21 de dez. de 2011

A PRIVATARIA TUCANA capitulo 06

  • Capitulo 06 - Mister Big, o pai do esquema
    Ex-caixa de Serra e FHC mostra o
    caminho do paraíso (fiscal) aos tucanos.
    Ganhando mais em tres anos de servico publico
    do que em 30 na atividade privada.
    A mae de todas as evasoes de divisas.
    Longe do poder, mas perto do dinheiro

    Mister Big fuma Romeo y Julieta, cubanos de alta estirpe,desfruta vinhos de quatro dígitos, gosta de jogar tênis e, para alívio do tucanato, é avesso a badalações. Um de seus mais novos mimos é uma importadora de vinhos em sociedade com o restaurante Fasano,
    tradicional casa de São Paulo. Dois fatos são cruciais no percurso de Mr. Big. Um deles, a pilotagem do processo de privatização das estatais no Brasil dos anos 1990. O outro é sua condição de guia dos tucanos mais coloridos ao pote de ouro no fim do arco-íris, apontando-lhes a trilha dos paraísos fiscais do Caribe. De alguma forma, como se verá a seguir, o dinheiro que orbitou os grupos da privataria no primeiro momento pavimentará a estrada de tijolos dourados do segundo.
    Casado, sem filhos, Mr. Big é o apelido que Ricardo Sérgio de Oliveira, 64 anos, recebeu das suas amizades. Entre elas, o ex ministro das Comunicações de FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Outro amigo, o ex ministro da Casa Civil de FHC, Clóvis Carvalho, foi quem apresentou Mr. Big ao ex-governador de São Paulo, José Serra.
    Antes de assumir como o homem do dinheiro de Serra e FHC, Mr. Big trabalhou durante 30 anos na área privada. Serviu ao banco Crefisul e ao Citibank e, mais tarde, estabelecendo-se por conta própria, abriu duas empresas. Sempre teve um confortável padrão de vida, mas tornou-se milionário mesmo depois de três anos no timão da área internacional do Banco do Brasil. Foi o único diretor do BB não indicado pelo presidente do banco, Paulo César Ximenes, e também o único com acesso a FHC.
    Em 1995, quando foi empossado na diretoria internacional do Banco do Brasil durante o primeiro mandato tucano na Presidência da República, Mr. Big recebia o módico salário de R$ 8,5 mil.22 Na atividade privada, tinha duas empresas, a Planefin e a RMC. Coube à sua mulher, Elizabeth, ocupar-se da gestão das duas. Na RMC, um de seus sócios era José Stefanes Ferreira Gringo. A impressão inicial é de que o afastamento de Ricardo Sérgio do dia a dia das suas firmas, inversamente ao que se poderia imaginar, significou uma bênção contábil para ambas. Pilotadas não pelo economista, mas pela novata e de profissão desenhista Elizabeth, a Planefin e a RMC transformam-se em cases de sucesso empresarial.
    Atuando no mercado acionário, a RMC partiu de um faturamento de R$ 4,2 milhões em 1997, para R$ 21,9 milhões em 1999. Uma performance 500% superior em apenas dois anos. Nada mau. A Planefin também reagiu sob o pulso de Elizabeth. Se em 1996 faturava R$ 60 mil anuais, em 1998 já emplacava R$ 1 milhão por ano.23 Mas a vida não teria a graça que tem, se as coisas fossem tão simples e lineares assim...

    22 Esses dados constam de processo movido pela Rhodia contra a Calfat, empresa de Ricardo Sérgio, teve seu sigilo fiscal quebrado pela justiça estadual de São Paulo. Foram publicados pelo autor em 2001, no Jornal do Brasil e, no ano seguinte, em IstoE. 23 A série de reportagens foi publicada em abril nos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense em abril de 2002.

