um bunker para encontros íntimos dentro das dependências do Senado. Era acessível por uma escada giratória secreta. Dava numa porta com três fechaduras. Dentro, área de 130 metros quadrados com banheiro privativo, sofás e tapetes vermelhos, spots com luz especial, frigobar, equipamentos de som, vídeo e telão. A secretária de Agaciel Maia, Cristiane Tinoco Mendonça, morava em apartamento funcional do Senado e estacionava seu luxuoso automóvel BMW nas vagas reservadas aos senadores. Para se ter ideia do poder do diretor-geral, José Sarney o autorizou, em janeiro de 2005, a contratar, sem licitação, hospitais e médicos para o plano de saúde dos funcionários do Senado.
Braço-direito de Agaciel Maia, João Carlos Zoghbi, diretor de Recursos Humanos do Senado, afastou-se do cargo em 2009. O jornal Correio Braziliense relatou que ele cedera um imóvel funcional do Senado para o filho morar. João Carlos Zoghbi teria feito uso de ao menos 42 bilhetes aéreos da cota de 12 deputados, contando 10 viagens internacionais, e usado sua influência para empregar vários parentes no Senado por meio de atos secretos.
Em abril de 2009, a revista Época denunciou que João Carlos Zoghbi usou sua ama de leite e babá, Maria Izabel Gomes, uma senhora de 83 anos, sem renda e semi-analfabeta, como laranja para receber quantias milionárias pagas por bancos autorizados a fazer operações de empréstimo consignado a funcionários do Senado. A babá aparecia como controladora de três empresas que fecharam negócios com ao menos quatro instituições financeiras. Apenas uma das empresas da babá, a Contact Assessoria de Crédito, teria recebido R$ 2,3 milhões do banco Cruzeiro do Sul, em nome de comissões referentes a R$ 380 milhões em empréstimos a servidores. O banco Santander também teria tido um contrato comercial com a Contact.
Segundo a reportagem, o banco Finasa/BMC, um braço do grupo Bradesco, elevou a quantia de empréstimos a funcionários do Senado de R$ 5,7 milhões para R$ 156,1 milhões entre 2006 e 2008. Antes, o banco contratara a BC Assessoria de Crédito, outra empresa cuja acionista majoritária era a babá de João Carlos Zoghbi. A terceira empresa da babá, a BM Assessoria de Crédito, foi contratada pelo banco Bancred em 2007. A carteira da instituição no Senado pulou de R$ 4 milhões para R$ 91 milhões. Com a intermediação, a BM teria faturado R$ 541 mil. A BM também teria agenciado empréstimos com desconto em folha de pagamento a servidores e deputados na Câmara.
Com a repercussão do caso da babá, João Carlos Zoghbi e a mulher, Denise Zoghbi, ex-funcionária do Senado, trataram de culpar Agaciel Maia pela corrupção. Acusaram-no de ser dono do Senado. Palavras de Denise a Época:
- Ele fica com a parte do leão. Agaciel está milionário. Eu sei que ele tem casa, apartamento em Natal, uma fazenda no interior do Rio Grande do Norte, várias casas em Brasília em nome dos irmãos. Ele faz bem feito.
- O que todo mundo dentro do Senado sabe é que todas as terceirizadas são dele. Todas as contratações passam por ele.
A revista Época voltou a denunciar João Carlos Zoghbi. Ele também teria explorado negócios de corretagem de seguros de vida no Senado, Câmara dos Deputados e TCU (Tribunal de Contas da União). A transação envolveu a DMZ Corretora de Seguros, supostamente comandada pela babá Maria Izabel Gomes, que teria faturado R$ 236 mil. "Esse número está correto", disse ele.
