30 de dez. de 2011

Dilma diz que CPI “se faz em caso extremo”

Por André Barrocal

A presidenta Dilma Rousseff disse nesta sexta-feira (16), durante café da manhã de confraternização com jornalistas, que não leu o livro A Privataria Tucana, que aponta corrupção em privatizações do governo Fernando Henrique e envolvimento do ex-ministro e adversário dela na eleição de 2010, José Serra.
O livro também conta os bastidores de uma guerra por poder entre petistas na campanha presidencial de Dilma no ano passado. O presidente do PT, Rui Falcão, um dos personagens da disputa, processa o autor do livro, o jornalista Amaury Ribeiro Jr.
Dilma evitou comentar a possibilidade de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Privataria, na Câmara dos Deputados. Mas com uma declaração que admite interpretar que o governo talvez não ache uma boa ideia. Para que o leitor tire sua própria conclusão, a reportagem reproduzirá o diálogo da imprensa com Dilma sobre a CPI da Privataria.
Presidenta, a eventual instalação de uma CPI prejudicaria o governo dentro do Congresso?
“Eu acho que CPI se faz em caso extremo. Não vejo como eu poderia me manifestar sobre isso.”
Esse seria um caso extremo?
“Como eu vou saber?”
A presidenta disse que também não leu uma biografia dela, chamada A vida quer é coragem, do jornalista Ricardo Amaral, que será lançada em Brasília nesta sexta-feira (16). Amaral trabalhou na campanha presidencial de Dilma no ano passado e afirma que o livro não teve autorização prévia dela para ser escrito e publicado.

Civilidade com oposição.

No café da manhã, realizado no Palácio do Planalto com cerca de 50 jornalistas que acompanham o dia a dia da Presidência, Dilma fez um balanço do primeiro ano de governo e afirmou ter com a oposição “relações civilizadas”, que para ela “significa conversa”, e que pretende manter isso em 2012. A ausência deste diálogo, disse, “é uma das piores doenças da democracia”.
Um dos maiores exemplos de “relação civilizada” de Dilma com os adversários em 2011 talvez tenha sido a carta que ela mandou ao ex-presidente Fernando Henrique para parabenizá-lo pelo aniversário de 80 anos, gesto que custou críticas nos bastidores de alguns petistas, que vêem em FHC um símbolo, por contraste, do que foi o governo Lula.
Segundo Dilma, esse tipo de convivência com a oposição ajuda o país a se diferenciar de outro meio à crise econômica global. Enquanto o governo aprovava no Congresso tudo o que propunha como medidas anti-crise, Dilma disse ter vistos “relações extremamente incivilizadas, deletérias até”, pelo mundo, como nos Estados Unidos, em que o governo Obama se digladiou com os inimigos republicanos por causa do teto da dívida, e alguns europeus.
A presidenta disse ter uma “relação republicana” com governadores de oposição e citou nominalmente os tucanos Geraldo Alckmin (São Paulo), Antonio Anastasia (Minas) e Teotônio Vilela (Alagoas) e a única do DEM, Rosalba Ciarlini (Rio Grande do Norte). “O problema do estado deles é meu também”, afirmou.

26 de dez. de 2011

A PRIVATARIA TUCANA Epílogo

  • Epílogo
Depois desta jornada pelos pântanos da política em que todos são vilões e o Brasil é a vítima, acho importante encerrar a narrativa com algumas observações. A primeira delas é que o país e suas instituições não têm o direito de continuar fazendo de conta que não viram a rapinagem organizada que devastou os bens do Estado nos anos 1990 e começo da década seguinte. E que serviu para tornar os ricos mais ricos.
Varrer a sujeira para debaixo do tapete, como se fez tantas vezes, não é mais possível. Não há tapete suficiente para acobertar tanto lixo. O Brasil, que escondeu a escravidão e ainda oculta a barbárie de suas ditaduras, não pode negar aos brasileiros a evisceração da privataria. Quem for inocente que seja inocentado, quem for culpado que expie sua culpa.
Se isso não acontecer, isto é, se a memória do saque não se tornar um patrimônio dos brasileiros, o país poderá repetir esta história, mais cedo ou mais tarde. Não é demais reparar que, na América Latina, estamos atrasados nestas providências. No México, o ex presidente Carlos Salinas de Gortari — espécie de santo padroeiro da privataria latina — crivado de denúncias de corrupção, saltou em seu jatinho e fugiu para Nova York. Na Bolívia, após privatizar até a água, que entregou à francesa Suez Lyonnaise des Eaux e à norte americana Betchel, o “modernizador neoliberal” Gonzalo Sánchez de Lozada foi ejetado do seu trono aos gritos de “assassino” e voou para Miami.
Tripulando uma razia privatizante que liquidou até mesmo estatais que davam lucro e um processo de concentração de renda que desempregou 30% da população ativa, Carlos Menen virou sinônimo de azar. Na Argentina, as pessoas dizem “Mendéz” para não pronunciar seu nome receando uma catástrofe. No Peru, após aprovar sua segunda reeleição, Alberto Fujimori evadiu se do país sob acusação de surrupiar US$ 15 milhões do erário e de autorizar a execução de dissidentes. Condenado a 25 anos de prisão, Fujimori admitiu, depois, ter concedido propinas — “briberization”, como diria Joseph Stiglitz — o que somou à sua pena mais alguns anos
de cadeia.
Para quem entende a desigualdade social como um valor em si mesmo e o Estado do Bem Estar Social como um trambolho no caminho da realização plena do indivíduo, Salinas de Gortari, Sánchez de Losada, Menem, Fujimori e similares fizeram o que tinham que fazer. Foram flagrados — uma lástima do seu ponto de vista — mas não se pode fazer maiores reparos à sua ação política em termos de coerência.
Resta saber se quem interpreta o Estado Mínimo como uma perversidade ineficaz — aqui ou em qualquer outro lugar — está disposto a fazer valer sua condição cidadã e exigir da Polícia, do
Fisco, do Ministério Público e da Justiça que cumpram a sua parte.
Se jogar uma luz sobre este passado ainda imerso nas sombras, este livro, que termina aqui, terá cumprido a sua parte. E tudo o que houve terá valido a pena.

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 16

  • Capitulo 16 – Como o PT sabotou o PT
- O organograma que virou golpe.
- Rui Falcao pauta a Veja contra a campanha de Dilma.
- Apadrinhados por Palocci, os paulistas abrem caminho.