    Ocorre que, com Mr. Big no Banco do Brasil, suas empresas aproximaram se dos fundos de pensão, entre eles a Previ, que administra as economias dos milhares de funcionários do BB. Em 1998, a RMC aventurou-se, com êxito, na área de imóveis. Juntou se a uma construtora, a Ricci Engenharia, para erguer edifícios de apartamen-tos em São Paulo. Logo, a Previ interessou se em comprar as duas primeiras torres, ainda na maquete. Pagou R$ 62 milhões. No capitalismo tucano de risco zero e resultados imediatos, Mr. Big jogava nas duas pontas da transação. De uma parte, fazia valer sua influência sobre a Previ, o milionário fundo de pensão do Banco do Brasil, no qual o homem-chave era seu amigo João Bosco Madeiro da Costa.
    De outro lado, operava no casamento da RMC com a Ricci, aliás, propriedade de seu sócio na RMC, José Stefanes Ferreira Gringo...
    A Planefin não ficou para trás. A maré era tão propícia, que a empresa, de consultoria financeira, lancou-se à exploração de mares nunca dantes navegados, como a internet. E logo, embora iniciante
    no setor, atingiu um desempenho estupendo. Em 1999 — ano seguinte ao da venda do sistema de telefonia nacional —, a Planefin recebeu, em um só serviço prestado, R$ 1,8 milhão já abatido o
    imposto de renda por meio de uma operação isolada, 30 vezes o faturamento que obtivera três anos antes! De onde veio o dinheiro?

    24 Reportagem “Os fundos de dinheiro sujo” publicada em IstoE, por Amaury Ribeiro Jr. e Sônia Filgueiras em 02/07/2002.
    25 Reportagem “O elo perdido”, de Amaury Ribeiro Jr. em IstoE em 29/05/2002.

    Bem, teria sido o fruto de um atendimento à empresa Operate, do grupo La Fonte, de Carlos Jereissati, cujo consórcio Telemar adquirira a Tele Norte Leste.24 A revista Veja quis saber o que a Planefin obrara para fazer jus a tal recompensa. Ricardo Sérgio respondeu que a Planefin prestara uma consultoria sobre “esse negócio de web”. Como se verá adiante, a tabelinha entre Mr. Big e Jereissati funcionará outras vezes no jogo pesado do leilão das estatais. Em junho de 1999, a Planefin, que já estava bombando, parte para uma jogada mais audaciosa. Por R$ 11 milhões — ou 183 vezes seu faturamento de 1996! — fecha uma aquisição heterodoxa: compra metade de dois edifícios, um situado no Rio e outro em Belo Horizonte, segundo revelou a repórter especial do Estado de Minas Ana D’Ângelo.25 No Rio, trata-se de um prédio de 13 andaresna Rua Sete de Setembro, 54, centro histórico da cidade. Na capital mineira, outro edifício de 13 pavimentos, na Rua dos Inconfi dentes, 1190, na cara e sofi sticada região da Savassi. Aliás, por um capricho dessapândega senhora chamada história, mesmo endereço onde funciona a agência SPM&B do publicitário Marcos Valério de Souza, personagem que a crônica política projetaria como operador dos mensalões tucano e petista...
    E quem compra as outras duas metades? Segundo a escritura de promessa de compra e venda, descoberta por Ana D’Ângelo, a adquirente é a Consultatum, representada por Ronaldo de Souza, que morreu no ano passado. Como Ronaldo de Souza era sócio de Ricardo Sérgio e, tudo indica, seu testa de ferro, outra maneira de entender o negócio é que o comprador dos dois edifícios inteiros é o ex -caixa de campanha de Serra e FHC. Até porque, como atesta o documento do Cartório do 23o Ofício de Notas, do Rio, a Planefi n e a Consultatum estão situadas na Alameda Santos, 2441, bairro Cerqueira César, em São Paulo. A única diferença é que a Planefi n ocupa a sala 112 e a Consultatum, a 111. Vizinhas de porta. Tudo fica ainda mais saboroso porque Ricardo Sérgio e Ronaldo de Souza trocaram procurações para administrar os imóveis...