Não é só. João Carlos Zoghbi, que ficou dez anos no cargo, teria fraudado a folha de pagamento do Senado para aumentar valores disponíveis para crédito consignado. Criava "margens adicionais" de renda, a fim de justificar empréstimos acima do porcentual estabelecido, de 30% dos rendimentos dos funcionários. Foi acusado de montar uma indústria de empréstimos. Em três anos, o mercado de empréstimos no Senado movimentou R$ 1,2 bilhão. As fraudes de João Carlos Zoghbi teriam ocorrido em cerca de 10% dos pedidos de crédito. Beneficiariam mil funcionários e injetariam recursos na Contact Assessoria de Crédito, a empresa em nome da babá. A Polícia Federal indiciou o ex-diretor por formação de quadrilha, concussão (extorsão praticada por agente público) e inserção de dados falsos em sistema público de informação.
A crise no Congresso Nacional respingou em muita gente importante. O senador Tião Viana (PT-AC) ficou furioso com a notícia de que sua filha viajara para o México com o celular funcional dele, bancado pelo Senado. Era um segredo. Tião Viana disse que pagaria a conta, mas se recusou a informar o valor. Afinal, quanto poderia ter sido o gasto do celular em uma viagem de férias de apenas três semanas? Dias depois, a imprensa publicou a despesa: R$ 14.758. Em que diabo de viagem se gasta mais de R$ 700 de telefone por dia?
Tião Viana voltaria a ser notícia de jornal. Ele não declarara à Justiça Eleitoral, em 2006, a compra de um terreno num condomínio residencial de alto padrão, em Rio Branco, adquirido dois anos antes. Na área bem localizada, em frente a um lago com margens arborizadas, o senador construiu uma casa de 477 metros quadrados, avaliada em R$ 600 mil.
A filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) ocupou por seis anos alto cargo no gabinete do senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Salário mensal de Luciana Cardoso, como secretária parlamentar, sem contar benefícios do Senado: R$ 7.600. Ela não despachava em Brasília. Nem no Piauí, terra do senador. Cuidava na própria casa, em São Paulo, das "coisas pessoais dele". Funcionária-fantasma? De Luciana Cardoso à Folha de S.Paulo, para justificar: o gabinete de Heráclito Fortes "é um trem mínimo e a bagunça, eterna". Em seguida, a filha de FHC se desligou do cargo.
Em 2005, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deu um presentão aos 81 senadores. Cada um ganhou o direito de nomear mais sete pessoas para cargos de confiança, com salários de R$ 9.900. Outro agrado de Renan Calheiros na época: o Senado aumentou, por ato secreto, o valor da verba indenizatória dos senadores. Subiu de R$ 12 mil para R$ 15 mil, com um prêmio: o pagamento foi retroativo a seis meses. Um extra de R$ 18 mil.
Com a revelação da existência dos atos secretos, aliás, Renan Calheiros foi notícia constante nos jornais. Marlene Galdino, ex-presidente da Câmara Municipal de Murici (AL), área de influência do senador, fora nomeada na Diretoria-Geral de Agaciel Maia. Já Renato Friedmann, cujo salário mensal era de R$ 15 mil, seria funcionário-fantasma sob o manto de Renan Calheiros. Apesar de lotado em Brasília, trabalharia na loja da sua família em Porto Alegre. Amélia Neli Pizatto, sogra de Douglas de Felice, assessor de imprensa de Renan, seria outra funcionária-fantasma da cota do senador. Teria recebido por quase seis anos, sem trabalhar, salário mensal de R$ 4.900.
Aliado de Renan Calheiros, José Góis Machado teria ficado dois anos na folha de pagamento do Senado, nomeado por ato secreto, embora vivesse em Alagoas. Renan seria o responsável pela nomeação da funcionária-fantasma Vânia Lins Uchoa Lopes quando foi presidente do Senado. Mulher de seu primo, Idelfonso Tito Uchoa, ela teria residência em Maceió. Na época em que o caso de Vânia Lins Uchoa Lopes veio a público, a "servidora" estava no gabinete do então presidente do Senado, José Sarney. Renan teria autorizado também o funcionário Rui Palmeira, filho de Guilherme Palmeira, ex-presidente do TCU, a estudar no exterior, sem cortar os seus salários.