É uma esplêndida visão do Lago Sul e da Ponte JK, um dos novos cartoes postais de Brasília, aquela que se tem desde o modernoso restaurante Gazebo. Foi o local escolhido por Palocci.
Em uma sala reservada, Palocci apresentou Valdemir Garreta e Marcelo Parada ao então seu colega de coordenação na campanha de Dilma, Fernando Pimentel.
Foi no dia 20 de fevereiro de 2010, durante o Congresso Nacional do PT, quando a candidatura Dilma foi oficializada pelo partido.
Pimentel levou Lanzetta a tiracolo. Também estava no almoço João Santana, o marqueteiro de Dilma. Durante o almoço, Palocci disse que Garreta e Parada estavam prontos para apresentar um projeto à campanha. Para o mesmo serviço que já estava sendo desenvolvido por Lanzetta... No almoço, Garreta praticamente exigia que Lanzetta apresentasse o seu projeto. Como a situação tornou se constrangedora, mesmo com a condução habilidosa de Palocci, foi marcada uma reunião posterior, somente entre Garreta, Parada e Lanzetta.
À saída, Lanzetta demonstrou sua preocupação a Pimentel.
Principalmente porque Parada e Garreta não eram do ramo. Lanzetta havia sido sócio de duas grandes empresas do setor, CDN e InPress, e estava havia muitos anos na área, sendo um dos principais criadores da Abracom, a associação das empresas da área de relações públicas e assessoria de imprensa. Os outros dois eram neófitos na atividade, e Garreta, afamado por sua atuação em negócios suspeitos da Prefeitura de São Paulo. Em outro ambiente do mesmo restaurante, aparentemente esperando o resultado da reunião, estava Rui Falcão, recem eleito vice presidente nacional do PT. Dias antes dessa reunião, Lanzetta já havia sido procurado por um dos sócios de Garreta e Parada com os seguintes recados:
Fernando Pimentel é o inimigo a ser destruído.
Antônio Palocci é o sustentador do grupo.
Rui Falcão, ex todo poderoso da gestão Marta Suplicy na prefeitura paulistana, fazia parte do esquema.
O currículo de Garreta faz jus a algumas linhas a mais. Desde 2008, ele era alvo de investigação do Ministério Público paulista sobre a chamada “Máfia da Merenda”. Ex secretário municipal de
Abastecimento em São Paulo, tornou se suspeito de participação na fraude da terceirização da merenda escolar durante a administração Marta Suplicy. Garreta, porém, sempre negou qualquer envolvimento no escândalo.
O pagamento de propina teria iniciado em 2001, intensificando se na gestão Gilberto Kassab (DEM). No dia 1o de julho de 2010, os promotores apreenderam documentos em oito empresas50 suspeitas de envolvimento na falcatrua. Testemunha ouvida pelo MP/SP afirma que, em São Paulo, as seis empresas acusadas de formação de cartel para combinar os preços dos pregões pagaram R$ 1 milhão a Garreta.
Informações de vários jornalistas dão conta de que o ex secretário cultiva o hábito desagradável de ameaçar a vida de seus adversários.
50 As empresas investigadas são a Gourmaitre, Ceazza e Verdurama, todas do Grupo SP Alimentação; Geraldo J. Coan, Nutriplus, Eb Sistal, Convida Denadai e Terra Azul. A prefeitura paulistana é uma das 30 cidades de São Paulo e Minas Gerais sob investigação.
Ou seja, ou compõe ou compõe...
Logo depois da convenção, num encontro no café Daniel Briand, na Quadra 104, da Asa Norte, Lanzetta disse à dupla Garreta & Parada que havia recebido uma encomenda de trabalho bem clara: criar a assessoria de imprensa da campanha, com vários serviços concernentes à atividade. Enquanto não houvesse determinação de quem fizera o pedido para mudar os rumos do trabalho, ele não poderia compor com ninguém.
Contrariados, os dois foram embora. Não irá demorar para Lanzetta receber o seguinte recado: Garreta vai encaminhar seu projeto do jeito dele...
Fique tranquilo. É um amigo de 40 anos — amenizou Pimentel.
Dirigia se a um bastante preocupado Lanzetta diante das primeiras atitudes de Falcão, este já na condição de coordenador da comunicação da campanha.
Não seriam 40 centímetros no nosso rabo — retrucou Lanzetta, tentando tirar algum humor do episódio. A história imediata mostraria que tinha razão.
Fernando Pimentel e Rui Falcão participaram da luta armada.
Foram presos, coincidentemente em Porto Alegre. Cumpriram pena na Ilha do Presídio, no meio do rio Guaíba, onde também ficou Carlos Araújo, ex marido de Dilma e também companheiro de organização.
Diante do pedido, foi dado a Falcão o tratamento que se dá aos amigos. Foi convidado a ocupar uma sala da casa da QI 05. Ali, o velho e fraterno companheiro de Pimentel conduzia quase que uma assessoria paralela, incentivando a compra de serviços já existentes. Lanzetta e a equipe estavam conformados, tentando ver como sobreviver naquela luta. Era um tremendo desgaste, mas também algo relativamente normal em campanha. Interpretavam se todos os movimentos de Falcão como um esforço para contribuir com a candidatura. Falcão frequentou o ambiente até o começo de maio. No feriado de 1o de maio, ele mostrou suas garras. E o conceito de “amigo” começou a se esfacelar.
Quando Lanzetta recebeu um telefonema às 08h30, na sua casa em Brasília, sentiu que havia alguma coisa esquisita no ar.
Do outro lado da linha, Falcão. Cedo, liga de São Paulo para registrar sua mais profunda e irrestrita solidariedade a Lanzetta.
Referia se a uma diatribe do colunista Diogo Mainardi na edição da revista Veja que recem aportara nas bancas. Sob o título “O Lanzetta da Laranza” e num rasgo que evidenciava os dotes premonitórios do autor, proclamava que a campanha de Dilma Rousseff “está ruindo”. Disparava uma rajada de desaforos contra o PT e os petistas, temperava a maçaroca com o médico Roger Abdelmassih e o músico Wagner Tiso, mas centrava fogo em Lanzetta. De quebra, agredia Pimentel.
Lanzetta espantou se com a solidariedade matinal de Falcão.
Sobretudo, estranha e inesperada por partir de alguém que ultimamente mal o cumprimentava. Mas a manhã solidária prometia mais emoções. Cinco minutos depois, Marcelo Parada liga também solidário. “Estamos indignados, coisa e tal.” Mas era algo tão recente, a edição recem saíra... “Não precisam assinar embaixo”, pensou.
As muitas pessoas que, sinceramente, prestaram solidariedade ao dono da Lanza ligariam à tarde ou no dia seguinte... Um amigo de Lanzetta resolveu fazer graça: “Vai ver eles leram a Veja juntos na cama, entre risinhos e torradas...”.
Bisonho no departamento de vaticínios eleitorais, Mainardi, porém, foi esclarecedor no mesmo parágrafo. Relata que Pimentel, “quando era terrorista”, tentara “sequestrar um diplomata norte americano cinco vezes e fracassou em todas elas”, acrescentando que o então coordenador de campanha de Dilma era “conhecido por suas patetices”. Era praticamente o mesmo comentário que Lanzetta ouvira de Falcão sobre a atuação de Pimentel em Porto Alegre. Na conversa, Falcão autoglorificara sua própria atuação na guerrilha enquanto seu companheiro de Minas seria um tanto trapalhão. Mainardi revelou, ao fustigar Pimentel, mais do que gostaria sua fonte.
Contou também, para tipificar o comitê como uma barafunda, que a assessora de imprensa de Dilma, Helena Chagas, temporariamente não estava trabalhando. E detalhou que o afastamento era consequência de a jornalista ter contraído dengue, algo que era do conhecimento apenas de poucas pessoas envolvidas com a campanha.
Mas a investida de Veja, despropositada, hostil e surgida aparentemente do nada, prenunciava novos problemas. Na mesma semana, durante um almoço com toda a equipe, o dono da Lanza observou que aquilo não estava solto. Que não era uma loucura de Mainardi e que a Veja estava “preparando um personagem”. Primeiro ia ser um laranja, depois inventariam outra coisa...
A coluna de Mainardi foi, de fato, a senha do que viria a seguir contra Pimentel, Lanzetta e sua turma. Uma das raras atividades de Falcão como coordenador de comunicação da campanha, além de vazar informações, foi forçar a entrada de seus sócios em cima da empresa já contratada. Na primeira reunião da coordenação, fez aprovar a contratação de Marcelo Parada e do jornalista Nirlando Beirão, este sem saber o que estava acontecendo com o seu nome. Na segunda reunião, já com Marcelo Parada a seu lado, apresentou um organograma onde só apareciam os nomes dele mesmo mais Marcelo Parada e Nirlando Beirão. Os demais jornalistas, já trabalhando e exercendo cargos de comando, como Helena Chagas — indicada por Dilma como coordenadora da imprensa da campanha e hoje ministra da Comunicação — nem sequer apareciam na hierarquia de Falcão.
Isto não é um organograma. É um golpe — disse Lanzetta a Falcão.
A contratação de Beirão era um factoide. O jornalista foi convidado por Palocci, mas, sabe se, nunca cogitou trabalhar na campanha.