    Se quem compra tem praticamente a mesma identidade, do lado de quem vende não é diferente: quem se desfaz do patrimônio, nos dois casos, é a Fundação Petrobrás de Seguridade Social, a Petros, onde o tucanato também manda.
    Capitaneada por Ricardo Sérgio, toda a dinheirama que turbina essa megaoperação imobiliária só poderia ter uma origem: a Citco Building, em Road Town, Ilhas Virgens Britânicas. Aquele mesmo
    éden dos capitais voláteis onde, nos anos 1980, Mr. Big abriu, com a ajuda do advogado norte americano David Spencer, a offshore Andover International Corporation.
    Na década seguinte, no pico das privatizações, o economista tucano volta a operar com intensidade no Caribe. É quando deposita em seu ninho nas Ilhas Virgens Britânicas e mais uma vez com a mão amiga de Spencer, outras duas offshores: a Antar Ventures e Consultatum Corp. Ambas serão ferramentas muito úteis no processo de internação de dinheiro por meio da compra de cotas de
    empresas brasileiras.
    Em 1999, a Antar Ventures adquire R$ 5 milhões em ações da brasileira Antares Participações Ltda., empresa controlada e operada por Ricardo Sérgio e seu sócio Ronaldo de Souza. O dinheiro será aplicado na aquisição de um terreno no bairro paulistano do Morumbi, por R$ 7,1 milhões, pagos à vista. No local foi construído um condomínio de luxo. Já a Consultatum Corp investe na compra de ações das brasileiras Planefin e Consultatum, controladas também pela dupla Ricardo Sérgio e Ronaldo de Souza. O dinheiro servirá para comprar os edifícios da Petros, como se viu acima. A exemplo das operações da Andover, Ricardo Sérgio e Ronaldo de Souza aparecem nos dois lados do contrato: nas empresas do Brasil e nas offshores caribenhas. Esse tipo de processo de internação de valores é facilitado, porque o segredo mantido pelos paraísos fiscais permite a ocultação dos verdadeiros donos dessas firmas de fachada na América Central, que nada mais são do que meras caixas postais. Nas transações em que as empresas do Caribe injetam dinheiro em congêneres brasileiras somente aparece, na maioria das vezes, o nome dos procuradores das offshores. Que são, na verdade, os próprios diretores dos escritórios de paraísos fiscais contratados quase sempre para branquear recursos de procedência obscura ou claramente suspeita.
    O dinheiro do exterior, utilizado nessas transações, ingressa no país por meio de operações de câmbio, sob a justificativa de investimento.
    Assim, a menos que haja uma denúncia, dificilmente é rastreado pelo Banco Central. No BC, o controle de entrada e saída de capitais ocorre por amostragem. Para se ter uma ideia dessa facilidade, apenas 15% das aproximadamente 15 mil operações de câmbio que acontecem diariamente no país são fiscalizadas.
    Na procura exaustiva e interminável do dinheiro da propina das privatizações, ao conversar com juristas, investidores do mercado financeiro e até mesmo banqueiros, descobri outra modalidade de
    internação de dinheiro acionada pelo tucanato. A exemplo das operações descritas acima, essa metodologia implica transações casadas em que os operadores atuam nas duas pontas. Com a diferença de que, em vez das juntas comerciais e dos cartórios, o cenário dessas transações é o nervoso mercado financeiro de São Paulo. De acordo com o tributarista Heleno Torres, geralmente os operadores compravam títulos de moedas podres pelos valores (irrisórios) de face e os resgatavam no exterior por valores superfaturados. A defasagem entre os valores de compra e de venda corresponde, geralmente, ao dinheiro do exterior que retorna ao Brasil. Uma tonelada de papéis enviada pela Promotoria Distrital de Nova York comprova que os fundos de investimentos abertos por bancos brasileiros no Caribe abusavam da engenharia financeira instituída para repatriar
    dinheiro. Integrante do consórcio que agiu e comprou no leilão das telefônicas, o Opportunity Fund, do banqueiro Daniel Dantas, que opera nas Ilhas Cayman, usou dessa artimanha para trazer de volta ao país recursos ocultos em paraísos fiscais.
