- Capitulo 16 – Como o PT sabotou o PT
- O organograma que virou golpe.
- Rui Falcao pauta a Veja contra a campanha de Dilma.
- Apadrinhados por Palocci, os paulistas abrem caminho.
É uma esplêndida visão do Lago Sul e da Ponte JK, um dos novos cartoes postais de Brasília, aquela que se tem desde o modernoso restaurante Gazebo. Foi o local escolhido por Palocci.
Em uma sala reservada, Palocci apresentou Valdemir Garreta e Marcelo Parada ao então seu colega de coordenação na campanha de Dilma, Fernando Pimentel.
Foi no dia 20 de fevereiro de 2010, durante o Congresso Nacional do PT, quando a candidatura Dilma foi oficializada pelo partido.
Pimentel levou Lanzetta a tiracolo. Também estava no almoço João Santana, o marqueteiro de Dilma. Durante o almoço, Palocci disse que Garreta e Parada estavam prontos para apresentar um projeto à campanha. Para o mesmo serviço que já estava sendo desenvolvido por Lanzetta... No almoço, Garreta praticamente exigia que Lanzetta apresentasse o seu projeto. Como a situação tornou se constrangedora, mesmo com a condução habilidosa de Palocci, foi marcada uma reunião posterior, somente entre Garreta, Parada e Lanzetta.
À saída, Lanzetta demonstrou sua preocupação a Pimentel.
Principalmente porque Parada e Garreta não eram do ramo. Lanzetta havia sido sócio de duas grandes empresas do setor, CDN e InPress, e estava havia muitos anos na área, sendo um dos principais criadores da Abracom, a associação das empresas da área de relações públicas e assessoria de imprensa. Os outros dois eram neófitos na atividade, e Garreta, afamado por sua atuação em negócios suspeitos da Prefeitura de São Paulo. Em outro ambiente do mesmo restaurante, aparentemente esperando o resultado da reunião, estava Rui Falcão, recem eleito vice presidente nacional do PT. Dias antes dessa reunião, Lanzetta já havia sido procurado por um dos sócios de Garreta e Parada com os seguintes recados:
Fernando Pimentel é o inimigo a ser destruído.
Antônio Palocci é o sustentador do grupo.
Rui Falcão, ex todo poderoso da gestão Marta Suplicy na prefeitura paulistana, fazia parte do esquema.
O currículo de Garreta faz jus a algumas linhas a mais. Desde 2008, ele era alvo de investigação do Ministério Público paulista sobre a chamada “Máfia da Merenda”. Ex secretário municipal de
Abastecimento em São Paulo, tornou se suspeito de participação na fraude da terceirização da merenda escolar durante a administração Marta Suplicy. Garreta, porém, sempre negou qualquer envolvimento no escândalo.
O pagamento de propina teria iniciado em 2001, intensificando se na gestão Gilberto Kassab (DEM). No dia 1o de julho de 2010, os promotores apreenderam documentos em oito empresas50 suspeitas de envolvimento na falcatrua. Testemunha ouvida pelo MP/SP afirma que, em São Paulo, as seis empresas acusadas de formação de cartel para combinar os preços dos pregões pagaram R$ 1 milhão a Garreta.
Informações de vários jornalistas dão conta de que o ex secretário cultiva o hábito desagradável de ameaçar a vida de seus adversários.
50 As empresas investigadas são a Gourmaitre, Ceazza e Verdurama, todas do Grupo SP Alimentação; Geraldo J. Coan, Nutriplus, Eb Sistal, Convida Denadai e Terra Azul. A prefeitura paulistana é uma das 30 cidades de São Paulo e Minas Gerais sob investigação.
Ou seja, ou compõe ou compõe...
Logo depois da convenção, num encontro no café Daniel Briand, na Quadra 104, da Asa Norte, Lanzetta disse à dupla Garreta & Parada que havia recebido uma encomenda de trabalho bem clara: criar a assessoria de imprensa da campanha, com vários serviços concernentes à atividade. Enquanto não houvesse determinação de quem fizera o pedido para mudar os rumos do trabalho, ele não poderia compor com ninguém.