E realmente não atuou. O que interessava era fichar a empresa de Parada e Garreta para aninha la na estrutura. A partir daí, Falcão e Palocci começaram a levar para a campanha uma duplicidade de serviços já contratados. Criou se, em São Paulo, uma espécie de empresa espelho. Era só esperar a queda da principal.
Dada a senha por Mainardi, tanto Pimentel quanto Lanzetta passam a receber telefonemas do jornalista Alexandre Oltramari, da mesma Veja. Oltramari dizia que na QI 05 havia uma verdadeira fábrica de dossiês contra os adversários, especialmente contra Serra, e que o ex delegado Onézimo Sousa e o jornalista Amaury Ribeiro estavam engajados na arapongagem. E exigia entrevistas.
Foi um tumulto. Lanzetta alertou a direção da campanha na QL 24, do Lago Sul, sobre a matéria da Veja. O coordenador de comunicação ficou alheio ao problema. Não havia contratado ninguém e todos sabiam qual era o seu verdadeiro trabalho.
Mas a matéria acabou não saindo. O interlocutor com a revista foi Palocci, que se mostrou um esperto negociador. No início da semana seguinte, mesmo sem a matéria, que não fora publicada
por falta de consistência, Palocci e Falcão, ágeis, propuseram o desmantelamento da casa da QI 05. Lanzetta, que havia virado alvo, teria que sair o mais rapidamente da campanha. Decisões
tomadas, aos trancos e barrancos, em cima de uma matéria que não fora publicada.
Sob pressão, Lanzetta liga pela segunda vez para a minha fazenda.
Ouvi cobras e lagartos. Ele me acusava de te lo apresentado a dois maus caráteres que eram fontes da Veja. Corri, novamente, para Brasília.
Essa sua fonte do Cisa (Dadá) era um infiltrado, deu uma entrevista mentirosa para a Veja dizendo que havia sido contratado para fazer espionagem — esbravejou Lanzetta. Conhecendo Dadá de outras datas, achei difícil que isso tivesse acontecido.
Mesmo assim, fui lhe pedir explicações.
Você acha que eu vou dar um golpe sujo desses? — reagiu, indignado.
Dadá relatou que seu colega da comunidade de informações Jairo Martins — fonte notória de Veja na área — havia sido procurado pelo mesmo repórter. Oltramari mostrara lhe fotos minhas na casa da QI 05 e de um “pessoal mal encarado” que circulava em um carro “de placas frias”.
Vale lembrar que Martins é o mesmo agente que entregou à revista o vídeo em que o ex chefe do departamento de compras da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) Maurício Marinho embolsa uma propina de R$ 3 mil. Na verdade, o “pessoal mal encarado” eram funcionários contratados para prestar serviços na casa. O carro, que não tinha nada de placas frias, era de um deles. Martins argumentou com Oltramari que a história não procedia. Caso contrário, por ser do mesmo grupo de Dadá, também estaria engajado no trabalho. Mas para o repórter, o grupo já estaria atuando, pois a informação havia chegado às suas mãos por gente do “bunker”: um coordenador de campanha, que procurara a revista “por não concordar dos métodos adotados pelos colegas de campanha”.
O boato não demorou a se transformar em tumulto. Mesmo antes de receber o meu retorno, Lanzetta alertou a direção da campanha na QL 24, do Lago Sul, sobre a matéria que Veja estava preparando. O coordenador de comunicação ficou alheio ao problema.
Enquanto Pimentel e Lanzetta eram postos de lado, Palocci assumia o cargo de mediador da crise.
Indignado com a boataria, resolvi procurar o diretor da sucursal de Brasília, Policarpo Jr., para esclarecer os fatos. Um amigo comum, o procurador Luiz Francisco de Souza, intermediou o contato. Pedi a intermediação, porque o procurador havia me dito antes que, em várias ocasiões, Policarpo Jr. Havia elogiado o meu trabalho. Ao procurador, adiantei que, como a notícia era mentirosa e não tinha nada a temer, iria contar passo a passo tudo o que havia ocorrido. Tomei a decisão com base na minha conduta. Não foram raras as vezes em que derrubei uma reportagem ao perceber que a denúncia estava cercada de contradições ou que o acusado havia me convencido de sua inocência.
Então se prepare para o bote. O Policarpo não é fácil não. No meio da entrevista ele vai jogar a bomba na sua mão — previu.
Não tem problema. Vou falar a verdade.
Então pense que seu pai, mesmo morto, estará ao seu lado.
Dom Inácio dizia que os mortos, ao invés de se afastarem, aproximam se dos entes queridos — concluiu o procurador, que também acabara de perder o pai.
Na minha frente, ele ligou para Policarpo. Após contar piadas e fazer lhe algumas provocações — das quais ele mesmo ria — pediu apenas que o diretor ouvisse minha versão.
Ao chegar à sucursal, o diretor tratou me com cordialidade e me fez até alguns elogios.
Nós, apesar de termos trabalhado em revistas distintas (eu, na IstoE; e ele, na Veja), nos respeitamos — afirmou. Mas cumpridas as formalidades, não demorou a disparar o primeiro torpedo.
Você, que sempre denunciou irregularidades, como se sente sentado aí do outro lado?
Pensei em responder que me sentia melhor do que ele e toda a imprensa que haviam assumido um papel, no mínimo, ridículo nas eleições. Mas achei melhor responder de outro modo.
Afinal, não estava ali para esclarecer os fatos, e sim para descobrir o nome do traidor. Sabia que a provocação fazia parte do jogo, que mal havia começado. Então respondi simplesmente que me sentia muito bem.
Não demorei para perceber que Veja não possuía nada de concreto: uma foto minha dentro do “bunker” ao lado de Lanzetta, outras fotos dos funcionários e um cartão de visita do delegado Sousa, surrupiado da mesa de Lanzetta. De posse do cartão, entregue a Lanzetta na reunião do Fritz, Policarpo Jr. insistia em que o delegado estivera dentro da casa.
A fim de que não pairasse nenhuma dúvida, narrei minha participação no episódio desde o começo, quando ainda trabalhava no jornal O Estado de Minas. Foi assim, por exemplo, que a revista e toda a imprensa ficaram sabendo da tal reunião do Fritz.
Mas faltava o tal bote. E ele veio logo após o final do meu relato.
Policarpo Jr. disse que tivera acesso, por meio de um cacique de dentro da casa do Lago Sul, a um relatório elaborado por mim sobre as privatizações. Descrito minuciosamente pelo diretor da revista, o que ele chamava de relatório era o esboço geral deste livro arquivado no meu notebook. Como não havia passado o relatório e nenhum outro material a Lanzetta e mais ninguém conhecia o seu conteúdo, só havia uma explicação: o texto fora furtado do meu computador. Percebi que estava diante da evidência da traição. O que o jornalista descrevera era tudo igual — lead, sublead, personagens — ao material compilado por mim.
Não foi preciso nem um pouco de esforço para chegar à conclusão: o texto só poderia ter sido copiado na ratoeira do apartamento do hotel em que me haviam colocado em Brasília e onde Rui Falcão tinha trânsito livre.
Você diz que está investigando a arapongagem, mas o meu relatório e até mesmo o cartão roubado da mesa do Lanzetta é o resultado não só da arapongagem como do roubo — argumentei.
Você aceita gravar um pingue pongue? — perguntou Policarpo.
Aceito, é claro! Afinal, vim aqui para isso — retruquei.
Temos uma gravação com um dos coordenadores da campanha dizendo que você faz parte de um novo grupo de aloprados do PT — advertiu.
Espera aí. De que grupo é esse coordenador? — quis saber.
Do grupo de lá (de São Paulo, é claro) — afirmou.
E o que ele diz na entrevista?
Que um jornalista maluco de Minas (referia se a mim, é claro) havia deixado denúncias contra Serra. Mas nada muito importante, umas matérias requentadas.
Foi nesse momento que percebi qual a intenção da turma de São Paulo: tentar plantar o factoide de que Pimentel e Lanzetta estariam no comando de novos aloprados, conforme o presidente Lula batizou os militantes petistas flagrados com malas de dinheiro em um hotel de São Paulo, às vésperas das eleições de 2006. O dinheiro seria usado na compra de um dossiê contra Serra que nada mais era do que um monte de matérias requentadas de jornais. Dessa forma, afirmar que eu entregara “matérias requentadas” era a forma de demonstrar que os supostos aloprados seriam um bando de trapalhões.
Policarpo ligou o gravador.
Há informações de que você faria parte de um novo grupo de aloprados?
Aloprados é o pessoal do PT de São Paulo, que só pensa em dinheiro e inventam um monte de histórias nem que isso possa prejudicar a candidata de seu próprio partido.
Mas você investigou as privatizações e o PSDB?
Sim, para escrever um livro.
E o que tem a dizer sobre o conteúdo das investigações?
É avassalador.
