A REBELIÃO ROMÂNTICA DA JOVEM GUARDA
Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966
Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966
CAPÍTULO VI
A REBELIÃO ROMÂNTICA DA JUVENTUDE NACIONAL
a) A falta de agressividade e o ideal de pureza
O que mais chama atenção na juventude «ié-ié-ié» é a sua falta de agressividade e a plena aprovação que lhe dão os adultos, os quais chegam mesmo a incentivá-la. Embora essa falta de agressividade possa ser motivo para elogios, torna-se bastante curiosa, pois a nota marcante da juventude sempre tem sido a de colocar em dúvida as conquistas das gerações passadas e agredi-la com a apresentação de novos valores.
Entretanto, excetuadas as mostras de rebeldia relacionadas com vestimenta e uso de cabelos longos, essa juventude não agride, não ameaça e nem coloca em dúvida o nosso tipo de organização social. No máximo, os jovens «ié-ié-ié» retiram os esguichadores de água do pára-brisa dos automóveis de determinada marca (brucutus) para com eles fazeres anéis que imitem os usados pelos seus líderes.
Sucedendo um movimento musical que era comandado por jovens preocupados com questões sociais, a Jovem Guarda confessa-se desvinculada de tais problemas e animada apenas pelo desejo de ser alegre. Essa alegria terr., porém, traços de inconseqüência por demonstrar um total alheamento dos moços diante de problemas ligados à sua existência e à sua participação dentro da sociedade.
Assim, embora essa juventude fale muito em amor e cante letras inocentes em ritmos alegres, a sua falta de qualquer objetivo não constitui um bom indício. A própria adesão dos adultos conservadores parece indicar não trazer o movimento aquele sopro renovador próprio da mocidade.
Pode-se argumentar que, depois da Jovem Guarda, decresceu a ocorrência de desordens, arruaças e violências praticadas por jovens. A maioria adquiriu um instrumento musical, transformando-se as antigas «gangs» em estridentes conjuntos musicais. Pode-se ainda acrescentar ser essa mocidade portadora de bons propósitos e de ideais puros, na medida em que demonstra uma prévia disposição para um ajustamento indolor à estrutura social.
Entretanto, o desinteresse dessa juventude por questões mais sérias e a sua superficialidade não são animadores, exceto para os que pretendem manter os jovens marginalizados. Na velha Inglaterra o aparecimento dos «Beatles» coincide, pràticamente, com um renascimento comandado pela juventude. Hábitos, tradições e convenções seculares estão sendo rompidos e derrubados por uma juventude culta e saudável que deseja mudar a fisionomia velha e austera do país para outra, .alegre e juvenil.
O Brasil, porém, é um país novo em que tudo ainda está em formação. Portanto, um movimento juvenil, sem propósitos e sem quaisquer ideais transforma-se num hiato nada salutar para o desenvolvimento nacional. Satisfaz, entretanto, aos conservadores, sempre contrários a mudanças e, por isso, animados com a inconseqüência juvenil que não põe em perigo a estrutura social.
Daí, ser bastante correta a designação de rebelião romântica para o atual movimento de adolescentes e jovens. É uma rebelião, no sentido da oposição natural dos moços aos adultos, externada na adoção de novos padrões de roupas e de apresentação pessoal. Entretanto, o uso de toda energia juvenil apenas em músicas movimentadas e o desinteresse por coisas mais objetivas faz dela uma simples rebelião romântica, que não é contra e nem a favor de ninguém.
Surpreendentemente, os líderes dessa juventude parecem aspirar, inclusive, ideais de pureza que os adultos se revelaram incapazes de manter. Senão vejamos. A cantora Wanderléia, em artigo escrito para determinada revista, deixou claro uma certa irritação para com os que procuram interpretar o comportamento da juventude, afirmando que com o canto e a dança apenas dão vazão às energias. Acrescenta que os jovens não destroem nada, cantam músicas puras e dançam sem sensualidade. E conclui com uma mensagem em que fala em um mundo novo.
Embora negando a existência de uma rebeldia no seio da mocidade, não consegue a cantora esconder uma certa indisposição para com os adultos. Depois de enumerar os hábitos das juventudes passadas, aos quais critica, ela procura demonstrar que a mocidade atual é alegre e viva mas sem maldades. Percebe-se, -então, existir entre a mocidade uma prevenção contra os adultos que lhes fixam as normas de comportamento e que, contudo, não as observam. A desagregação familiar das grandes cidades não passou despercebida aos jovens. Eles assistiram e assistem com desgosto que seus mentores não praticam os preceitos que lhes querem impingir.
Esse comportamento falso de pais ou de mestres, provoca nos moços a aspiração por ideais nobres e a descrença no mundo adulto. Contudo, enredados pela moral pregada pelos que não foram capazes de praticá-la, os jovens têm uma reação paradoxal e querem provar ser muito mais superiores. Assim, embora tenham atitudes mais ousadas, fazem questão de cercar o seu mundo de um clima de sinceridade não existente entre os adultos.