Contrariados, os dois foram embora. Não irá demorar para Lanzetta receber o seguinte recado: Garreta vai encaminhar seu projeto do jeito dele...
— Fique tranquilo. É um amigo de 40 anos — amenizou Pimentel.
Dirigia se a um bastante preocupado Lanzetta diante das primeiras atitudes de Falcão, este já na condição de coordenador da comunicação da campanha.
— Não seriam 40 centímetros no nosso rabo — retrucou Lanzetta, tentando tirar algum humor do episódio. A história imediata mostraria que tinha razão.
Fernando Pimentel e Rui Falcão participaram da luta armada.
Foram presos, coincidentemente em Porto Alegre. Cumpriram pena na Ilha do Presídio, no meio do rio Guaíba, onde também ficou Carlos Araújo, ex marido de Dilma e também companheiro de organização.
Diante do pedido, foi dado a Falcão o tratamento que se dá aos amigos. Foi convidado a ocupar uma sala da casa da QI 05. Ali, o velho e fraterno companheiro de Pimentel conduzia quase que uma assessoria paralela, incentivando a compra de serviços já existentes. Lanzetta e a equipe estavam conformados, tentando ver como sobreviver naquela luta. Era um tremendo desgaste, mas também algo relativamente normal em campanha. Interpretavam se todos os movimentos de Falcão como um esforço para contribuir com a candidatura. Falcão frequentou o ambiente até o começo de maio. No feriado de 1o de maio, ele mostrou suas garras. E o conceito de “amigo” começou a se esfacelar.
Quando Lanzetta recebeu um telefonema às 08h30, na sua casa em Brasília, sentiu que havia alguma coisa esquisita no ar.
Do outro lado da linha, Falcão. Cedo, liga de São Paulo para registrar sua mais profunda e irrestrita solidariedade a Lanzetta.
Referia se a uma diatribe do colunista Diogo Mainardi na edição da revista Veja que recem aportara nas bancas. Sob o título “O Lanzetta da Laranza” e num rasgo que evidenciava os dotes premonitórios do autor, proclamava que a campanha de Dilma Rousseff “está ruindo”. Disparava uma rajada de desaforos contra o PT e os petistas, temperava a maçaroca com o médico Roger Abdelmassih e o músico Wagner Tiso, mas centrava fogo em Lanzetta. De quebra, agredia Pimentel.
Lanzetta espantou se com a solidariedade matinal de Falcão.
Sobretudo, estranha e inesperada por partir de alguém que ultimamente mal o cumprimentava. Mas a manhã solidária prometia mais emoções. Cinco minutos depois, Marcelo Parada liga também solidário. “Estamos indignados, coisa e tal.” Mas era algo tão recente, a edição recem saíra... “Não precisam assinar embaixo”, pensou.
As muitas pessoas que, sinceramente, prestaram solidariedade ao dono da Lanza ligariam à tarde ou no dia seguinte... Um amigo de Lanzetta resolveu fazer graça: “Vai ver eles leram a Veja juntos na cama, entre risinhos e torradas...”.
Bisonho no departamento de vaticínios eleitorais, Mainardi, porém, foi esclarecedor no mesmo parágrafo. Relata que Pimentel, “quando era terrorista”, tentara “sequestrar um diplomata norte americano cinco vezes e fracassou em todas elas”, acrescentando que o então coordenador de campanha de Dilma era “conhecido por suas patetices”. Era praticamente o mesmo comentário que Lanzetta ouvira de Falcão sobre a atuação de Pimentel em Porto Alegre. Na conversa, Falcão autoglorificara sua própria atuação na guerrilha enquanto seu companheiro de Minas seria um tanto trapalhão. Mainardi revelou, ao fustigar Pimentel, mais do que gostaria sua fonte.