Nesse momento, ele interrompeu a entrevista, dizendo que “tinha dado pau” no gravador. Não sei se a interrupção deveu se a problemas técnicos ou por ele não ter ficado animado com as minhas respostas. Solucionado o problema, mudando um detalhe ou outro, o diretor da sucursal me fez perguntas semelhantes e obteve as mesmas respostas.
Terminada a entrevista, avisei que tinham me metido numa arapuca e que, agora, eu ia me defender por contra própria. Mesmo que isso pudesse provocar a demissão de Lanzetta, iria à Polícia e ao Ministério Público denunciar o roubo do conteúdo do meu computador e o destino do dinheiro da propina arrecadada durante as privatizações tucanas.
Um ou dois dias depois estava na sede do MPF, quando tocou meu celular. Lanzetta pedia que eu desistisse das denúncias. Contou que já havia se acertado com Palocci. Foi me buscar no MPF, e após, enquanto tomávamos um chope no bar Brasília, descreveu o diálogo que acabara de manter minutos atrás com o poderoso coordenador de campanha.
Pelo que eu apurei, a reportagem (de Veja) não sai nesta semana.
Mas parece que seu amigo está querendo tumultuar o processo — disse Palocci a Lanzetta.
Segure os seus radicais, que eu seguro o meu — respondeu Lanzetta, provocando gargalhada em Palocci. O diálogo foi acompanhado com os olhos arregalados por uma terceira testemunha, que viria se tornar um dos mais influentes colaboradores do governo Dilma.
No início da semana seguinte, Palocci e Falcão, agilmente propuseram o desmantelamento da casa da QI 05. Transformado em alvo, Lanzetta teria que sair o mais rapidamente da campanha.
Quem ficar do lado do Pimentel, vai ser varrido da campanha”,
ameaçou Falcão a outra pessoa próxima de Dilma.
Talvez isso explique a relação fria e formal que, mais tarde, a presidenta passou a ter com o atual presidente de seu partido.
Dilma nunca suportou traição. Durante a ditadura militar, os militantes de esquerda eram instruídos a suportar durante certo tempo as sessões de tortura nos porões do Dops e do Doi Codi, de modo que outros companheiros não fossem capturados com base nas informações que os presos fatalmente dariam. O ponto (local de encontro) só deveria ser entregue quando o risco para os demais militantes fosse o menor possível.
Por causa disso, Falcão não teria sido convidado para a solenidade de posse, o que ele desmentiu à Folha de S. Paulo ao ser eleito presidente do PT. Garantiu ter recebido um abraço caloroso da presidenta. E informou que está me processando por calúnia. É sempre assim: toda vez que eu conto sua atuação sinistra nos bastidores da campanha, Falcão inventa um novo processo contra mim.
Ele se esquece, no entanto, que a prova da traição está documentada: ao responder interpelação judicial movida na Justiça pelo jornalista Luiz Lanzetta, o delegado Onézimo disse ter ouvido do próprio Policarpo Jr. que Falcão era a fonte que abastecia a revista sobre as atividades do bunker da QI 05. Segundo uma fonte do autor na Istoe, Falcão já havia oferecido anteriormente o mesmo
material à concorrente de Veja.
Durante a guerra contra a Veja, quando Lanzetta e Pimentel perdiam espaço na campanha, Palocci assumiu o comando para acabar com a crise. A notícia de que a revista sairia com “uma bomba” agitava o meio político. Mas não era só o povo do PT que tinha os nervos à flor da pele.
Temendo que o assunto das privatizações, que lhe provocara calafrios desde a época da disputa com Aécio, o ex governador de São Paulo apresentava se irascível como raras vezes em sua carreira.
Fora grosseiro com uma repórter do jornal Zero Hora. Atacava até mesmo jornalistas e jornais que se mostravam simpáticos à sua candidatura. Outro dos alvos da sua incivilidade foi a comentarista
Miriam Leitão, da Globo News.
As denúncias de quebra de sigilo de seus familiares causavam lhe embaraço. E provocavam também desconforto em Verônica Serra. Ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos, após passar uma temporada fora do país, Verônica e Bourgeois tiveram uma crise de nervos ao serem interpelados de surpresa por agentes federais. Eles apenas queriam intima los para prestar depoimento no tal inquérito. Além do mais, ao estampar fotos e nomes das vítimas das violações de sigilo, a mídia forçosamente trazia de novo para o noticiário personagens indigestos para a campanha tucana, entre os quais o ex caixa Ricardo Sérgio de Oliveira. O comitê petista não demorou a notar o constrangimento que o tópico trazia ao ex governador. “Afinal, os jornais não tinham se dado conta que estavam colocando a quadrilha das privatizações em suas páginas”, comentou um dos caciques da campanha.
O contexto ajuda a entender o conteúdo da tão esperada primeira reportagem publicada por Veja cujo título e subtítulo diziam tudo. “Ordem na casa do Lago Sul” e “O comando de campanha teve que intervir para evitar que companheiros afoitos reeditassem o escândalo dos aloprados de 2006”.
Você foi blindado pelo próprio Serra. Agradeça a ele — comentou comigo um personagem da direção da campanha do PSDB. A turma de Serra teria influenciado no fechamento da matéria.
Havia divisões internas. Enquanto o candidato ao Senado Aloysio Nunes defendia que o tema ganhasse as manchetes, Serra pedia que nada relacionado ao meu nome viesse a público. A confusão interna do PSDB resultou numa reportagem que não fazia o menor sentido.
Palocci e Falcão apareciam como heróis, Pimentel e Lanzetta ficavam mal e eu, o principal pivô de tudo, que concedera uma longa entrevista pingue pongue, nem sequer era mencionado.
Mas a tal blindagem só serviu para que o ex delegado Sousa partisse para o jogo pesado.
Você e o Amaury aprontaram comigo. Porque eu fui o único a ser citado na reportagem (de Veja). Vocês nem são citados. Vou lá na revista acabar com todo mundo — disse a Dadá.
Você vai dizer o quê? Ninguém fez nada de errado, nem o contrato foi fechado — procurou argumentar Dadá.
Na madrugada de sábado a entrevista já estava na internet. Entre muitas mentiras, o delegado dizia que o tal núcleo tinha dado a entender que queríamos grampear Serra. “Eles queriam saber de tudo. Não dá para fazer isso sem pensar em grampo”, afirmava.51
O cerco logo se fecharia. A entrevista do ex delegado52 torna a situação de Lanzetta politicamente insustentável. A Lanza rompe o contrato com o PT e seu dono deixa Brasília.
Não queria ficar sitiado em casa pelas tevês — justificou. Lanzetta embarcou no próprio sábado, acompanhado de um amigo, para Buenos Aires. De lá, constatou mais um vazamento.
Com a ausência repentina do dono da empresa, houve um atraso no pagamento dos jornalistas contratados. O comitê da campanha solicitou, então, uma listagem discriminada dos salários de todos. A lista foi enviada para Falcão e Palocci. No mesmo dia, os salários dos jornalistas contratados pela Lanza eram do conhecimento da Folha de S. Paulo. Além da Veja, o fogo amigo trabalhava também para a Folha.
Em nota distribuída à imprensa, a Lanza comunicava que decidira “em caráter unilateral, rescindir o contrato que mantém com a campanha do PT”. Acentuava que a empresa, além de não autorizar “a produção de dossiê contra quem quer que seja”, rejeitou proposta de “investigação clandestina feita por um ex policial”.
Não há dossiê e nem “contrato algum com arapongas”. E acusava de “mentirosas, além de contraditórias entre si”, as informações e declarações de ex policiais publicadas por Veja e pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Após ser entrevistado várias vezes, sempre desmentindo o delegado, encontrei me com Lanzetta em Porto Alegre. Queria mais informações para a conclusão deste livro. Apesar do clima tenso, os dias na capital gaúcha foram marcados por conversas divertidas, animadas pelo vinho gaúcho e os jogos da Copa do Mundo.
51 Veja, matéria da edição de 02/06/2010.
52 Idem, “Era para levantar tudo, inclusive coisas pessoais”, matéria da edição 09/06/2010.
Entramos como amigos e saímos como dois irmãos nesse episódio. Estamos iguais a dois gatos siameses — definiu Lanzetta.
Respondi que a crise, pelo menos, havia servido para reforçar as amizades. Citando como exemplo o convite, recebido em plena crise, de Domingos Fraga, amigo desde os tempos de IstoE, para trabalhar na Rede Record, disse que a solidariedade me emocionava muito. Só lamentava a pressão que alguns amigos sofriam nas redações por se recusarem a fazer matérias contra mim.
Jornalista gosta muito de reclamar de tudo. Eu era um desses que bastava sentar no bar para começar a falar mal do trabalho.
Agora não reclamo mais de nada. Gosto de tudo na profissão, que me deu verdadeiros irmãos — comentei com Lanzetta na tarde fria de Porto Alegre.