Geraldo Anízio de Amorim, chefe de gabinete do prefeito de Murici (AL), Renan Calheiros Filho, o "Renanzinho", teria sido motorista-fantasma por mais de seis anos no gabinete do senador em Brasília. Outros quatro integrantes da "república de Murici" teriam tido empregos no Senado, por influência de Renan Calheiros. Por ato secreto, Alexandre Murta de Araújo Rocha manteria o cargo de funcionário do gabinete de Renan em Brasília, ao mesmo tempo em que era candidato a deputado em Alagoas, contrariando dispositivo da Justiça Eleitoral.
Ato secreto serviu para empregar Ricardo Araújo Zoghbi, filho de João Cargos Zoghbi, o diretor de Recursos Humanos do Senado. O rapaz passou pela liderança do PDT e pelo gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que disse não conhecê-lo. Cedeu o lugar a pedido de Agaciel Maia:
- Muitas vezes as vagas estão disponíveis. Eventualmente acontece de alguém ocupar a nossa vaga. Mas eu não tenho nenhuma relação com Zoghbi.
Delcídio Amaral abrigou em seu gabinete Lia Raquel Vaz de Souza. Ela fora transferida por ato secreto para o gabinete dele, depois de passar pelo de Demóstenes Torres (DEM-GO). A "funcionária" é filha de Valdeque Vaz de Souza, um dos principais assessores de Agaciel Maia. Demóstenes Torres disse que Agaciel Maia fez a nomeação à revelia. Mas admitiu:
- Os culpados de tudo isso somos nós mesmos, que aceitamos que esse delinquente ficasse por tanto tempo à frente da Diretoria-Geral.
Demóstenes Torres assumiu a responsabilidade pela nomeação em seu gabinete de Marcelo Zoghbi, outro filho do diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi. Demóstenes Torres informou que o nomeou a pedido do então senador Edison Lobão. O rapaz ganhou o emprego por ato secreto.
Bem relacionado, Delcídio Amaral prestou favor ao senador José Sarney. Nomeou Vera Portela Macieira Borges, sobrinha de Sarney. Em tese, ela deveria despachar no escritório político de Delcídio Amaral em Campo Grande. Mas não foi vista por lá durante os seis anos em que ficou sob a batuta do senador petista, desde o começo da era Lula.
Líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM) anunciou a devolução de R$ 328 mil aos cofres públicos. O dinheiro corresponderia a 18 meses de salários e benefícios de Carlos Alberto Andrade Nina Neto, funcionário do gabinete de Arthur Virgílio, durante o período em que o rapaz foi autorizado pelo senador a receber do Senado apesar de morar na Espanha. Com a notícia nos jornais, o tucano não teve outra saída. O funcionário era filho do subchefe de gabinete de Arthur Virgílio, Carlos Homero Vieira Nina. O subchefe ainda tinha a mulher e a irmã empregadas no Senado, sendo que a irmã, por ato secreto. Mais três filhos eram devidamente nomeados no Senado, não apenas o que foi morar na Espanha. Os três no gabinete do líder do PSDB.
Outro episódio envolvendo Arthur Virgílio chamou a atenção: o pagamento do tratamento médico da mãe do senador. Ela tinha o direito de gastar até R$ 32 mil por ano por conta do sistema de saúde do Senado, pois era dependente do pai de Arthur Virgílio, também senador. O Senado cobriu despesas de R$ 723 mil, mais de 22 vezes o limite anual. Ficou a suspeita de que Arthur Virgílio usou do prestígio para liberar o pagamento.
O Senado gastou pelo menos R$ 70 mil para custear as despesas da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) num curso para capacitar executivos de empresas privadas. O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo. Ela arrastou consigo um assessor, Paulo André Argenta, para México, Argentina e Espanha. O tal curso tinha como promotor Luiz Sérgio Gomes da Silva, ex-assessor da CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT). Líder do governo Lula no Congresso Nacional, Ideli Salvatti teve o assessor Guilherme Ricardo Chimidt, com salário de R$ 9.900 mensais, nomeado por ato secreto.
