A REBELIÃO ROMÂNTICA DA JOVEM GUARDA
Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966
CAPÍTULO VII
APOIO E RESERVA DOS ADULTOS AOS MOVIMENTOS JUVENIS
a) Autocrítica mostra desejo de convivência
Para a melhor compreensão da mocidade «ié-ié-ié» brasileira, não deve ser desprezado o significado da letra de uma composição que alcançou grande êxito. Isto porque ela constitui uma verdadeira autocrítica de seu cantor e de seus admiradores, de modo geral. Trata-se da música «Mexerico da Candinha».
Nela, Roberto Carlos comenta os defeitos que lhe atribuem e apresenta sua justificativa. Naturalmente, a autocrítica foi feita inconscientemente e é, por isso mesmo, mais válida. Ela também confirma que a juventude por ele liderada está interessada em obter a aprovação dos adultos.
A Candinha funciona, no caso, como representação da opinião geral da sociedade. A composição responde às principais críticas feitas à juventude moderna com o objetivo evidente de romper as reservas de certos adultos, para que tolerem os moços se não for possível estimulá-los.
Há também na composição o interesse de formar a imagem do pseudo-rebelde, isto é, aquele que faz e usa uma série de coisas extravagantes mas que está, plenamente, integrado na sociedade comandada pelos adultos. O jovem aceita os valores estabelecidos pela sociedade e deixa bem claro ser, no fundo, um bom rapaz. Esse temor de desagradar aos adultos confirma o caráter romântico da rebelião juvenil e demonstra de modo cabal a inconseqüência do movimento.
A letra da composição «Mexerico da Candinha», que enseja um melhor entendimento do espírito juvenil, é a seguinte:
A Candinha vive a falar de mim em tudo.
Diz que eu sou louco,
esquisito e cabeludo
e que eu não ligo para nada,
que eu dirijo em disparada,
acho que a Candinha gosta mesmo de falar;
ela diz que eu sou maluco
e que o hospício é o meu lugar,
mas a Candinha quer falar.
A Candinha quer fazer
da minha vida um inferno,
já está falando do modelo do meu terno,
e que a minha calça é justa,
e de ver ela se assusta
e também da bota que ela acha extravagante.
Ela diz que eu falo gíria
e que é preciso maneirar,
Mas a Candinha quer falar.
A Candinha gosta de falar de toda gente.
Mas as garotas gostam
de me ver bem diferente,
a Candinha fala mas no fundo me quer bem,
e eu não vou ligar
pra mexericos de ninguém.
Mas a Candinha agora já está falando até demais,
porém, ela no fundo
sabe que eu sou bom rapaz
e sabe bem que essa onda
é uma coisa natural
e eu digo que viver assim é que é legal.
Sei, que um dia,
a Candinha vai comigo concordar
mas sei que ainda vai falar.
Como se vê, ao apresentar suas explicações, Roberto Carlos diz que vivem a falar dele em tudo: que é louco, esquisito e cabeludo, que dirige em disparada e que o hospício é seu lugar. Lembra as críticas ao modelo de seu terno, à sua calça justa e às suas botas tidas como extravagantes, para depois apresentar suas justificativas.
O primeiro argumento do cantor contra esses falatórios torna claro a necessidade da diferenciação sentida pela juventude. A alegação de que as garotas gostam de vê-lo bem diferente revela a oposição dos moços à possibilidade de parecerem iguais aos adultos, cuja maneira de ser e atitudes são tidas como «quadradas».
o segundo argumento é o de que, apesar de suas esquisitices, ele é um bom rapaz. O fato de ele declarar ser um bom rapaz traduz o seu engajamento à sociedade com o conseqüente reconhecimento da validade das regras por ela estabelecidas. Por outras palavras: «Não precisam se preocupar comigo, pois minhas manifestações exteriores de oposição não revelam uma convicção íntima e nem descrença nos valores morais aceitos pela sociedade».
Daí, a complacência da sociedade para com o comportamento dos moços, pois os adultos sabem que, na realidade, todos querem ser bons, não passando a revolta deles do desejo de deixar crescer o cabelo, usar roupas diferentes ou ter uma gíria própria.
Prova disso, é o prestígio que o movimento vai recebendo das mais diversas organizações. Entidades de assistência, a fim de conseguir mais fundos para suas obras de benemerência, promovem «shows» com o ídolo «ié-ié-ié», convictas de que estão dando à juventude o melhor em matéria de recreação. Até o próprio clero procura falar a linguagem «ié-ié-ié», preocupado em mostrar à juventude que não condena a nova música e que considera o jovem Roberto Carlos um modelo para a mocidade. Assim, entre promoções filantrópicas e ofícios religiosos celebrados ao ritmo da nova música, os adultos vão assumindo paternalmente a direção do movimento juvenil, encantados com a docilidade dos jovens.
E a juventude torna-se, simplesmente, barulhenta mas boazinha. Alguma coisa assim como uma criança peralta que gosta de chamar a atenção. Pena que seja também irresponsável e, à escassa cultura, junte uma dose de indiferença pelas questões mais sérias.
b) Restrições aos movimentos sérios
Entretanto, a juventude brasileira não é toda ela constituída de adeptos do «ié-ié-ié». Há mesmo um movimento, em franca expansão, cuja finalidade é reunir jovens para ouvir a música clássica. É constituído de milhares de estudantes secundários ou universitários que freqüentam teatros e até auditórios de emissoras de televisão para ouvir orquestras sinfônicas e música de câmara.