    Uma resolução denominada Anexo 4 iluminou, para mim, o duto de dinheiro arquitetado pelos fundos de investimento, cujas operações somente são registradas nas bolsas de valores. Assinada na década de 1990 durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a resolução pretendia estimular a atração de capital estrangeiro. Ainda durante a gestão FHC, suas regras foram mais flexibilizadas.
    O Anexo 4 mantém o anonimato dos responsáveis pelos fundos estrangeiros que investem no país.
    Em 2002, ao vasculhar vários processos da Justiça paulista, não demorei a encontrar documentos que evidenciavam as digitais de Mr. Big em uma dessas transações. Analisados por especialistas, os papéis, encontrados na 5ª Vara Cível de São Paulo e reproduzidos na revista IstoE,26 mostram que o ex-tesoureiro de Serra e FHC valeu-se de uma indústria de tecidos, a Calfat, então em estado falimentar, e do Banespa, para lavar e trazer do Brasil US$ 3 milhões das ilhas Cayman. Na época da chamada Operação Banespa, soterrada sob ações judiciais, a Calfat era uma tecelagem de médio porte em processo de liquidação, com sede em São Paulo. Ricardo Sérgio figurava como presidente do seu conselho deliberativo. No final de 1992, o vice-presidente de operações do Banespa, Vladimir Antonio Rioli (ex-sócio de José Serra como será comprovado adiante) autorizou um empréstimo para a Calfat de valor em cruzeiros, a moeda da época, correspondente a R$ 1,7 milhão. O financiamento foi concedido sem qualquer garantia para o banco.
    Como se fosse pouco, Rioli, que controlava o comitê de crédito do Banespa, autorizou operações temerárias no exterior que beneficiariam a Calfat. A empresa teria emitido títulos podres no mercado internacional, posteriormente adquiridos por preços estratosféricos pela própria Calfat, possibilitando o esquentamento e a internação de dinheiro de procedência suspeita.
    Experientes investidores e um banqueiro ficaram assustados ao ler os documentos levantados por mim para a IstoE. Para todos eles, a transação se resumia simplesmente no seguinte: uma simulação de empréstimo com o único pretexto legal para trazer milhões de dólares do Caribe de volta ao Brasil.
    De acordo com os papéis, a operação foi realizada por meio de um instrumento denominado Contrato Particular de Emissão e Colocação de Títulos no Exterior (Fixe Rates Notes). Ao lerem a documentação, alguns especialistas acharam absurdo constatar o envolvimento de uma empresa falida numa operação desse porte. De acordo com eles, esse tipo de transação, de tão sofisticada que é, torna-se exclusividade de empresas de grande porte, como a Vale do Rio Doce e a Petrobrás.
    26 idem.

    Para realizar operações como essas, as empresas devem possuir, antes de tudo, muita credibilidade, equipe especializada e um contingente de interessados para os seus papéis que ficam armazenados numa casa de custódia. Com todo esse suporte, essas empresas conseguem obter empréstimos a juros baixos no exterior por meio da emissão de títulos.
    Nada, rigorosamente, a ver com o perfil da Calfat. Além de falida, a Calfat era ignorada no exterior. E tampouco o Banespa, enredado em escândalos, tinha crédito para realizar essas operações.
    Em outras palavras, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil conseguiu transformar cascalho de péssima qualidade (títulos podres) em ouro puro (títulos disputados no exterior por empresas de grande porte). Uma missão nada impossível para o mandrake das privatizações, que só conseguia fazer mágicas como essas graças ao trânsito que tinha no alto tucanato.