Contou também, para tipificar o comitê como uma barafunda, que a assessora de imprensa de Dilma, Helena Chagas, temporariamente não estava trabalhando. E detalhou que o afastamento era consequência de a jornalista ter contraído dengue, algo que era do conhecimento apenas de poucas pessoas envolvidas com a campanha.
Mas a investida de Veja, despropositada, hostil e surgida aparentemente do nada, prenunciava novos problemas. Na mesma semana, durante um almoço com toda a equipe, o dono da Lanza observou que aquilo não estava solto. Que não era uma loucura de Mainardi e que a Veja estava “preparando um personagem”. Primeiro ia ser um laranja, depois inventariam outra coisa...
A coluna de Mainardi foi, de fato, a senha do que viria a seguir contra Pimentel, Lanzetta e sua turma. Uma das raras atividades de Falcão como coordenador de comunicação da campanha, além de vazar informações, foi forçar a entrada de seus sócios em cima da empresa já contratada. Na primeira reunião da coordenação, fez aprovar a contratação de Marcelo Parada e do jornalista Nirlando Beirão, este sem saber o que estava acontecendo com o seu nome. Na segunda reunião, já com Marcelo Parada a seu lado, apresentou um organograma onde só apareciam os nomes dele mesmo mais Marcelo Parada e Nirlando Beirão. Os demais jornalistas, já trabalhando e exercendo cargos de comando, como Helena Chagas — indicada por Dilma como coordenadora da imprensa da campanha e hoje ministra da Comunicação — nem sequer apareciam na hierarquia de Falcão.
— Isto não é um organograma. É um golpe — disse Lanzetta a Falcão.
A contratação de Beirão era um factoide. O jornalista foi convidado por Palocci, mas, sabe se, nunca cogitou trabalhar na campanha.
E realmente não atuou. O que interessava era fichar a empresa de Parada e Garreta para aninha la na estrutura. A partir daí, Falcão e Palocci começaram a levar para a campanha uma duplicidade de serviços já contratados. Criou se, em São Paulo, uma espécie de empresa espelho. Era só esperar a queda da principal.
Dada a senha por Mainardi, tanto Pimentel quanto Lanzetta passam a receber telefonemas do jornalista Alexandre Oltramari, da mesma Veja. Oltramari dizia que na QI 05 havia uma verdadeira fábrica de dossiês contra os adversários, especialmente contra Serra, e que o ex delegado Onézimo Sousa e o jornalista Amaury Ribeiro estavam engajados na arapongagem. E exigia entrevistas.
Foi um tumulto. Lanzetta alertou a direção da campanha na QL 24, do Lago Sul, sobre a matéria da Veja. O coordenador de comunicação ficou alheio ao problema. Não havia contratado ninguém e todos sabiam qual era o seu verdadeiro trabalho.
Mas a matéria acabou não saindo. O interlocutor com a revista foi Palocci, que se mostrou um esperto negociador. No início da semana seguinte, mesmo sem a matéria, que não fora publicada
por falta de consistência, Palocci e Falcão, ágeis, propuseram o desmantelamento da casa da QI 05. Lanzetta, que havia virado alvo, teria que sair o mais rapidamente da campanha. Decisões
tomadas, aos trancos e barrancos, em cima de uma matéria que não fora publicada.
Sob pressão, Lanzetta liga pela segunda vez para a minha fazenda.
Ouvi cobras e lagartos. Ele me acusava de te lo apresentado a dois maus caráteres que eram fontes da Veja. Corri, novamente, para Brasília.
— Essa sua fonte do Cisa (Dadá) era um infiltrado, deu uma entrevista mentirosa para a Veja dizendo que havia sido contratado para fazer espionagem — esbravejou Lanzetta. Conhecendo Dadá de outras datas, achei difícil que isso tivesse acontecido.
Mesmo assim, fui lhe pedir explicações.
— Você acha que eu vou dar um golpe sujo desses? — reagiu, indignado.