A filha do presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), viajou com o pai para os Estados Unidos em fevereiro de 2007. As cinco diárias de Helena Olympia de Almeida Brennand Guerra na cidade de Nova York, no valor de R$ 4.580, foram pagas pelo Senado. Com a notícia na imprensa, Sérgio Guerra informou que teria devolvido o dinheiro, caso tivesse sido cobrado. Em setembro de 2009, o TCU anunciou que iria pedir a restituição.
Não escapou nem a Corregedoria do Senado, responsável por zelar pelo decoro parlamentar. O corregedor, Romeu Tuma (PTB-SP), tinha 46 funcionários comissionados, e parecia comandar um cabide de empregos. Do total, 17 haviam sido nomeados por atos secretos. Enquanto isso...
Durante os cinco anos em que esteve preso, condenado por latrocínio (roubo seguido de morte), o funcionário João Paulo Esteves Coutinho recebeu os salários em dia. Esteve lotado no gabinete do senador Marco Maciel (DEM-PE). Ao todo o Senado depositou R$ 219 mil em nome do preso. História confusa: o irmão dele, Silvio Esteves Coutinho, funcionário no mesmo gabinete de Marco Maciel, teria assinado as folhas de frequência e recebido os salários no lugar de João Paulo. Alegou que o irmão não cumpria expediente por sofrer de tuberculose e alcoolismo. Por cinco anos! Silvio seria o responsável pelo desvio, embora isso não o tenha impedido de continuar empregado no Senado por mais 13 anos. E João Paulo, alheio à irregularidade, cumpriu a pena e reassumiu o cargo. Acabou afastado com diagnóstico de alienação mental. O Senado não divulgou o valor da aposentadoria.
O motorista do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente do PTB, Eduardo Nunes Serdoura, morador do Rio, foi acusado de ser funcionário-fantasma do Senado entre 2007 e 2009. A irmã de Caroline Medeiros Collor de Mello, mulher do senador Fernando Collor (PTB-AL), teve cargo na presidência do Senado. O senador Heráclito Fortes (DEM-PI) abrigou Tatiana Maria Pedrosa Maria Lima, casada com Afrísio Vieira Lima Filho, irmão do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA).
O senador Mão Santa (PMDB-PI) tinha um assessor, Aricelso Lopes, suspeito de ser funcionário-fantasma. No papel exercia a função de coordenador de atividade policial no Senado. Na prática ficava mesmo no Piauí. Explicação do gabinete de Mão Santa: Aricelso Lopes foi contratado para capturar um tal pistoleiro que ameaçava o senador. Outro que vivia no Piauí e também era lotado no gabinete de Mão Santa, nomeado por ato secreto, era Nilton Carvalho Neto, conhecido como o poeta "Neto Sambaíba".
A nora do senador Efraim Morais (DEM-PB), Flávia Carolina Braz Rocha, casada com o deputado Efraim Filho (DEM-PB), tinha cargo no Senado. O filho do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Rafael de Almeida Neves Júnior, foi nomeado por ato secreto. Já o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) teve quatro funcionários emplacados por meio de atos secretos.
Um ato secreto deu cargo de R$ 10 mil a Antonio José Costa Freitas Guimarães no Senado. Ele trabalhava na Câmara para o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA). Outro ato secreto garantiu emprego no Senado para Andressa Alves, filha do deputado Henrique Alves (PMDB-RN). A mulher do governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), Eliane Aquino, recebeu salário mensal de R$ 6.400, durante sete anos, no gabinete do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). A primeira-dama não cumpria expediente no Senado.
O sobrinho do senador Paulo Paim (PT-RS), Alexandre Rafael Carvalho Paim, talvez por ter o mesmo sobrenome do tio, foi empregado numa empresa terceirizada, a Adservis, uma das 14 contratadas para prestar serviços no Senado. Juntas, elas empregavam, em 2009, 299 funcionários que tinham parentesco com servidores do Senado. Só a Adservis tinha 101 parentes. E, claro, dois contratos, no valor de R$ 26,8 milhões por ano, com o Senado.