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 15

  • Capitulo 15 - Os vazamentos no “bunker”do Lago Sul
- “Quem esta proximo ao Pimentel vai ser varrido.”
- Sou antipetista, anuncia o araponga.
- O bombardeio midiatico contra a campanha.
No início de abril de 2010, cuidava das minhas uvas no interior de Minas, quando recebo uma mensagem do amigo Luiz Lanzetta, então contratado para montar a assessoria de imprensa da campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República.
Desde o começo de março, Lanzetta, através da Lanza Comunicação, havia feito uma parceria com a Pepper Interativa, contratada pela mesma campanha para tocar a parte de internet.
A Pepper, por sua vez, já tinha os contratos com as empresas americanas Blue Stage e Mensage Revolution. Ambas tinham tocado com grande badalação a campanha de Barack Obama à presidência dos EUA. Para isso, a Lanza e a Pepper locaram uma imensa casa no Lago Sul, na QI 05, que logo ganharia em O Globo o apelido de “Bunker da Dilma”.
A casa não era um comitê da campanha. Era uma extensão das duas empresas. Mas ali já estavam trabalhando dezenas de profissionais, como jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas, técnicos, especialistas em internet, cada qual recrutado de uma forma diferente.
Também havia o estúdio de rádio, onde a candidata iria gravar os seus programas que seriam distribuídos na rede.
Lanzetta estava preocupado. Havia frequentes vazamentos de informações.
Instalou se um clima de paranoia que foi se agravando gradativamente e tornando se mais denso conforme 2010 avançava.
Uma visita à casa da QI 05 serviu para aumentar minha inquietação.
Todo mundo desconfiava de todo mundo. A insegurança era geral.
Detectara se, ainda, que pipocavam arremetidas na mídia contra o núcleo que se agrupara, na área da comunicação, em torno do ex prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, um dos coordenadores da campanha, grande amigo da candidata, que eleita, o tornaria ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
No dia 26 de fevereiro, IstoE publica a primeira de uma sequência de quatro matérias contra Pimentel. No auge do mensalão do DEM, a revista resolve exumar o mensalão de 2005 e acusar o ex prefeito de envolvimento no escândalo que, no primeiro mandato de Lula, engolfou a cúpula paulista do PT. Tudo porque, quando prefeito, firmou convênio com a Câmara de Dirigentes Lojistas para instalar câmeras de segurança nas ruas do centro da capital mineira. A vinculação ocorreria devido ao fato de que o então diretor financeiro da CDL fora identificado como doleiro supostamente envolvido na fraude... A matéria não ficava em pé. Pimentel nunca foi da cúpula do partido. Pelo contrário, era e é um outsider no PT. Mas nem a manifestação do MPF afirmando expressamente que Pimentel nada tinha a ver com o processo47 foi obstáculo para a retomada do assunto novas vezes.
47 Na ocasião do contrato com a prefeitura, o diretor financeiro da CDL era Glauco Diniz Duarte, mais tarde denunciado como doleiro. Parte do dinheiro teria sido remetida ao exterior para pagamentos ao marqueteiro Duda Mendonça. Em nota, Pimentel afirmou que nunca foi “inquirido,
arrolado, indiciado, denunciado ou ouvido por qualquer ligação, ainda que indireta, com o esquema do mensalão”. Em 26/02/2010, o procurador Patrick Salgado Martins, do MPF/MG, disse que os fatos narrados por IstoE estavam “fora de contexto” e afirmou textualmente: “Não há nenhumaprova ligando Pimentel ao mensalão. Obviamente, por essa razão, ele não foi denunciado. Se houvesse alguma prova, isso teria acontecido”.
São matérias marteladas em sequência. Logo, mais coisas pesadas.
Surgem notícias em O Globo sobre “o bunker”. Lá, funcionaria uma fábrica de falsidades onde haveria, até, um “editor de mentiras”.
Na mesma época, plantam se notas em toda a mídia contra Marcelo Branco, homem da internet que a própria Dilma convidara para a pre campanha. Todas as burradas são atribuídas a Branco.
A começar pelo affaire Norma Benguel,48 uma confusão com uma fotografia publicada no blog de Dilma que não foi de Branco e sim do marketing. Bastante ruim, o programa de rádio era conduzido por Falcão, mas também caiu na conta de Branco. Tudo porque ele era próximo da candidata. Quem estava na mesma situação era queimado. Um amigo de Dilma sintetizou para Lanzetta a disposição do pessoal de São Paulo: “Quem está próximo ao Pimentel vai ser varrido. Essa é a ordem...”.
Outra preocupação de Lanzetta apontava para um punhado de petistas paulistas, reunidos numa empresa chamada Marka, de Valdemir Garreta, Marcelo Parada e Edson Campos, e apadrinhados pelos deputados Antônio Palocci e Rui Falcão — mais tarde, descobrir se ia que Falcão era sócio do grupo... Ao contrário do que se pensara na ocasião, Garreta e os seus não estavam mais alinhados à ex prefeita Marta Suplicy. As partes estavam rompidas.
Mas, para todos, sem excluir segmentos da campanha, o trio encarnava ainda a influência da então candidata do PT ao Senado por São Paulo. Nenhum deles negava a informação, embora a relação entre Marta, Falcão e Garreta já estivesse sepultada.
Em fevereiro de 2010, quando se tornou público que a assessoria de imprensa da campanha ficaria sob a responsabilidade de Lanzetta e de seus parceiros Mário Marona e Robson Barenho, os três com cerca de 40 anos de experiência jornalística, os recados começaram a chegar mais fortes. Lanzetta teria que abrir espaço para o grupo de São Paulo.
48 Uma foto em que aparece a atriz Norma Benguel durante uma manifestação contra a ditadura militar nos anos 1960 foi publicada no site de Dilma de tal forma, que induziu as pessoas a entenderem que se tratava da candidata. Inflado pela mídia, o equívoco transformou se em uma onda de ataques contra a candidata do PT até que a própria Norma Benguel, entrevistada, demonstrou não dar maior importância ao tema, o que contribuiu para esvaziar o episódio.
Para ele, Lanzetta, estaria reservado um cargo de assessor para fazer contatos com algumas redações. Caso não compusesse desta maneira ou saísse do caminho, os “métodos” de Garreta seriam exercitados. Logo veremos o que é o método Garreta de fazer amigos e influenciar pessoas.
Imersa em suspeitas, com todos desconfiando de todos, a casa continuava vazando. Falava se algo em uma reunião e, no outro dia, a informação estava estampada nas colunas dos jornais. Nesse
ambiente crivado de ciladas, Lanzetta procurava um escudo para sua empresa e para si próprio. Queria a minha ajuda.
Caro, você conhece todos os arapongas desta cidade. Eu não sou da área — sintetizou.
Ele me disse também que estava consultando com Danielle Fonteles, dona da Pepper, algumas firmas de segurança indicadas por conhecidos.
Desconfiava se de grampos e de infiltração de pessoas. A casa era grande e devassada. E frequentada por muita gente. As ações poderiam vir de qualquer lado. Tanto dos adversários, o que seria “legítimo”, quanto de dentro, de gente querendo abrir espaço na marra.
Pintado esse quadro, fui à Brasília procurar o ex sargento da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, o “Dadá”. Levei o ao “bunker” da QI 05. Conversamos sobre a atuação de Marcelo Itagiba, em atividade frenética fazia dois anos, principalmente dedicada ao levantamento de dossiês sobre o PMDB. Garimpava material para Serra pressionar deputados peemedebistas que pudessem influenciar favoravelmente uma aliança com o PSDB em detrimento da provável coligação com o PT.
Dadá descreveu um cenário assustador, mostrando todos os furos na segurança. Aquilo que O Globo chamava de “bunker” só tinha de “bunker” o apelido.
O dono da Lanza levantou a hipótese de ações de setores do próprio PT e falou claramente em Valdemir Garreta. Considerava se ameaçado, por causa dos recados transmitidos por um dos sócios de Garreta. Dadá não poderia fazer o serviço, mas tinha uma indicação a dar: a empresa de um ex delegado da Polícia Federal, com estágio no FBI, especialista em contraespionagem, e