Dadá relatou que seu colega da comunidade de informações Jairo Martins — fonte notória de Veja na área — havia sido procurado pelo mesmo repórter. Oltramari mostrara lhe fotos minhas na casa da QI 05 e de um “pessoal mal encarado” que circulava em um carro “de placas frias”.
Vale lembrar que Martins é o mesmo agente que entregou à revista o vídeo em que o ex chefe do departamento de compras da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) Maurício Marinho embolsa uma propina de R$ 3 mil. Na verdade, o “pessoal mal encarado” eram funcionários contratados para prestar serviços na casa. O carro, que não tinha nada de placas frias, era de um deles. Martins argumentou com Oltramari que a história não procedia. Caso contrário, por ser do mesmo grupo de Dadá, também estaria engajado no trabalho. Mas para o repórter, o grupo já estaria atuando, pois a informação havia chegado às suas mãos por gente do “bunker”: um coordenador de campanha, que procurara a revista “por não concordar dos métodos adotados pelos colegas de campanha”.
O boato não demorou a se transformar em tumulto. Mesmo antes de receber o meu retorno, Lanzetta alertou a direção da campanha na QL 24, do Lago Sul, sobre a matéria que Veja estava preparando. O coordenador de comunicação ficou alheio ao problema.
Enquanto Pimentel e Lanzetta eram postos de lado, Palocci assumia o cargo de mediador da crise.
Indignado com a boataria, resolvi procurar o diretor da sucursal de Brasília, Policarpo Jr., para esclarecer os fatos. Um amigo comum, o procurador Luiz Francisco de Souza, intermediou o contato. Pedi a intermediação, porque o procurador havia me dito antes que, em várias ocasiões, Policarpo Jr. Havia elogiado o meu trabalho. Ao procurador, adiantei que, como a notícia era mentirosa e não tinha nada a temer, iria contar passo a passo tudo o que havia ocorrido. Tomei a decisão com base na minha conduta. Não foram raras as vezes em que derrubei uma reportagem ao perceber que a denúncia estava cercada de contradições ou que o acusado havia me convencido de sua inocência.
— Então se prepare para o bote. O Policarpo não é fácil não. No meio da entrevista ele vai jogar a bomba na sua mão — previu.
— Não tem problema. Vou falar a verdade.
— Então pense que seu pai, mesmo morto, estará ao seu lado.
Dom Inácio dizia que os mortos, ao invés de se afastarem, aproximam se dos entes queridos — concluiu o procurador, que também acabara de perder o pai.
Na minha frente, ele ligou para Policarpo. Após contar piadas e fazer lhe algumas provocações — das quais ele mesmo ria — pediu apenas que o diretor ouvisse minha versão.
Ao chegar à sucursal, o diretor tratou me com cordialidade e me fez até alguns elogios.
— Nós, apesar de termos trabalhado em revistas distintas (eu, na IstoE; e ele, na Veja), nos respeitamos — afirmou. Mas cumpridas as formalidades, não demorou a disparar o primeiro torpedo.
— Você, que sempre denunciou irregularidades, como se sente sentado aí do outro lado?
Pensei em responder que me sentia melhor do que ele e toda a imprensa que haviam assumido um papel, no mínimo, ridículo nas eleições. Mas achei melhor responder de outro modo.
Afinal, não estava ali para esclarecer os fatos, e sim para descobrir o nome do traidor. Sabia que a provocação fazia parte do jogo, que mal havia começado. Então respondi simplesmente que me sentia muito bem.
Não demorei para perceber que Veja não possuía nada de concreto: uma foto minha dentro do “bunker” ao lado de Lanzetta, outras fotos dos funcionários e um cartão de visita do delegado Sousa, surrupiado da mesa de Lanzetta. De posse do cartão, entregue a Lanzetta na reunião do Fritz, Policarpo Jr. insistia em que o delegado estivera dentro da casa.
A fim de que não pairasse nenhuma dúvida, narrei minha participação no episódio desde o começo, quando ainda trabalhava no jornal O Estado de Minas. Foi assim, por exemplo, que a revista e toda a imprensa ficaram sabendo da tal reunião do Fritz.