Ex-deputado do PSOL, João Alfredo foi contratado como consultor pelo gabinete do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Durante 19 meses recebeu R$ 49.700 da verba indenizatória de Chico Alencar. Já a funcionária Solange Amorelli teria mantido vínculo empregatício no gabinete da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), mesmo nos dois anos em que morou nos Estados Unidos. A ex-mulher do deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), Maria Eliane, trabalhou no Senado, nomeada por ato secreto, durante quase três anos.
O senador Adelmir Santana (DEM-DF), que presidia a Federação do Comércio de Brasília, usou R$ 12 mil da verba indenizatória de seu gabinete para pagar empresa de consultoria de um diretor da Fecomércio, Carlos Augusto Guimarães Baião. Adelmir Santana também admitiu ter tido dois funcionários comissionados em seu gabinete que prestavam serviços para o vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio (DEM).
Secretário de Transportes do Distrito Federal, o deputado licenciado Alberto Fraga (DEM) teve a sogra, Gilda de Souza Dias, e o cunhado, José Alexandre França Brasil, nomeados no gabinete do deputado Osório Adriano (DEM-DF), suplente de Alberto Fraga. Já João Ribeiro da Silva Neto, namorado da filha de Alberto Fraga, foi nomeado para a própria Secretaria de Transportes. Os três sofreram acusação de ser funcionários-fantasmas.
Outro caso envolvendo a dupla: Osório Adriano, o suplente, herdou do gabinete de Alberto Fraga, o secretário, a funcionária Izolda da Silva Lima. Apesar de nomeada na Câmara, ela trabalhava como empregada doméstica na casa de Alberto Fraga. Ele concordou em conceder entrevista à GloboNews:
- É uma empregada que presta serviços domésticos. Perdão... Que presta serviços externos e... Agora, realmente, ficou complicado explicar...
Por dois anos e meio, o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) manteve como secretária parlamentar de seu gabinete Maria Helena de Jesus. Só que ela era empregada doméstica no apartamento de Arnaldo Jardim, em Brasília. "Lavo, passo e cozinho", contou Maria Helena. O deputado, por sua vez, com a fotografia nos jornais, tratou de exonerar a funcionária. E explicou:
- Pensei que ela pudesse não só ajudar esporadicamente no gabinete, como também prestando serviços no apartamento. Quando eu soube que isso não era possível, eu a desliguei.
Mais verbas indenizatórias. O senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) teria destinado R$ 7 mil mensais para justificar a contratação de serviços de locomoção de interesse de seu gabinete. O beneficiário, um amigo de Ivan Sarney, irmão de José Sarney, possuiria empresa de transporte escolar e fretamento de ônibus. Tem mais: Epitácio Cafeteira também usou verba indenizatória para pagar o condomínio do edifício Granville, em São Luís, onde era proprietário de um apartamento residencial. A despesa foi declarada como aluguel de escritório político.
Outro afilhado político de José Sarney, o senador Gilvam Borges (PMDB-AP), destinou a verba indenizatória, de R$ 15 mil mensais, para pagar o "escritório político", uma fábrica de toldos na periferia de Macapá. O dono da empresa era filiado ao PMDB. Em 18 meses, entre 2008 e 2009, toda a verba indenizatória de Gilvam Borges, de R$ 270 mil, nutriu o correligionário.
O senador Fernando Collor (PTB-AL) teria usado verba indenizatória para custear gastos particulares. Apesar de morar em apartamento funcional do Senado, lançou mão de R$ 10.616, em maio de 2009, para quitar serviços de conservação, limpeza e segurança prestados pela Cintel Service, empresa contratada para guardar sua residência privada, a Casa da Dinda.
Em ofício de setembro de 2009, o presidente do Senado, José Sarney, encaminhou parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para negar a possibilidade de divulgação das notas fiscais apresentadas pelos senadores, referentes a gastos de 2008 ressarcidos por verbas indenizatórias. A divulgação poderia "abalar gravemente as instituições da República". Trecho do documento, assinado pela Advocacia-Geral do Senado:
"Mesmo sendo dinheiro público, por vezes a verba indenizatória também custeia despesas relacionadas à segurança nacional ou que revelam aspectos da intimidade e da vida privada de cada parlamentar."