que teria entre os seus clientes duas prefeituras do PT. Seu nome era Onézimo das Graças Sousa.
Especializado em cozinha alemã, o Fritz, na Asa Sul, existe desde os primórdios da capital e já desfrutou dias melhores. Sempre foi também o restaurante preferido para encontros entre arapongas e congêneres. Com a casa bichada, marcou se no restaurante a conversa entre os três — eu, Dadá e Lanzetta — com o ex delegado Sousa. Por ingenuidade, não percebi o risco que Lanzetta corria em uma reunião com alguém desconhecido, até mesmo por mim, e, pelo que se viu depois, disposto a qualquer coisa. Porém, como não queria negociar nada envolvendo dinheiro com quem quer que fosse, entendi que seria necessário que alguém responsável pela casa estivesse presente.
Na última hora, juntou se ao grupo o empresário Benedito de Oliveira Neto, amigo de Lanzetta, e que estava ajudando na parte administrativa e logística da casa da QI 05. “Bené”, como é bastanteconhecido, havia indicado o pessoal para cuidar da administração e infraestrutura. Foi vítima de um convite em cima da hora.
Lanzetta justificou assim: “Precisava de uma testemunha”. A “testemunha” Bené virou alvo fixo de boa parte da mídia...
Sousa e Dadá chegaram juntos. Imediatamente, fomos para uma sala no fundo do restaurante. Não havia ninguém. Feitas as apresentações e trocados os cartões, o ex delegado toma a palavra e pergunta: — E o Pimentel?
Não havia nenhum encontro marcado com Fernando Pimentel.
Depois nos inteiramos do motivo atrás da pergunta. A arapuca estava montada para Pimentel. Ao contrário do ex prefeito, nem eu nem Lanzetta, muito menos Bené, éramos do PT. Não tínhamos
participação formal, em cargos, na campanha. Era um encontro entre duas empresas privadas, a Lanza e a de Sousa, prestadora de serviços de segurança.
Mesmo assim, na ausência do briefing que Dadá teria que ter feito, o ex delegado engata uma retórica esquisita. E afirma, categórico: — Campanha eleitoral é dinheiro. Nós sabemos transportar dinheiro sem deixar rastros. Com segurança.
Este era, segundo o próprio Sousa, o principal produto que tinha a oferecer.
Eu sou apenas um jornalista. Não trato disso — respondeu Lanzetta.
Logo a conversa toma outro rumo: a segurança da casa da QI 05. É quando Sousa e Dadá descrevem seus métodos de trabalho.
Vendem o “perigo” Marcelo Itagiba,49 relatando como agia o deputado delegado.
Vocês estão dois anos atrasados... Eu vim do lado de lá e sei como eles trabalham — referiu Sousa.
No meio da explanação, Lanzetta pergunta ao ex delegado o que faria para prevenir ações que certamente partiriam de setores do PT contra sua empresa. E cita explicitamente Garreta e sua fama de mau. A resposta é reveladora do terreno movediço em que estávamos pisando ali naquela tarde na mesa dos fundos do Fritz: — Não tem problema, eu sou antipetista — retorquiu sem titubear.
49 Também ex diretor de inteligência da Polícia Federal no governo Fernando Henrique Cardoso, Marcelo Itagiba envolveu se na Operação Lunus, da PF, em 2002. Visando atingir a candidatura de Roseana Sarney (PFL) à Presidência da República, a ação resultou na apreensão de R$ 1,3 milhãono escritório da empresa de Roseana e de seu marido, Jorge Murad, em São Luís (MA). Segundo o senador José Sarney (PMDB), o objetivo era tirar Roseana da disputa pelo Planalto pois seu crescimento nas pesquisas ameaçava a candidatura de Serra. Sarney advertiu FHC e informou sobrea existência de dossiês contra os tucanos Paulo Renato de Souza, Tasso Jereissati e Pedro Malan, todos adversários de Serra na cúpula do PSDB.
Em nenhum momento toca se no nome de Rui Falcão. Aliás, naquele momento, ninguém suspeitava dele. Tampouco existe, em qualquer situação, alguma referência ao nome de José Serra. O ex delegado pede R$ 160 mil por mês, valor considerado irreal.
Antes do final da reunião, Lanzetta levanta se. Informa que tinha outro compromisso e vai embora. Nunca mais fala ou se encontra com nenhum dos dois, Sousa ou Dadá.
No início de maio de 2010 retornei à Brasília para retomar as negociações com o pessoal da comunidade de informações. O ponto de encontro agora é a confeitaria Suíça Praline, local preferido de Dadá “por só ter velhinhos, o que não gera suspeitas”. No encontro, só estamos eu, Dadá e Sousa. Expliquei que, diante do risco de fogo amigo, seria muito arriscado coloca los dentro da casa. E apresentei a proposta de Lanzetta: R$ 80 mil em troca de um relatório de contrainformação sobre as atividades do tal grupo liderado por Itagiba.
Argumentei ainda que a Lanza e a Pepper já tinham fechado a contratação da DigiLab, uma empresa do Sul, especializada em segurança de Internet. A empresa trataria também dos blogs que
seriam lançados a seguir. A necessidade era notória, pois quando surgiu o primeiro, o Blog da Dilma, houve vários ataques de hackers desfechados desde o exterior. Naqueles dias já se noticiava a baixaria arquitetada na rede, que seria atribuição do secretário de comunicação do PSDB e homem de Serra para a internet, Eduardo Graeff.
O delegado detestou. Furioso, reclamou:
Gastei duas semanas de trabalho pra não receber nada. E você me vem com uma proposta dessas? — redarguiu.
Depois, no seu depoimento na Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (Ccai), do Congresso, Onézimo Sousa irá negar a segunda reunião na confeitaria Praline. Mas o fato puro
e simples é que ela aconteceu...
Esse trabalho de levantar a turma de Itagiba é mais complicado do que investigar. Por isso o mínimo que posso cobrar pelo novo serviço é R$ 160 mil por mês — propôs em seguida.
E o Serra, vocês não vão querer investiga lo? — emendou.
Não é esse o trabalho. Além do mais, eu investigo o Serra e as privatizações há 10 anos e devo ter, no mínimo, dois tiros fatais contra ele — repliquei.
Artificiosamente, ao depor na comissão do Congresso, Sousa dirá que eu teria afirmado isso no primeiro encontro. Um subterfúgio, já que o comentário ocorreu no segundo cuja existência ele
não admite...
Pressenti que a oferta, envolvendo Serra, era uma emboscada.
Despedi me de Dadá e de Sousa, dizendo que iria levar a contraproposta a Lanzetta, o que nunca fiz.
Intuitivamente, achei que era hora de interromper qualquer contato com o ex delegado. Senti que ele estava jogando no time adversário, o que o tempo não demoraria a evidenciar...
Apreensivo com o comportamento de Sousa, tentei localizar o dono da Lanza. Não o encontrei na QI 05. Pessoas próximas a Lanzetta, que sabiam por que eu havia sido acionado, me imploravam para descobrir quem era o traidor ou traidores. Fui informado de acontecimentos que só aumentavam minha inquietação. Soube, por exemplo, que Palocci e Falcão haviam trazido dois “voluntários” de São Paulo que estavam trabalhando de graça na Pepper, agência levada para a campanha por indicação do marqueteiro João Santana, homem de confiança de Palocci. Mais: a dupla e mais a própria dona da Pepper estariam investigando os meus passos desde o dia em que pus pela primeira vez os pés dentro da casa. Queriam, a todo custo, saber o que eu fazia ali. Por telefone, fui tirar satisfação com Lanzetta, mas ele saiu em defesa da Pepper, o que continua fazendo até hoje.
Percebi que era hora de romper, por segurança, o vínculo até mesmo com Lanzetta, e abortar qualquer hipótese de assinatura de contrato. Passei no hotel para retirar minha passagem, e no trajeto para o aeroporto, comecei a ver fantasmas em todos os lados. No caminho para o setor de check in, dei meia volta, desci a escada e retirei a bateria do celular. Naquele momento cheguei a imaginar que meus passos estavam sendo monitorados por satélite. Peguei outro táxi em direção à rodoviária e de lá para minha fazenda no interior de Minas. Em pânico, deixei Brasília, onde, nas proximidades, já havia sido baleado. Senti que algo de ruim estava prestes a acontecer. Era só esperar.