    Acostumado a atuar em transações mirabolantes, Ricardo Sérgio deixou também seu rastro na engenharia que fomentou a lavanderia do Banestado, frequentada por doleiros, para enviar US$ 30 bilhões ao exterior entre os anos de 1998 e 2002, conforme laudo dos peritos criminais Renato Barbosa e Eurico Montenegro, os dois da Polícia Federal. Na condição de diretor da área internacional do Banco do Brasil, Mr. Big baixou, em 1998, uma portaria que permitia a quatro
    bancos paraguaios abrir contas CC-5 (contas de domiciliados estrangeiros) em quatro bancos brasileiros e vice-versa. A medida pretendia facilitar a vida de comerciantes de Foz do Iguaçu (PR) que mantinham comércio no Paraguai e eram obrigados a atravessar a fronteira com o dinheiro proveniente da venda de seus produtos em carros fortes. Com a portaria, os bancos paraguaios passaram a transferir o dinheiro arrecadado no comércio diretamente para a conta dos comerciantes no país. O dinheiro era depositado no Banco do Paraguai que o repassava para seu destino bancário no país.
    Mas o montante movimentado pelo comércio, desde o início do processo, mostrou-se pífio. O grosso da dinheirama era movido mesmo por conta de laranjas contratados por doleiros. Com o detalhe de que, em vez de ingressar no país, o dinheiro tomava outro rumo: as contas abertas por doleiros na agência do Banestado, em Nova York. Geralmente, estas contas estavam em nome de offshores, por sua vez abertas pelo nosso conhecido, o advogado David Spencer, nas Ilhas Virgens Britânicas.
    Os manuais de lavagem de dinheiro ensinam que, quanto mais o dinheiro roda, mais penoso torna-se seu rastreamento. Os doleiros do Banestado seguiam esse mandamento religiosamente. Ao cair no Banestado, o dinheiro contaminado pela sua origem rodava em várias contas de doleiros no mesmo banco antes de seguir viagem para as contas da Beacon Hill — megaescritório de lavagem de dinheiro em Nova York — e outras contas sujas abertas em outros bancos norte  americanos. Só então todo o butim da corrupção e do narcotráfico seguia para os paraísos fiscais onde permanecia escondido ou voltava para o país, valendo  se das operações descritas acima. Esse foi o roteiro usado pelo banqueiro Daniel Dantas para levar os milhões do Opportunity Fund para o Caribe. E que, depois, retornariam em operações na Bolsa de Valores. Além do banco de Dantas, o Fonte Cindam — cujo nome identifica outro escândalo financeiro — que tinha seus laços com a equipe econômica de FHC, também é acusado de recorrer ao duto comprometedor do Banestado para lavar dinheiro por meio de seu fundo, o Cindam Brazil Fund.
    Parceiro de Dantas no processo de privatização, Ricardo Sérgio lançou mão do mesmo estratagema para movimentar recursos no exterior. Com 1.057 páginas, o relatório dos peritos da PF mostra que Mr. Big usava dois doleiros de peso para levar seus recursos até a agência do Banestado em Nova York: Alberto Youssef — que também prestou o mesmo serviço para o contrabandista João Arcanjo Ribeiro27 e Dario Messer, acusado de levar para a Suíça os R$ 20 milhões desviados.

    pela “Máfia dos Fiscais” do Rio de Janeiro.27 Conhecido como Comendador Arcanjo, o criminoso foi preso em abril de 2003 quase dois anos depois de o autor ter publicado em O Globo a reportagem “O comendador do bicho”. Condenado por vários crimes, Arcanjo, que cumpre pena no presídio federal de Campo Grande (MS), enviou mais de R$ 50 milhões ao exterior por meio do Banestado.