A Folha de S.Paulo obteve, por via judicial, dados sobre 70 mil notas fiscais apresentadas por deputados nos últimos quatro meses de 2008. Elas justificariam o uso de verbas indenizatórias. O festival de supostas empresas de fachada, com os respectivos endereços-fantasmas, envolveria os senhores Marcio Junqueira (DEM-RR), Severiano Alves (PMDB-BA), Uldurico Pinto (PHS-BA), Zezéu Ribeiro (PT-BA), Tonha Magalhães (PR-BA), Mário de Oliveira (PSC-MG), Eugênio Rabelo (PP-CE) e Airton Cirilo (PT-CE).
O levantamento apontou, entre outras irregularidades, suspeitas de uso indevido de verbas indenizatórias para custear gastos nas eleições de 2008. Teriam feito emprego inadequado do dinheiro os deputados Giovanni Queiroz (PDT-PA), Jader Barbalho (PMDB-PA), Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), Fernando Gabeira (PV-RJ), Paulo Rocha (PT-PA), Narcio Rodrigues (PSDB-MG) e Fábio Ramalho (PV-MG).
Outros deputados teriam usado as verbas para contratar as próprias empresas. São os seguintes, segundo o jornal: Osório Adriano (DEM-DF), Dilceu Sperafico (PP-PR), Antônio Andrade (PMDB-MG), Marcelo Teixeira (PR-CE), Nice Lobão (DEM-MA) e Edmar Moreira (PR-MG).
Por fim, outra dose de auxílio-moradia. O senador José Nery (PSOL-PA) recebia R$ 3.800 mensais, apesar de morar no apartamento de uma assessora em Brasília. O senador Gerson Camata (PMDB-ES) e a mulher dele, deputada Rita Camata (do PMDB se transferiu para o PSDB-ES), recebiam, ambos, os respectivos benefícios, no total de R$ 6.800. Mas o casal morava em apartamento próprio em Brasília. O senador chorou ao dar explicações.
Outros três senadores receberam auxílio-moradia, mesmo ocupando apartamentos funcionais do Senado. João Pedro (PT-AM), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Gilberto Gollner (DEM-MT) prometeram solicitar o cancelamento do benefício, depois que a situação deles se tornou pública. Eles engordaram suas contas bancárias com, respectivamente, R$ 45.600, R$ 79.800 e R$ 41.800. Nenhum dos três senadores falou em devolver o dinheiro.
A Câmara autorizou o deputado licenciado Gastão Vieira (PMDB-MA) a manter um apartamento funcional da Casa em Brasília, mesmo morando em São Luís. Ele era secretário de Planejamento e Orçamento da governadora Roseana Sarney (PMDB-MA) e suas duas filhas ocupavam o imóvel na capital federal. Roseana Sarney, aliás, usou R$ 11.970 da verba indenizatória do Senado, antes de virar governadora, para contratar a Pads Assessoria de Desenvolvimento Social. A empresa, de São Luís, pertencia a Conceição Andrade, nomeada depois secretária de Desenvolvimento Agrário do Maranhão. Explicação de Conceição Andrade:
- Era um serviço mais de acompanhamento, de elaboração de projeto, alguma coisa assim nesse sentido.
Falta José Sarney. O presidente do Senado morava em imóvel próprio, além de dispor de residência oficial. Mesmo assim, pôs no bolso o auxílio-moradia. Em 26 de maio de 2009, Sarney negou. "Nunca", exclamou. A Folha de S.Paulo informou que o nome dele estava na relação dos beneficiários. Sarney negou novamente. De acordo com assessores, a lista era falsa. No dia seguinte, Sarney teve de admitir. Recebera R$ 3.800 por mês, durante dois anos. Total: R$ 91.200. Explicação, a cargo da assessoria: Sarney desconhecia o pagamento mensal em sua conta bancária e pediu a suspensão do benefício. Não mencionou eventual devolução da quantia.

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