Trata-se da Juventude de São Paulo que procura melhorar o gosto artístico da mocidade e que apresenta, com grande freqüência, ótimas orquestras interpretando os mais famosos compositores. E, embora poucos saibam, em todas essas apresentações os auditórios ficam repletos de jovens.
Há, também, um grande interesse entre os moços pelo teatro. Apesar das dificuldades, quase toda escola superior tem o seu grupo teatral. Entre eles destaca-se o Teatro da Universidade Católica, o conhecido TUCA, cujos componentes foram, recentemente, premiados em festival promovido na França. Para participar do festival, esses estudantes dependeram de contribuições de amigos e empresas, pois não possuíam o necessário para pagar as passagens e não contavam com o apoio oficial.
Estes movimentos, porém, não recebem os mesmos estímulos que favoreceram a Jovem Guarda. Lutam com dificuldades financeiras e não conseguem despertar o entusiasmo dos adultos que chegam a recebê-lo com reservas. No caso típico dos teatros universitários, paira sobre eles a eterna desconfiança de que prestigiam tendências ideológicas contrárias às tradições nacionais.
Assim, entre movimentos sérios, que exigem «background» cultural e que abrem novas fronteiras para os jovens, ou movimentos inofensivos e assinalados por uma total pobreza de conteúdo, a sociedade prefere ficar com estes últimos. Partidária da filosofia que defende a marginalização da juventude, a sociedade brasileira olha com restrições quaisquer manifestações juvenis que pretendam submeter à uma análise suas estruturas.
Acham os adultos, de uma forma geral, que os moços devem se divertir e não se preocupar com as coisas mais sérias. Confiam que o seu amadurecimento lhes trará, conseqüentemente, o engajamento na sociedade, sem a exigência da realização das transformações que o idealismo da juventude julga imprescindíveis. Essa resistência é perfeitamente compreensível numa sociedade conservadora como a nossa, cuja organização já arcaica passa pelo período de crise de ajustamento aos novos padrão exigidos pela realidade atual.
Ora, o movimento «ié-ié-ié», patrocinado por uma bem montada máquina publicitária, conseguiu mobilizar grande parte dos adolescentes e jovens que vivem nos centros urbanos, desviando-os do debate de temas julgados perigosos. Formou, inclusive, um contingente de jovens totalmente alheio aos acontecimentos nacionais e preocupado apenas em imitar seu ídolo nos mínimos pormenores.
Talvez, por isso, tenha recebido tanto apoio. A última manifestação de aprovação dada aos jovens «ié-ié-ié» pela sociedade foi a entrega do título de Cidadão Paulistano ao cantor Roberto Carlos, capixaba de Cachoeira do Itapemirim. Por expressiva maioria, tendo sido contrários apenas quatro vereadores, a Câmara Municipal de São Paulo outorgou ao cantor uma honraria que só é concedida a personalidades de grande destaque que tenham prestado serviços de alta significação para a metrópole. Houve, naturalmente, uma dose de imitação, pretendendo reeditar o episódio em que os «Beatles» foram agraciados com um honraria pela Coroa britânica. Não faltou, também, o interesse simplesmente político de agradar os novos e futuros eleitores juvenis.
O principal, porém, está na formalização da aprovação já tàcitamente dada pela sociedade adulta à figura do jovem líder e a tudo quanto ele significa. Enquanto isso, a propaganda insiste na apresentação do ídolo, junto aos adultos, como figura de elevados dotes morais e de austeros princípios. A atitude mais explorada é a de ter negado a marca de sua propriedade a uma fábrica de bebidas, demonstrando assim - dizem - ótima formação e preocupação pelo resguardo da juventude. A atitude não deixa de ser comovedora, entretanto, não será com medidas idênticas que se diminuirá o consumo de bebidas. Nem será com tais desprendimentos que salvará a Pátria. O povo porém é vulnerável a tais estímulos e se emociona com apelos sentimentais.
Para a campanha do agasalho valem as mesmas críticas. Foi uma promoção bem planejada, semelhante à «(Quanto vale uma criança», que deu bastante destaque a Moacir Franco. Tais promoções, embora tenham alguma utilidade, pecam pelo exagerado personalismo, enquanto desenvolvem no povo um conceito já superado de assistência social.
Comentários do Barbieri
Eu comprei este livro num sêbo perto da Praça da Sé em São Paulo lá pelo princípio de 1980. Este livro acabou vindo para Londres onde vivo e agora faz parte da minha bibliotéca. Paara colocá-l aqui neste site, com um scanner "escaneei" todas as páginas do livro, incluindo a capa e, depois usei um programa OCR (optical caracter recognizer) para checar todas as página usando um programa de inteligêcia artificial e assim transformar os "scans" num documento em Microsoft Word. Como o texto do livro foi encrito nos anos 60, com o Word fiz a correção do texto. O texto então foi reeditado para este web site. Todo cuidado foi tomado para evitar problemas horotgráfico e de compreenção de texto. Se o caro leito encontrar algum problema ficarei feliz em ser comunicado para poder fazer a correção.
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