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 14

  • Capitulo 14 - Quando o autor vira personagem
- Sob o cerco da mídia tucana.
- A conversa estranha do despachante.
- “A casa caiu”, avisa o delegado.
- Mas Serra manda dizer que “não tem nada contra você”...

Boa parte da documentação que embasa este livro foi obtida na Junta Comercial de São Paulo, com a ajuda do despachante Dirceu Garcia que, logo adiante, seria escolhido cuidadosamente para me transformar no elo hipotético com a quebra de sigilo. Comecei a desconfiar que ele poderia ter sido envolvido em algum tipo de armação no dia 4 de agosto de 2010, quando mantivemos o último encontro, por sinal, a seu pedido. Lembro bem da data porque fui a São Paulo assinar um contrato de trabalho.
Pareceu tudo esquisito porque o despachante, além de não explicar o motivo da reunião, começou a falar coisas esquisitas.
Eu não traio as pessoas porque fui criado na Febem, não porque eu fosse um menor infrator, e sim porque meu pai batia na minha mãe”, disse.
Antes, Garcia também havia agido de modo peculiar. No dia 8 de outubro de 2009, exigiu minha presença em São Paulo, porque queria me entregar um lote de documentos. Desconfiei, porque ultimamente ele simplesmente enviava a papelada por sedex para Belo Horizonte. Sempre depois de eu fazer um depósito na sua conta bancária, que nunca ultrapassou a cifra de R$ 1.500,00. Como não havia nada de ilegal nessas operações, houve casos em que eu fiz uma transferência direta da minha conta do Bradesco para a conta dele no mesmo banco. A documentação que comprova isso será entregue à Justiça no momento oportuno. No último encontro, Garcia tocou ainda no assunto da quebra de sigilo, que acompanhava pela mídia, o que me despertou ainda maior suspeita.
Por que você está falando isso? Você não está metido com isso? — perguntei.
Claro que não. Não conheço ninguém citado na reportagem — respondeu.
Até hoje não entendi como o despachante entrou nessa história.
Mas, em vez de raiva, tive pena ao ver seu rosto tomado de pavor me acusando com frases desconexas em entrevista ao “Jornal Nacional”, da TV Globo. Atribuiu a mim a encomenda dos dados da quebra de sigilo. “Não dá para ter raiva mesmo porque o rosto dele é de medo”, disse uma amiga que assistiu ao noticiário comigo.
Quem encomendou os dados? — perguntou o repórter César Tralli?
Foi Amaury Ribeiro Martins Junior — disse.
Quanto ele pagou pelo serviço?
Setecentos reais por imposto — respondeu.
Fazendo as contas, deu em torno de R$ 8.000,00 — perguntou o repórter.
Levando por esse lado, digamos que sim.
À PF, Garcia declarou que eu paguei em torno de R$ 12 mil pela encomenda que teria sido entregue em espécie em um bar de São Paulo no dia 5 de outubro de 2009. O referido encontro no bar
ocorreu no final de dezembro de 2007. O outro, no dia 8 de outubro, aconteceu diante de um hotel na Avenida Paulista.
Narrou ainda uma história mirabolante na qual, após a revelação de que os sigilos haviam sido violados, eu teria depositado R$ 5 mil na sua conta corrente em setembro de 2011. Documentos entregues à Polícia Federal comprovam que nessa época eu estava na Amazônia, na companhia do colega Lumi Zúnica, trabalhando em reportagem sobre norte americanos que exploravam a prostituição infantil em terras indígenas, republicada nas páginas do New York Times em 2011. A PF descobriu que o dinheiro que caiu na conta de Garcia foi depositado em espécie na mesma agência onde a Lanza Comunicação possuía conta. Fica bem evidente a tentativa de envolver a empresa
do jornalista Luiz Lanzetta na história. Em meio a todo o tiroteio que estava sofrendo, Lanzetta teria de ser muito estúpido para fazer um depósito com tal finalidade e com tal beneficiário justamente na
agência onde sua empresa também possui conta bancária...
Você entendeu isso como um cala boca? — perguntou o repórter.
Não. Apenas como uma ajuda.
No segundo depoimento aos federais, o despachante argumentou que aceitara o dinheiro para fugir da situação. Basta uma leitura dos autos do processo para concluir que as declarações prestadas
por Dirceu Garcia são incoerentes. Até mesmo os depoimentos que prestou nos dias 6 e dia 7 de outubro de 2010 são contraditórios.
No primeiro, afirmou que teria me conhecido no final de 2009 em frente à Junta Comercial de São Paulo, no bairro paulistano da Barra Funda, quando, após realizar buscas de breve relatos das empresas de Bourgeois e Verônica, eu teria solicitado os impostos das mesmas pessoas e firmas. No dia seguinte, relatou que me conheceu um ano antes. Vale lembrar que até hoje — agosto de 2011 — nem a PF nem a Receita Federal detectaram quebra de sigilo de qualquer empresa ligada ao tucanato.
Com certeza, o despachante foi convidado a prestar novo depoimento à PF, porque o primeiro conflita com as apurações policiais e fiscais. Ao invés de me incriminar, acaba me inocentando. Diz que eu lhe pedi os impostos no dia 30 de setembro de 2010 e que, no mesmo dia, seu contato na Receita Federal Ademir Cabral teria lhe passado duas das encomendas. De acordo com as averiguações, o pedido de cópia do IR de Verônica Serra foi protocolado no dia 29 de setembro de 2010, por meio de procuração, na agência de Mauá (SP), ou seja, um dia antes de eu ter feito a encomenda.
Detalhe: segundo o próprio Garcia (em seu segundo depoimento) a encomenda demorava de três a quatro dias para ser liberada. Outra pérola: sustentou que, ao contrário dos documentos das empresas na Junta Comercial, eu não só lhe encomendei como negociei as cópias das declarações de IR pela primeira vez por telefone. Mas ninguém faz um pedido desses para uma pessoa que mal acabara de conhecer por telefone.
Como eu poderia adivinhar que ele desfrutava de um esquema para obter acessos irregulares na Receita Federal?
É de se supor que, ao reler o depoimento, os federais perceberam as contradições. E logo foi marcada uma segunda oitiva. O despachante abre o segundo depoimento corrigindo o que havia dito no primeiro. Relatou que, “na verdade”, somente me conheceu em meados de 2008. Disse ainda que, opostamente ao que havia declarado, eu lhe fizera o pedido pessoalmente e não por telefone. E não no dia 29 e sim entre os dias 24 e 27 de setembro.
Ao tentar consertar o primeiro depoimento, Dirceu acaba trazendo elementos que contradizem o inquérito. As investigações não detectaram a violação de nenhum tucano ou pessoas ligadas a Serra no período mencionado. Na verdade, eu o conheci em dezembro de 2007, quando ele passou a me ajudar a levantar documentos em cartórios e na Junta Comercial. Se tivesse interesse em solicitar os dados do IR, já teria feito isso nessa época, hipótese descartada pelas investigações.
No segundo depoimento aparece um detalhe deixando claro que Garcia agia sob orientação tucana. De todas as empresas do casal Verônica Serra e Alexandre Bourgeois, assegura que só não conseguiu encontrar nada da Socimer International Limited. Ou seja, não conseguiu encontrar justamente o documento da offshore instalada nas Ilhas Virgens Britânicas e que comprova que a sociedade entre Verônica Serra e Verônica Dantas havia se transferido para um paraíso fiscal no Caribe. Ao admitir isso, Garcia estaria afirmando oficialmente que encontrara documentos que comprovavam os movimentos financeiros de membros do clã Serra em um paraíso fiscal.
Mas para haver contrainformação o assunto teria de sair na imprensa, a fim de que toda a rede fictícia caísse num efeito dominó.
Trazendo no currículo várias reportagens contra o PT e sua candidata, o repórter da Folha de S. Paulo Leonardo de Souza também foi escolhido a dedo. Além de não fazer questão de esconder sua ojeriza a Dilma e de atuar em um veículo alinhado à campanha tucana, o repórter possuía fontes oposicionistas na Receita Federal, que sempre o ajudavam a detonar a candidata petista. O repórter é o autor, por exemplo, da entrevista publicada em agosto de 2009, em que a ex secretária da Receita Federal, Lina Vieira, acusava a então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de ter apressado o fim das investigações contra Fernando Sarney, filho do senador José Sarney. Na entrevista, a ex secretária diz acreditar que, desta forma, a então ministra pretenderia abafar as investigações.
Em junho de 2010, o jornalista publica que o célebre “núcleo de inteligência” da pre candidatura Dilma — que até Veja admite que não chegou a funcionar — tivera acesso às cópias das declarações do IR de Eduardo Jorge. Haveria ainda comprovantes bancários dos três depósitos de R$ 3,9 milhões na conta de EJ. Mas o repórter não conseguiu comprovar que os documentos tivessem circulado no “núcleo”. A denúncia da violação de sigilo bancário é um assunto ainda mais nebuloso. A imprensa tentou, sem sucesso, atribuir a quebra a petistas ligados ao Banco do Brasil, o que foi desmentido com veemência com provas pelo banco estatal e pela PF. Segundo o BB, todos os acessos foram realizados com base legal e atendendo determinação judicial.
Passei um bom tempo acreditando que fosse o próprio EJ o autor do vazamento de seus dados para a Folha de S. Paulo. Seria uma maneira de se defender das acusações apontadas no relatório do Coaf. Afinal, o dirigente já havia feito isso anteriormente ao mostrar seu IR ao Correio Braziliense. Recentemente, porém, tive a confirmação de que os dados foram repassados ao jornal paulistano
por um funcionário federal que investigou oficialmente o dirigente tucano. O servidor também teria intermediado a entrevista com a ex secretária da Receita Federal, Lina Vieira. Ao receber as informações, pensei que a fonte tivesse traído o repórter ao dizer que as cópias dos impostos, obtidas oficialmente, haviam sido alcançadas clandestinamente pelo “núcleo” propalado por Veja. Os amigos da fonte garantem que aconteceu o inverso. O funcionário teria sido provocado pelo jornalista da Folha. Este teria lhe pedido as cópias para fazer reportagem em que mostraria que EJ caíra em desgraça no PSDB e estava afastado do comando da campanha, devido à investigação sobre sua movimentação bancária.
Se o fato for real, não será a primeira vez que Souza faz a inversão de lead (abertura da matéria) ao obter documentos de suas fontes.
Por exemplo, ao receber documentos comprovando que a farra dos cartões corporativos também havia ocorrido no governo do FHC, em vez de denunciar os desmandos dos tucanos, o repórter arrumou uma forma de coloca los como vítimas. Sua matéria acusava a Casa Civil, comandada por Dilma, de ter recorrido ao aparato governamental para vazar dados sigilosos dos cartões de FHC e seus pupilos. Como se vê, o formato é o mesmo. Os bastidores do vazamento dos impostos para a Folha é assunto que cabe ao repórter e ao jornal explicarem.
Comecei a sentir numa quarta feira, ao receber uma visita inesperada no meu trabalho, em São Paulo, as atribulações que o affaire “quebra de sigilo” detonaria na minha vida. O visitante havia se identificado apenas como “Hugo”. Ao recebe lo na portaria, fiquei surpreso ao perceber que o visitante era o delegado carioca da PF, Hugo Uruguai, responsável pelas investigações sobre a questão dos sigilos violados.