Mas faltava o tal bote. E ele veio logo após o final do meu relato.
Policarpo Jr. disse que tivera acesso, por meio de um cacique de dentro da casa do Lago Sul, a um relatório elaborado por mim sobre as privatizações. Descrito minuciosamente pelo diretor da revista, o que ele chamava de relatório era o esboço geral deste livro arquivado no meu notebook. Como não havia passado o relatório e nenhum outro material a Lanzetta e mais ninguém conhecia o seu conteúdo, só havia uma explicação: o texto fora furtado do meu computador. Percebi que estava diante da evidência da traição. O que o jornalista descrevera era tudo igual — lead, sublead, personagens — ao material compilado por mim.
Não foi preciso nem um pouco de esforço para chegar à conclusão: o texto só poderia ter sido copiado na ratoeira do apartamento do hotel em que me haviam colocado em Brasília e onde Rui Falcão tinha trânsito livre.
— Você diz que está investigando a arapongagem, mas o meu relatório e até mesmo o cartão roubado da mesa do Lanzetta é o resultado não só da arapongagem como do roubo — argumentei.
— Você aceita gravar um pingue pongue? — perguntou Policarpo.
— Aceito, é claro! Afinal, vim aqui para isso — retruquei.
— Temos uma gravação com um dos coordenadores da campanha dizendo que você faz parte de um novo grupo de aloprados do PT — advertiu.
— Espera aí. De que grupo é esse coordenador? — quis saber.
— Do grupo de lá (de São Paulo, é claro) — afirmou.
— E o que ele diz na entrevista?
— Que um jornalista maluco de Minas (referia se a mim, é claro) havia deixado denúncias contra Serra. Mas nada muito importante, umas matérias requentadas.
Foi nesse momento que percebi qual a intenção da turma de São Paulo: tentar plantar o factoide de que Pimentel e Lanzetta estariam no comando de novos aloprados, conforme o presidente Lula batizou os militantes petistas flagrados com malas de dinheiro em um hotel de São Paulo, às vésperas das eleições de 2006. O dinheiro seria usado na compra de um dossiê contra Serra que nada mais era do que um monte de matérias requentadas de jornais. Dessa forma, afirmar que eu entregara “matérias requentadas” era a forma de demonstrar que os supostos aloprados seriam um bando de trapalhões.
Policarpo ligou o gravador.
— Há informações de que você faria parte de um novo grupo de aloprados?
— Aloprados é o pessoal do PT de São Paulo, que só pensa em dinheiro e inventam um monte de histórias nem que isso possa prejudicar a candidata de seu próprio partido.
— Mas você investigou as privatizações e o PSDB?
— Sim, para escrever um livro.
— E o que tem a dizer sobre o conteúdo das investigações?
— É avassalador.
Nesse momento, ele interrompeu a entrevista, dizendo que “tinha dado pau” no gravador. Não sei se a interrupção deveu se a problemas técnicos ou por ele não ter ficado animado com as minhas respostas. Solucionado o problema, mudando um detalhe ou outro, o diretor da sucursal me fez perguntas semelhantes e obteve as mesmas respostas.
Terminada a entrevista, avisei que tinham me metido numa arapuca e que, agora, eu ia me defender por contra própria. Mesmo que isso pudesse provocar a demissão de Lanzetta, iria à Polícia e ao Ministério Público denunciar o roubo do conteúdo do meu computador e o destino do dinheiro da propina arrecadada durante as privatizações tucanas.
Um ou dois dias depois estava na sede do MPF, quando tocou meu celular. Lanzetta pedia que eu desistisse das denúncias. Contou que já havia se acertado com Palocci. Foi me buscar no MPF, e após, enquanto tomávamos um chope no bar Brasília, descreveu o diálogo que acabara de manter minutos atrás com o poderoso coordenador de campanha.
— Pelo que eu apurei, a reportagem (de Veja) não sai nesta semana.