    Em quatro anos, entre 1996 e 2000, Mr. Big teria remetido ao exterior uma montanha de dinheiro com a altitude de US$ 20 milhões. Para os peritos federais, todo o dinheiro enviado por Ricardo Sérgio dormia inicialmente em várias contas abertas por Messer e Youssef na agência nova  iorquina do Banestado. Novamente, as contas eram abertas em nome de offshores, com o apoio de David Spencer e ancoradas no escritório da Citco nas Ilhas Virgens Britânicas. Era incumbência de Spencer — que opera para Mr. Big desde os anos 1980 — também a abertura das contas dessas offshores na agência do Banestado e em outros bancos de Nova York. A documentação expõe, por exemplo, a participação do advogado na abertura da conta da offshore June Internacional Corporation, operada por Youssef no Banestado nova iorquino. Do Banestado, a grana do ex diretor
    do banco fazia uma escala em outras contas abertas no MTB Bank e outros bancos operados pelos doleiros da Beacon Hill. Era o último porto do dinheiro antes da revoada para as contas de Ricardo Sérgio, João Madeiro da Costa, o homem de Mr. Big na Previ, e Ronaldo de Souza em Miami ou nas Ilhas Virgens Britânicas.
    Os milhões remetidos via Banestado — ou parte deles — desembarcariam no Brasil devidamente lavados e tripulando uma conta onibus alimentada por diversas offshores. Bafejado por parcela dessa grana, Madeiro da Costa teria adquirido, por US$ 2 milhões, um superapartamento no Rio. Mas quem aparece como adquirente é a RioTrading, outra empresa das Ilhas Virgens Britânicas, cujo procurador é o próprio advogado do ex dirigente da Previ.
    Madeiro da Costa não demorou a aprender com o mestre Ricardo Sérgio a metodologia tucana de internação de dinheiro por meio de offshores abertas em paraísos fiscais. Só que, ao contrário das offshores de Ricardo Sérgio e Alexandre Bourgeois, que internavam dinheiro simulando a aquisição de cotas de empresas no Brasil (que, na verdade, eram deles mesmos), as offshores do ex-dirigente
    da Previ tinham outra serventia. Eram usadas na compra de apartamentos, carros e outros bens no país. Embora eficaz, o processo não possui nenhum pioneirismo.
    De acordo com os autos judiciais, este era o modo preferido, por exemplo, pelo juiz Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho, de São Paulo. Condenado a 26 anos de prisão pelo desvio de R$ 169 milhões das obras do prédio do TRT, era assim que “Lalau” escondia seu patrimônio. Ele abriu diversas offshores, conhecidas como safis, no Uruguai, paraíso fiscal da América do Sul. Logo depois da abertura, as safis tornavam-se sócias de uma agência de carros de “Lalau”, que adquiria Porsches e outros carros importados. O Ministério Público Federal (MPF) acredita que a maior parte do montante surrupiado das obras do TRT paulista retornou ao país via Uruguai por meio dessas safis. A trajetória de Ricardo Sérgio na função pública rendeu-lhe dinheiro e sucesso, mas também uma saraivada de processos judiciais.
    Em março de 2010, por exemplo, sofreu uma derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A corte manteve a ação de improbidade administrativa contra ele e o ex presidente do BB, Paulo César Ximenes. Os dois são acusados de beneficiar indevidamente com empréstimos a empresa Silex Trading, de Roberto Giannetti da Fonseca, ex-integrante da equipe econômica do governo FHC.
    Em abril de 2010, o STJ rejeitou mandato de segurança impetrado por Mr. Big em outra ação. Ele pretendia invalidar decisão da 9ª.
    Câmara do 1o Tribunal de Alçada Civil/SP. A sentença obrigou o a assumir a dívida da empresa Garance Textile S.A., da qual é sócio. A Garance teria aplicado um golpe na venda de ações da Eletrobrás para a empresa Mar y Mar. Chama a atenção que, no passado, a Garance chamou-se Calfat, aquela mesma empresa que ajudou o ex diretor do Banco do Brasil a internar US$ 3 milhões que estavam depositados nas Ilhas Cayman. A Calfat foi executada em outro processo movido pela Rhodia em 2000 na Justiça de Säo Paulo. Mais uma vez, Ricardo Sérgio foi chamado a pagar pelos prejuízos causados, desta vez à Rhodia, pela falida Calfat. A dívida foi executada pela Justiça, que decretou a quebra de sigilo fiscal, exercício de 1998, de Ricardo Sérgio.