A que devo a honra da visita?
Você fez um monte de denúncias contra os tucanos. E agora vou ter que apurar. Quero que você explique essas operações complicadas.
Não demorei a perceber que o delegado queria tomar um novo depoimento.
Meu terceiro depoimento não ocorreu na sede paulistana da PF, mas em um hotel das proximidades. Fomos encaminhados para lá pelo agente Luciano César Bernardo, que já nos aguardava na portaria da empresa. Iniciado à tarde, o depoimento se prolongou até a madrugada. Além de Uruguai e Bernardo, participaram da conversa mais dois federais, um deles o delegado Alessandro Moretti.
Depois de quase cinco horas de interrogatório, Moretti falou: — Não está funcionando — disse a Uruguai. — Vamos abrir o jogo e explicar que queremos que (o depoente) colabore. Temos uma testemunha contra ele.
Em primeiro lugar, se tem alguma testemunha contra mim, ela tem de provar o que está falando. E, no mais, se isso estiver realmente acontecendo, vocês não precisavam ter montado este teatro. Deveriam ter me intimado para eu comparecer acompanhado do advogado.
Não tem nada disso. Mas se você quiser, marcamos o depoimento para outra data — respondeu Uruguai.
Não, vamos continuar. Estou falando a verdade. E não tenho nada a temer — rebati.
Percebi que, na verdade, o meu depoimento serviria também para que a PF conseguisse entender a principal incógnita do inquérito: qual a finalidade que as tais cópias poderiam trazer às investigações.
Isto ficou claro quando comentei sobre a Lei do Colarinho Branco, que tipifica como crime os depósitos no exterior feitos sem a autorização do Banco Central e da Receita Federal.
Ele sabe que ter conta em paraíso fiscal sem avisar a Receita é crime — comentou Bernardo. No entendimento do agente, eu poderia ter encomendado os dados dos IRs na tentativa de provar que
os familiares de Serra praticaram crime ao não informarem a existência de empresas e de contas bancárias em paraísos fiscais. Achei ingênua a observação. Contas e offshores em paraísos são informações que não costumam aparecer nas declarações de imposto de renda. No final do depoimento, Uruguai me chamou ao lado para fazer a revelação.
A casa caiu. Chegamos ao Dirceu (Garcia) — disse.
O único Dirceu que conheço é um despachante que levanta documentos para mim na Junta Comercial. E nada mais.
Acrescenta então isso ao depoimento — disse o delegado.
Eu viria a me reencontrar com os federais na segunda feira seguinte, 25 de outubro, na sede da Polícia Federal, em Brasília, na antessala do segundo turno das eleições. Eu era a última esperança com que a imprensa serrista contava para virar o jogo nas eleições.
Por isso eu e meus advogados, comandados por Adriano Bertas, tínhamos a certeza de que eu sairia de lá indiciado. Seria uma forma de a PF aplacar a fúria da mídia. Tive vontade de rir ao constatar
que a advogada de Eduardo Jorge também estava lá de plantão, a fim de vazar meu depoimento para a imprensa.
Nos dias anteriores ouvira relatos de jornalistas e mesmo de tucanos de que o “Sombra” havia transformado a cobertura midiática da quebra do sigilo numa grande ópera bufa, em que ele era o mais divertido dos personagens. Com ironia, colegas de imprensa diziam que, de posse de informações privilegiadas do inquérito, o prócer do PSDB travestira se de pauteiro e editor de veículos dos quais arrancara indenizações milionárias em ações de danos morais. EJ teria iniciado um verdadeiro leilão em troca das informações privilegiadas. Não pedia dinheiro ou algum benefício pessoal. Apenas exigia determinado espaço, chegando a definir qual seria a linha editorial da matéria. Se determinado jornal não concordasse com suas exigências, simplesmente transferia o “furo” ao concorrente. Pareceu algo simplesmente genial. EJ conseguira a façanha tão desejada pelos blogs: levar a mídia ao papel ridículo que se propôs a assumir no pleito. Além de arrancar fábulas de dinheiro dos jornais e revistas que no passado haviam publicado reportagens que considerou caluniosas, EJ tinha o prazer de aumentar seu poder de vingança, ao assumir o controle editorial, mesmo que momentâneo, das páginas de política.
E, de sobra, irritava Serra que o havia deixado de lado durante a campanha eleitoral. Afinal, Serra acionara seus arapongas com o objetivo inverso, o de impedir que as denúncias viessem a público.
Acabou perdendo o controle da situação devido aos conflitos internos do PSDB e ao fogo amigo petista, que colocaram o tema em pauta. O sinal de que o candidato tucano não queria confusão com o assunto foi sinalizado pelo próprio Serra ao autor. Na reta final da campanha, quando meu nome frequentava as manchetes, Márcio Aith, assessor de imprensa do tucano, tentou marcar um encontro comigo. Escaldado com a arapongagem serrista, rejeitei a ideia. “Não é nada disso. O Serra só quer dizer que não tem nada contra você”, mandou Aith dizer.
Ao chegar à Polícia Federal, fui surpreendido com uma proposta feita por Uruguai.
Esse inquérito está pesado. Tem coisa grossa contra você. Por isso recebi um e mail do MPF propondo a você um acordo de delação premiada.
Em suma, o delegado esperava que eu confirmasse a conclusão a que havia chegado. Queria uma confissão de que eu e também Lanzetta havíamos sido contratados pelo jornal Estado de Minas, ligado ao ex governador e hoje senador Aécio Neves, para encomendar os  dados fiscais. Justificava sua tese pelo fato de que minhas passagens aéreas haviam sido solicitadas por Marcelo Oliveira, responsável pela marcação de viagens dos funcionários do Estado de Minas. Desconhecia que, além de trabalhar para o jornal, Oliveira operava a compra de passagens para várias pessoas. Então, mesmo após deixar o jornal, ele continuou prestando o serviço. E as passagens foram custeadas pelo meu próprio bolso. Em resumo, não foi o PT nem o jornal que pagou minhas passagens. No dia 8 de outubro de 2008, estava em São Paulo por conta própria em busca de informações para concluir este livro. Tenho como provar isso. E realizei o pagamento por meio de transferência dos valores da minha conta para a de Oliveira.
Mas o delegado insistia em sua tese.
Descobri sua metodologia. Você primeiro pedia os breves relatos e depois os IRs. É assim, uma coisa busca a outra. Só não entendi por que não apareceu o imposto de renda de nenhuma empresa. Mas ainda vai aparecer. Também não consegui entender o que Eduardo Jorge tinha a ver com as privatizações.
A proposta dele era simples: caso resolvesse colaborar, eu seria indiciado apenas com base no crime de violação fiscal que, segundo o Código Penal, deve ser atribuído exclusivamente a funcionários.
Caso contrário, ele me enquadraria em outros três crimes apontados pelos meus advogados como ainda mais absurdos: uso de documento falso, corrupção passiva e oferecimento de vantagem a testemunha. A testemunha seria Garcia, que à época em que disse ter recebido os R$ 5 mil, era totalmente desconhecido da PF, do MPF e da Justiça, portanto estava longe ser testemunha em qualquer processo.
Em meio à discussão, eu e meus advogados conseguimos pelo menos ter acesso pela primeira vez aos autos do processo.
Ao folhearmos as primeiras páginas, ficamos abismados com as contradições.
Delegado, o Dirceu (Garcia) que, ao contrário do meu cliente, tinha algum elo com as agências da Receita, foi enquadrado em um só crime, violação de sigilo fiscal, e você quer enquadrar o Amaury, que, segundo os autos, não conhecia nenhuma dessas pessoas, em outros três crimes...
É. Mas o Dirceu colaborou com as investigações (o acordo de delação premiada não consta dos autos do processo). Na hora certa a gente o enquadra nos outros crimes.
A primeira coisa que observei no processo é que não possuía um alvo específico. Aberto para investigar a reunião do Fritz e o suposto “núcleo de inteligência”, o inquérito ganhara outro foco: a violação de sigilo nas agências de Mauá. Além dos depoimentos confusos do despachante, minha atenção se voltara para outro detalhe: ao contrário do que a imprensa noticiara, a violação de dados fiscais estava longe de ser uma prática corriqueira no governo ou um milionário comércio de dados. Ficava evidente que, com frequência, o móvel do delito era a pobreza. Por exemplo, um dos pivôs da crise, a servidora do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) cedida à Receita Federal, Adeída Ferreira Leão, começou a violar os sigilos inicialmente em troca de doces e chocolates. Quem fez este relato à PF foram os próprios companheiros que conseguiram recruta la.
Como já passava das três horas e o delegado insistia na tal delação, fizemos um acordo. Eu seria indiciado nos tais crimes e estudaríamos a hipótese de voltarmos no dia seguinte, quando poderia ser  sacramentado um novo acordo. Mas, logo após sairmos, pedi aos advogados que, além de distribuir uma nota à imprensa, anunciassem o indiciamento nos crimes citados. Na nota, redigida no dia anterior, eu negava com veemência ter encomendado os dados sigilosos. Acompanhada de documentos, adiantava ainda algumas denúncias sobre as privatizações contidas neste livro.
Como o meu depoimento não causou o resultado esperado, a mídia preparou mais um golpe baixo contra mim com o objetivo de atingir a candidatura Dilma. Apesar de ter tido acesso às cópias de
todos os meus depoimentos, os principais veículos passaram a publicar a versão mentirosa de que eu havia confessado ter pedido a transgressão dos sigilos. Basta uma consulta na internet para perceber que a farsa virou verdade nos principais jornais. Tornou se ponto de sustentação principalmente para as investidas contra mim dos colunistas mais à direita. Além dos blogs, um único jornalista, o colunista do site Congresso em Foco, Rodolfo Lago, publicou a notícia verdadeira.
Os depoimentos à PF corrigem algumas informações publicadas pela imprensa nos últimos dias. Não é verdade que Amaury tenha confessado em seu depoimento ter pago para obter a violação de
Verônica Serra e de Eduardo Jorge Caldas Pereira”, escreveu.
Não é difícil descobrir qual a procedência da notícia falsa. No dia 20 de outubro de 2010, após revelar o depoimento de Dirceu Garcia, Leonardo de Souza redigiu matéria na Folha de S. Paulo em que afirmava que eu havia encomendado ao despachante dados fiscais de dirigentes do PSDB. A informação de que esses dados eram documentos da Junta Comercial de São Paulo e não da Receita Federal só aparece no terceiro parágrafo da reportagem. Mas quem lê o título tem a impressão equivocada. A manobra acabou induzindo os editores da primeira página a manchetear que eu admitira ter pedido acesso ilegal às informações. Não sei se foram induzidos ao erro pelo repórter ou gostaram de ser enganados para agradar os donos do jornal.
Mas nada do que foi mencionado neste capítulo talvez tivesse causado algum impacto não fosse o fogo amigo da campanha petista, como, retroagindo no tempo, veremos nas próximas linhas.

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