Essa reação, porém, satisfaz aos adultos que não percebem a sua sutileza e julgam tratar-se da manifestação de um simples espírito sadio entre os jovens. Dão, então, todo apoio ao movimento pela tranqüilidade que ele traz, pois consideram toda a juventude inofensiva. Os ritmos, gritos, pulos e cabelos longos são entendidos como tendência natural para extravasar energias e parecer diferente.
Dessa forma o protesto não atinge seu objetivo, ao mesmo tempo que os jovens, inconscientemente, enquadram-se, de modo precoce, dentro de todo complexo social.
b) Conseqüências da emancipação da mulher
Há, porém, outra hipótese para explicar esse surto de pureza ou nostalgia de pureza entre a juventude. Seria uma conseqüência da gradual emancipação da mulher, que, hoje, nos centros urbanos equipara-se ao homem, determinando isso um equilíbrio de convivência que parece retardar a maturidade. Em razão desse
equilíbrio, os jovens passam a apresentar um comportamento típico de adolescentes em disponibilidade amorosa.
A moda masculina e feminina revelam, realmente, uma tendência mundial para uniformização, diminuindo gradualmente as diferenças marcantes que existiam entre as roupas para moços e moças. Outro fato interessante refere-se ao uso dos cabelos, com os rapazes passando a usar cabelos longos, enquanto as mulheres os encurtam.
Essa uniformização de indumentária, que não distingue mais os grupos sexuais, parece estar muito relacionada com a mudança da situação da mulher. Durante muitos séculos, a mulher viveu segregada. Era o homem quem providenciava a manutenção da família, enquanto a mulher permanecia em casa cuidando das coisas domésticas. A situação dela era pouco superior à de um objeto.
Não tendo tarefas a cumprir e sendo mantida pelo homem, podia esmerar-se no realce de sua beleza. Seus vestidos eram bastante ornamentados, seus cabelos exibiam penteados complicados, ao mesmo tempo que a pintura realçava sua beleza.
A gradual libertação da mulher que também passou a trabalhar ao lado do homem, exigiu dela indumentária mais prática. Assim, os trajes que possuía apenas para se apresentar tiveram de ser substituídos por outros que lhe dessem maior mobilidade no trabalho. Logo, surgiu o «tailleur», a versão feminina do terno masculino.
À medida que a mulher foi ingressando no mundo do homem, as diferenças foram se tornando mínimas, principalmente nos trajes esportivos. Isso poderia, então, indicar que estivéssemos a caminho de uma civilização in diferenciada ou andrógina. No momento, porém, ocorre uma pequena e inexplicável inversão.
As mulheres aderiram aos saltos baixos, cortam os cabelos e usam calças. Entretanto, os homens passaram a adotar o cabelo comprido, usam camisas esporte parecidas com blusas femininas e gostam do colorido preferido pelas mulheres.
Tudo parece indicar que o homem, acostumado a exercer o domínio sobre a mulher, sente-se agora receoso. Obrigado a aceitá-Ia como companheira e sua igual, apenas com as diferenças do sexo, o homem vacila. Na Europa, embora a liberdade sexual seja muito grande entre a mocidade, o ajustamento homem e mulher torna-se doloroso.
Os próprios filmes dos «Beatles» demonstram esse clima. Apesar de surgirem mulheres nas cenas, não há o desejo ou a relação erótica, sàmente companheirismo, como se todos fossem adolescentes. Muitos críticos viram alguma relação entre os «Beatles» e os Irmãos Marx, notaram, contudo, nos primeiros, a falta de agressividade e sensualidade que sobrava nos Irmãos Marx.
O sexo masculino estaria vivendo, portanto, um período de digestão difícil, que seria este da emancipação da mulher. Em síntese, a mulher, no momento em que deixou de ser objeto, tornou-se má companheira para o homem. Isto porque passou a ter desejos, vontades e consciência de si mesma, rompendo aquele equilíbrio antes mantido pela liderança autoritária masculina.
A nova realidade tem dupla conseqüência: o aparecimento das sociedades matriarcais, nas quais o homem cede ante a nova mulher; e a multiplicação do homossexualismo, que demonstra o retraimento do homem e a sua incapacidade de juntar-se com uma mulher em condições de igualdade.
Sentindo esse impacto, a juventude retarda sua maturidade e se fixa num amor platônico porque, no fundo, teme a realização sexual. Esse comportamento é parecido com a atitude das adolescentes para com os ídolos cabeludos. Receosos ainda da idéia do sexo elas preferem amar criaturas não bem definidas, que parecem masculinas mas conservam características femininas. Sentem-se, assim, mais seguras.
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