Mas parece que seu amigo está querendo tumultuar o processo — disse Palocci a Lanzetta.
— Segure os seus radicais, que eu seguro o meu — respondeu Lanzetta, provocando gargalhada em Palocci. O diálogo foi acompanhado com os olhos arregalados por uma terceira testemunha, que viria se tornar um dos mais influentes colaboradores do governo Dilma.
No início da semana seguinte, Palocci e Falcão, agilmente propuseram o desmantelamento da casa da QI 05. Transformado em alvo, Lanzetta teria que sair o mais rapidamente da campanha.
“Quem ficar do lado do Pimentel, vai ser varrido da campanha”,
ameaçou Falcão a outra pessoa próxima de Dilma.
Talvez isso explique a relação fria e formal que, mais tarde, a presidenta passou a ter com o atual presidente de seu partido.
Dilma nunca suportou traição. Durante a ditadura militar, os militantes de esquerda eram instruídos a suportar durante certo tempo as sessões de tortura nos porões do Dops e do Doi Codi, de modo que outros companheiros não fossem capturados com base nas informações que os presos fatalmente dariam. O ponto (local de encontro) só deveria ser entregue quando o risco para os demais militantes fosse o menor possível.
Por causa disso, Falcão não teria sido convidado para a solenidade de posse, o que ele desmentiu à Folha de S. Paulo ao ser eleito presidente do PT. Garantiu ter recebido um abraço caloroso da presidenta. E informou que está me processando por calúnia. É sempre assim: toda vez que eu conto sua atuação sinistra nos bastidores da campanha, Falcão inventa um novo processo contra mim.
Ele se esquece, no entanto, que a prova da traição está documentada: ao responder interpelação judicial movida na Justiça pelo jornalista Luiz Lanzetta, o delegado Onézimo disse ter ouvido do próprio Policarpo Jr. que Falcão era a fonte que abastecia a revista sobre as atividades do bunker da QI 05. Segundo uma fonte do autor na Istoe, Falcão já havia oferecido anteriormente o mesmo
material à concorrente de Veja.
Durante a guerra contra a Veja, quando Lanzetta e Pimentel perdiam espaço na campanha, Palocci assumiu o comando para acabar com a crise. A notícia de que a revista sairia com “uma bomba” agitava o meio político. Mas não era só o povo do PT que tinha os nervos à flor da pele.
Temendo que o assunto das privatizações, que lhe provocara calafrios desde a época da disputa com Aécio, o ex governador de São Paulo apresentava se irascível como raras vezes em sua carreira.
Fora grosseiro com uma repórter do jornal Zero Hora. Atacava até mesmo jornalistas e jornais que se mostravam simpáticos à sua candidatura. Outro dos alvos da sua incivilidade foi a comentarista
Miriam Leitão, da Globo News.
As denúncias de quebra de sigilo de seus familiares causavam lhe embaraço. E provocavam também desconforto em Verônica Serra. Ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos, após passar uma temporada fora do país, Verônica e Bourgeois tiveram uma crise de nervos ao serem interpelados de surpresa por agentes federais. Eles apenas queriam intima los para prestar depoimento no tal inquérito. Além do mais, ao estampar fotos e nomes das vítimas das violações de sigilo, a mídia forçosamente trazia de novo para o noticiário personagens indigestos para a campanha tucana, entre os quais o ex caixa Ricardo Sérgio de Oliveira. O comitê petista não demorou a notar o constrangimento que o tópico trazia ao ex governador. “Afinal, os jornais não tinham se dado conta que estavam colocando a quadrilha das privatizações em suas páginas”, comentou um dos caciques da campanha.
O contexto ajuda a entender o conteúdo da tão esperada primeira reportagem publicada por Veja cujo título e subtítulo diziam tudo. “Ordem na casa do Lago Sul” e “O comando de campanha teve que intervir para evitar que companheiros afoitos reeditassem o escândalo dos aloprados de 2006”.
