- Capitulo 12 – Os tucanos e suas empresas-camaleão
- O esforço para apagar as pegadas.
- Decidir e Decidir, IConexa e IConexa, Orbix e Orbix.
- Ou a dança dos nomes iguais.
- A camuflagem dos parentes e sócios de Serra.
- E, uma vez mais, Ricardo Sérgio...
É um jogo de gato e rato. Policiais, procuradores e fiscais fazendários fazem o papel do gato. Quem está na pele do rato tenta escapar, apagando suas pegadas. É preciso perseguir o dinheiro e este, como se tivesse vida própria, está sempre mudando de nome, de endereço, de forma. Circula pelos dutos formados por empresas de fachada, contas secretas e operações heterodoxas. Não é fácil encontrar os rastros em meio a tanta dissimulação. Que inclui, por
exemplo, batizar empresas com nomes parecidos. A IConexa Inc. E a IConexa S.A. são duas firmas, uma aberta nas Ilhas Virgens Britânicas e outra no Brasil. E a IConexa brasileira antes se chamava Superbid. Todas pertencem a Alexandre Bourgeois, o genro de José Serra. As IConexas são apenas uma amostra daquilo que se denomina empresa camaleao.
Como o réptil, elas praticam o mimetismo, camuflam se para escapar aos caçadores. É também o papel da Orbix, igualmente produto da mente criativa do genro de Serra. Começou como Orbix Administração de Capital e Recursos Ltda., metamorfoseou se em Orbix Global Partners Administração de Recursos, depois Orbix Capital S.C. Ltda. e, por fim, AAA Asset Management S/C. Ltda.
Quem acha pouco três Orbix pode começar a sorrir. Há também o Fundo Orbix S.A., implantado por Alexandre Bourgeois na praia de Trancoso, no sul da Bahia. O Fundo de Bourgeois recebe o
respaldo do BNY Mellon Serviços DTVM.
Como o mundo é mesmo pequeno, o BNY Mellon Serviços DTVM tem como sócia a construtora João Fortes, de propriedade do deputado Márcio Fortes (PSDB/RJ), que vem a ser o caixa da
campanha de José Serra à Presidência da República em 2010.
Fundada em 1997 com o nome de Dreyfus Brascan, a empresa funciona no prédio do grupo Opportunity, no Rio de Janeiro... Não foi à toa que seis meses das investigações foram gastos para
achar o fio da meada e entender como funciona a farsa. A primeira lição que aprendi é de uma simplicidade constrangedora: não adianta prestar atenção aos nomes das empresas, porque eles existem para nos iludir. O fundamental é checar os CNPJs, o número em que a firma foi incluída no cadastro nacional das pessoas jurídicas.
Mas a meada tem mais fio para desenrolar. Bourgeois lida ainda com a Lutece Investimento e Gestão de Recursos Ltda., que tem o nome fantasia de ABL Serviços e foi fundada em 2000. Que se vale também de outra denominação: Xibro Axia Administração de Recursos Ltda.
E aí aparece a Lutece Participações Ltda. A Lutece nasceu em 2004, então designada como S&A Serviços Empresariais Ltda., em Santana do Parnaíba, paraíso fiscal do interior paulista. Então, mudou para Opah Participação Ltda. E, após, para Lutece. É uma empresa de gaveta, criada num escritório de contabilidade. Inicialmente pertenceu a Cássio Lopes da Silva Neto, Luciano Correa e André Bourgeois, irmão de Alexandre Bourgeois.
E onde entra Alexandre Bourgeois? Bem, o marido de Verônica e genro de Serra compra as cotas de Luciano Correa e Cássio Lopes da Silva Neto na Lutece. Em fevereiro de 2006, ele tenta usar a
Lutece para incorporar a Orbix Global Partners Ltda., empresa de sua propriedade que deve à Fazenda Nacional. No final desse mesmo ano, a empresa deficitária, a Orbix, foi fechada.
Prolífico, o clã Serra registra mais exemplares das empresas camaleao.
O que, aliás, transmite a impressão de que os negócios que pratica não dispensam o estratagema. Desta vez, a empresa — e a confusão premeditada — são obras de Verônica, filha do ex governador paulista. Em 2001, ela abre na Flórida (EUA) a empresa Decidir.com.br em sociedade com Verônica Dantas, como se sabe, irmã e sócia do banqueiro Daniel Dantas, um dos maiores players dos leilões de privatização. Logo, e já com o nome de Decidir International Limited, transfere se para o escritório do Citco nas Ilhas Virgens Britânicas. No Brasil, enquanto isso, surge uma terceira Decidir. É quando a Belleville Participações altera seu nome para Decidir.com.brasil Ltda. E será sua homônima a offshore Decidir Internacional Limited, o ponto de partida, em 2006, da internação de R$ 10 milhões no Brasil.
Na dança dos nomes semelhantes, depois da filha e do genro do ex governador, é a vez das suas amizades. Aqui, o ardil da transmutação ocorre além do círculo familiar, mas dentro do seu entorno de amigos do peito. Pode se iniciar pelo ex caixa de campanha Ricardo Sérgio de Oliveira, o dono do know how.
Figuram na sua conta a Antar e a Antares. A offshore Antar Venture comprou R$ 5 milhões em ações da brasileira Antares Participações Ltda. Em 1999. Antar e Antares são controladas pelo ex-tesoureiro e por seu então sócio Ronaldo de Souza, já falecido.