    Ele dizia não ter recursos para quitar o débito. A decisão judicial escancarou os segredos de Mr. Big no exterior. Ficaram expostas, pela primeira vez, no processo, que não correu sob segredo de Justiça, as ligações de Ricardo Sérgio com a Franton Interprise Inc., empresa com sede em Nova York, alimentada por doleiros do Banestado.
    Em 2006, Ricardo Sérgio e mais seis ex diretores do BB foram condenados, na 12ª. Vara Federal de Brasília, a sete anos de prisão, mais pagamento de multa, por gestão temerária. O crime foi aliviar a vida da empreiteira Encol, um nome que, até hoje, provoca calafrios nos adquirentes de apartamentos na planta Brasil afora. Em 1999, a falência da maior construtora do país, comandada pelo empresário Pedro Paulo de Souza, deixou 26 mil compradores de imóveis na rua da amargura, sem casa, sem dinheiro e sem esperança. Cerca de R$ 1,5 bilhão teria sido tragado pelo caixa 2 do grupo. Por coincidência — mais uma neste jardim de coincidências em flor — a Encol possuía cinco empresas no exterior, três das quais nas Ilhas Virgens Britânicas...
    Já em 1995, a Encol arfava debaixo de uma dívida multimilionária contraída na praça, sendo o Banco do Brasil um de seus maiores credores. Entretanto, isto não foi suficiente para desestimular a direção tucana do BB a prosseguir enterrando dinheiro público em um poço sem fundo. Na sua sentença, o juiz federal Clóvis Barbosa de Siqueira registrou nove irregularidades, entre elas a liberação da hipoteca de um hotel em construção, que valia R$ 55 milhões, em troca do pagamento de R$ 17,3 milhões pela Encol.
    O papel de articulador no consórcio das empresas acabou levando Ricardo Sérgio a tornar-se também réu em duas ações de improbidade administrativa e em um processo criminal que tramitaram na Justiça do Rio e de Brasília. Esses processos eram fundamentados, entre outros documentos, por um relatório do Banco Central. Nele, o ex-tesoureiro de Serra e de FHC, além de outros tucanos, eram acusados de favorecer a entrada do Banco Opportunity em um consórcio para disputar o leilão da Telebrás.
    O relato aponta que a carta de fiança do Banco do Brasil, no valor de R$ 847 milhões, que permitiu à Solpart Participações, empresa do Grupo Opportunity, ingressar na disputa, estava crivada de irregularidades. Em suas 50 páginas, os relatores afirmam que a Solpart, além de não oferecer nenhuma garantia ao banco estatal, teria sido fundada um mês antes do leilão com o capital irrisório de R$ 1 mil. Para o BB, isto indicaria que o banco não teria condições de quitar a dívida. O relatório afirma que Ricardo Sérgio mentiu ao dizer que não havia nenhum risco na operação. Na avaliação dos auditores, o ex-tesoureiro de Serra poderia detectar os riscos com uma simples consulta, que indicaria que a conta da empresa havia sido aberta no BB apenas cinco dias antes do leilão. Apesar das evidências contidas em relatórios e outras provas reunidas pelo MPF, as ações de improbidade contra Ricardo Sérgio prescreveram sem que a Justiça ao menos analisasse os autos do processo. O mesmo destino teve uma ação penal em que Ricardo Sérgio e o ex-ministro da Casa Civil, Pedro Parente, eram acusados de gestão temerária.
    Em novembro do ano passado, Ricardo Sérgio obteve uma vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e conseguiu trancar o processo.
    Segundo a relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a ação aponta uma conduta culposa dos réus, que “teriam agido displicentemente e sem a atenção devida”. No entanto, de acordo com a mesma ministra, o crime de gestão temerária só prevê a modalidade dolosa. Mr. Big, portanto, continua livre para tocar seus negócios e viver aquilo que a vida tem de melhor.

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