— Você foi blindado pelo próprio Serra. Agradeça a ele — comentou comigo um personagem da direção da campanha do PSDB. A turma de Serra teria influenciado no fechamento da matéria.
Havia divisões internas. Enquanto o candidato ao Senado Aloysio Nunes defendia que o tema ganhasse as manchetes, Serra pedia que nada relacionado ao meu nome viesse a público. A confusão interna do PSDB resultou numa reportagem que não fazia o menor sentido.
Palocci e Falcão apareciam como heróis, Pimentel e Lanzetta ficavam mal e eu, o principal pivô de tudo, que concedera uma longa entrevista pingue pongue, nem sequer era mencionado.
Mas a tal blindagem só serviu para que o ex delegado Sousa partisse para o jogo pesado.
— Você e o Amaury aprontaram comigo. Porque eu fui o único a ser citado na reportagem (de Veja). Vocês nem são citados. Vou lá na revista acabar com todo mundo — disse a Dadá.
— Você vai dizer o quê? Ninguém fez nada de errado, nem o contrato foi fechado — procurou argumentar Dadá.
Na madrugada de sábado a entrevista já estava na internet. Entre muitas mentiras, o delegado dizia que o tal núcleo tinha dado a entender que queríamos grampear Serra. “Eles queriam saber de tudo. Não dá para fazer isso sem pensar em grampo”, afirmava.51
O cerco logo se fecharia. A entrevista do ex delegado52 torna a situação de Lanzetta politicamente insustentável. A Lanza rompe o contrato com o PT e seu dono deixa Brasília.
— Não queria ficar sitiado em casa pelas tevês — justificou. Lanzetta embarcou no próprio sábado, acompanhado de um amigo, para Buenos Aires. De lá, constatou mais um vazamento.
Com a ausência repentina do dono da empresa, houve um atraso no pagamento dos jornalistas contratados. O comitê da campanha solicitou, então, uma listagem discriminada dos salários de todos. A lista foi enviada para Falcão e Palocci. No mesmo dia, os salários dos jornalistas contratados pela Lanza eram do conhecimento da Folha de S. Paulo. Além da Veja, o fogo amigo trabalhava também para a Folha.
Em nota distribuída à imprensa, a Lanza comunicava que decidira “em caráter unilateral, rescindir o contrato que mantém com a campanha do PT”. Acentuava que a empresa, além de não autorizar “a produção de dossiê contra quem quer que seja”, rejeitou proposta de “investigação clandestina feita por um ex policial”.
Não há dossiê e nem “contrato algum com arapongas”. E acusava de “mentirosas, além de contraditórias entre si”, as informações e declarações de ex policiais publicadas por Veja e pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Após ser entrevistado várias vezes, sempre desmentindo o delegado, encontrei me com Lanzetta em Porto Alegre. Queria mais informações para a conclusão deste livro. Apesar do clima tenso, os dias na capital gaúcha foram marcados por conversas divertidas, animadas pelo vinho gaúcho e os jogos da Copa do Mundo.
51 Veja, matéria da edição de 02/06/2010.
52 Idem, “Era para levantar tudo, inclusive coisas pessoais”, matéria da edição 09/06/2010.
— Entramos como amigos e saímos como dois irmãos nesse episódio. Estamos iguais a dois gatos siameses — definiu Lanzetta.
Respondi que a crise, pelo menos, havia servido para reforçar as amizades. Citando como exemplo o convite, recebido em plena crise, de Domingos Fraga, amigo desde os tempos de IstoE, para trabalhar na Rede Record, disse que a solidariedade me emocionava muito. Só lamentava a pressão que alguns amigos sofriam nas redações por se recusarem a fazer matérias contra mim.
— Jornalista gosta muito de reclamar de tudo. Eu era um desses que bastava sentar no bar para começar a falar mal do trabalho.
Agora não reclamo mais de nada. Gosto de tudo na profissão, que me deu verdadeiros irmãos — comentei com Lanzetta na tarde fria de Porto Alegre.
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