Como se fosse pouco, no pico da privataria Ricardo Sérgio operou mais duas offshores, a saber a Consultatum Inc. e a Andover National Corporation. Braço direito de Ricardo Sérgio na Previ —
e nas privatizações patrocinadas com dinheiro público e dos fundos de pensão — João Bosco Madeiro da Costa não deixou por menos e abriu outras duas offshores nas Ilhas Virgens Britânicas: a Belluga e a Hill Trading.
Mudam os nomes, mas o modo de agir é sempre o mesmo. Invariavelmente inclui a criação de uma offshore que um dia vai se tornar sócia de uma empresa réptil no Brasil. E assim conseguirá
importar, com a conivência do Banco Central, o dinheiro sujo que certo dia saiu pela porta dos fundos através dos lamacentos dutos implantados pelos doleiros mais criativos.
Concebido por mentes astutas como as de Daniel Dantas e de Ricardo Sérgio de Oliveira, o esquema se espalhou pelo submundo da corrupção. Em 2006, por exemplo, a operação Branca de
Neve, tocada conjuntamente pela Polícia Federal, Receita e MPF descobriu que uma dessas empresas camaleão das Ilhas Virgens Britânicas — a Vilars Holding — ajudou a esconder por mais de 10 anos parte dos US$ 3 bilhões que uma megaquadrilha de fraudadores do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) desviou dos cofres públicos.
O bando era liderado pelo ex procurador do instituto Armando Avelino Bezerra. Ligado à superfraudadora Jorgina de Freitas, ele cumpriu pena entre 1992 e 1997 condenado por peculato e formação de quadrilha, entre outros delitos.
Livre das grades, Bezerra não dispendeu maior esforço para montar uma estratégia capaz de trazer de volta ao Brasil toda a fortuna invernada no Caribe. Era a hora de desfrutar o produto da
roubalheira. A fórmula usada para internar os valores foi a mesma adotada pelos tucanos. Ou seja, a offshore se tornou sócia de uma empresa aberta pelo próprio fraudador no país: a Coronato Empreendimentos. As investigações demonstram que o capital inicial da empresa brasileira, em torno de US$ 2,3 milhões foi quase todo injetado (integralizado) pela empresa caribenha. Ao desembarcar no Brasil, livre das impurezas, toda a grana desviada do contribuinte era redistribuída pela Coronato para outras empresas menores. Essas empresas de fachada se encarregaram então de adquirir, através de uma rede de laranjas, um montante de 110 comparsas para Bezerra e sua turma.
Descoberta casualmente por um auditor da Receita Federal — um vizinho com quem Bezerra se desentendera — a fraude levou o megafraudador e os demais integrantes da quadrilha novamente
para atrás das grades, desta vez por lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro. Os bens dos quadrilheiros foram sequestrados por determinação judicial, o que denota que o estratagema já não anda funcionando com tanta eficiência. Mas os ilusionistas em atividade estão sempre prontos para arquitetar uma nova forma de camuflar o dinheiro sujo e distrair seus rastreadores.
Um ano depois da prisão de Bezerra, uma CPI da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, aberta para apurar as perdas na arrecadação tributária, constatou que um grupo de auditores fiscais do Rio, comandado por Roberto da Cunha Gomes, conhecido como “Olho de Boi”, também recorria ao mesmo tipo de relação societária entre uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas com uma empresa brasileira para internar dinheiro oriundo de paraísos fiscais.
As investigações concluíram que a operação estava sob incumbência do filho de “Olho de Boi”, o administrador de empresas Francisco Roberto da Cunha Gomes. Era ele quem pilotava a offshore Rossano Group Corp. nas Ilhas Virgens Britânicas.
Seguindo o esquema tradicional para internar dinheiro, a empresa caribenha comprou 50% das cotas de uma firma aberta pelo filho de “Olho de Boi” em São Paulo: a International Boats Ltda.
Os restantes 50% estavam em nome, é claro, do próprio filho do auditor fiscal. Obviamente, o dinheiro sujo, camuflado no Caribe,
voltava limpo por obra e graça da injeção dos recursos da empresa estrangeira naquela do Brasil. Mas com uma distinção: em vez da jogada convencional, o ingresso dos valores ocorria sob o pretexto de aumento de capital da empresa brasileira integralizado pela offshore. A entrada do numerário da International Boats Ltda. Era justificada simplesmente como lucro obtido pela sua filial, mera caixa postal no Caribe, no exterior. Esses rendimentos eram devidamente declarados ao Fisco.
Parecia uma manobra perfeita, porque o auditor e seu filho conseguiam, em tese, escapar do enquadramento na Lei do Colarinho Branco — Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro, que considera crime manter depósitos e empresas no exterior sem o conhecimento dos órgãos federais. Não podiam ser enquadrados em nossa melhor lei de combate à lavagem de dinheiro, porque toda a transação no exterior havia sido informada ao Banco Central e à Receita Federal.
Mas “Olho de Boi” acabou não tendo melhor sorte do que os fraudadores do INSS. Comprovado o ardil pela CPI, o funcionário acabou sendo demitido a bem do serviço público. Evidenciado o
esquema de corrupção (crime antecedente), foi condenado também por lavagem de dinheiro pela Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que decretou o sequestro dos seus bens.
Toda essa simulação para internar dinheiro sujo certamente teria fim com uma providência: a proibição pelo governo da entrada de offshores em sociedades com firmas do Brasil. Só deveria ser permitido o ingresso nas empresas nacionais de companhias estrangeiras que identificassem o nome de seus verdadeiros donos em seus balanços contábeis. É uma medida simples que certamente ajudaria a conter o grande esquema de lavagem do dinheiro e o assalto aos recursos públicos.
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