18 de out. de 2011

Desmistificando Maquiavel


Desmistificando Maquiavel
Ensaio acerca de sua história, obras e conceitos


Angela Birardi
Gláucia Rodrigues Castelani

"Minha opinião é de que é melhorser ousado que prudente".

INTRODUÇÃO


Nosso objetivo, neste pequeno ensaio, é apresentar ao leitor a vida e obra de um dos maiores pensadores da Época Moderna, inovador em seu entendimento da Política e que até hoje influencia gerações de pensadores de diversas áreas de conhecimento. Tentaremos, a partir de sua análise da mais importante e conhecida obra - O Príncipe - do secretário florentino Nicolau Maquiavel, entender e esclarecer as polêmicas teorias do pensamento "maquiavélico". Para tanto, nosso intuito no presente texto será fazer uma análise sem lançar mão de conceitos pré-concebidos (como a idéia geral da imoralidade política que se tem sobre sua obra).

Parque Michelangelo - Florença
Esperamos que o leitor possa desfrutar desse trabalho que aqui introduzimos e que, a partir dele, tenha interesse em conhecer a obra desse pensador - considerado "o fundador da Ciência Política Moderna".
 
FLORENÇA NA ÉPOCA DE NICOLAU MAQUIAVEL
 
 


Nicolau Maquiavel
"O homem prudente deve seguir
sempre as vias traçadas pelos
grandes personagens…".
  A obra que será aqui analisada é um dos livros mais conhecidos e estudados de todos os tempos. E não apenas isso: as análises que constam nele revolucionaram toda a teoria política. A obra de que estamos falando é O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Está obra contém ensinamentos políticos de como um príncipe deve governar e quais as estratégias que deve usar para manter o seu Estado.
Maquiavel concluiu O Príncipe entre a primavera e o outono de 1513, na cidade italiana de San Casciano. Tudo o que aprendera através da leitura dos homens ilustres do passado e a serviço da república florentina fundiu-se numa filosofia prática e simples, mas profunda. 
Quando ele pensa nos assuntos políticos, faz uma ligação entre autores antigos e as experiências do mundo moderno. Como resultado de tudo isso temos O Príncipe, que traz ensinamentos de como conquistar Estados e conservá-los sob domínio. Trata-se de um manual para governantes.
 


Henrique VIII
O Príncipe foi dedicado a Lourenço II (1492-1519), potentado da família dos Médicis e duque de Urbino, mas ele não teve tempo de aprender-lhe as lições, pois faleceu logo depois. Porém, outros souberam aproveitá-lo, como o caso do monarca inglês Henrique VIII e o de Catarina de Médicis, rainha-mãe da França, que teria seguido os ensinamentos de Maquiavel ao jogar católicos contra protestantes e ordenar o famoso massacre de 1572. Com isso manteve a soberania para os filhos, indolentes e incapazes de agir maquiavelicamente como a mãe. 

Catarina de Médicis
Ela era filha de Lourenço, ao qual tinha sido dedicada a obra que certamente leu interessada.
"Essas e outras histórias de ardis, assassinatos e espoliações de governantes têm sido atribuídas à inspiração de O Príncipe, e chegam a ter algum valor para compreender-lhe o significado. Mas, freqüentemente, servem a penas para deformar-lhes o conteúdo mais profundo e a relevância dentro da história das idéias. Conteúdo e relevância que só podem ser apreendidos quando se conhecem as circunstâncias em que a obra veio à luz, dentro do quadro da vida pessoal do autor e das coordenadas econômicas, sociais e políticas da Europa dos séculos XV e XVI. A essa condições vincula-se a situação especial da Itália, pátria de Maquiavel." (MAQUIAVEL. 1996)
 

Na Itália do Renascimento reinava grande confusão. A tirania imperava em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise e instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a posição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado deste para aquele senhor. Nem a religião, a tradição ou a vontade popular legitimam o soberano, e assim ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade de ocupar.

A Itália fragmentada no Renascimento
"Os condottiere são hábeis nisso. Especialistas na técnica militar, aventureiros e filhos da fortuna, vendem serviço de segurança e conquista ao príncipe que melhor pague. Os pequenos Estados não têm recursos para financiar tropas regulares e não é politicamente possível a criação de exército, pois isso implicava entrega das armas ao povo, fato perigoso para governantes de populações descontentes. Os condottiere adquirem importância crescente e alguns conquistam principados para si e estabelecem alianças com reis, cardeais e papas.
Esse panorama fluido e mutável, de um país dividido em múltiplos Estados, contrasta com a situação da maior parte da Europa ocidental, em que alguns governos enfeixam todo o poder. A Itália sofre as conseqüências de um permanente intervencionismo. Os principados italianos apelam freqüentemente para as monarquias absolutas européias, a fim de solucionar as disputas internas; com isso a Itália torna-se vítima impotente. Alguns pequenos Estados sofrem a soberania do Império Germânico, e França e Espanha disputam a posse de vários de seus territórios." (MAQUIAVEL. 1996)
 

É estranho que tudo isso acontecesse num país cuja economia tinha conhecido muito antes as formas responsáveis pelo poderio espanhol, francês e inglês. Na verdade, o capitalismo comercial já tinha quase dois séculos na Itália quando surgiu nos demais países e fundamentou as monarquias absolutistas. Mas seu desenvolvimento na península foi diferente e a congelação do capitalismo italiano parece ter resultado do próprio êxito econômico, expressado sob a forma de uma expansão bem sucedida do capital mercantil e financeiro. A nascente economia comercial italiana, a partir do século XI, articulava-se com o mundo feudal circulante, estreitando vínculos de dependência recíproca.

Duomo de Florença
A clientela era constituída pela Igreja, Estados feudais, grandes senhores de terras, cortes aristocráticas e camadas superiores da burguesia, assim como pelas coroas representativas dos interesses dos novos Estados nacionais europeus. As necessidades de consumos desses setores especializaram a economia na produção de tecidos caros, no comércio de especiarias do Oriente e nos negócios bancários com os potentados dos demais países. Essa solidariedade entre a economia italiana e as condições e contradições características da Europa medieval acarretará sua ruína, quando ocorrer a decadência da ordem feudal. Por outro lado, a relativa facilidade com que os senhores feudais são afastados do poder nos núcleos burgueses mais fortes elimina a necessidade de unificação nacional como tarefa socialmente necessária. A burguesia dispensa o monarca como peça essencial para submeter os senhores feudais, como ocorreu no caso clássico da França. Ela mesma se concebe como aristocracia reinante, mas a organização estatal resultante sofre de uma debilidade insanável, mostrando-se totalmente incapaz de fazer frente aos gigantescos aparelhos de Estado, em vias de aparecimento.
A produção manufatureira, instalada nos territórios dos antigos clientes italianos, procura ampliar mercados, abaixando os preços dos produtos e estabelecendo medidas de rígida política protecionista. Apesar disso, a decadência acentua-se, especialmente depois da queda de Constantinopla para os turcos, em 1453, e da descoberta do caminho marítimo para as Índias em 1494, acontecimento que deu primazia aos portugueses e espanhóis no comércio com o Oriente.
A fraqueza militar e política da península, já no começo do século XIV, representa forte impedimento para expansão e acumulação de capital. Periodicamente, organizam-se progrons antilombardos e as cidades italianas não têm como se garantir das declarações de falência dos reis europeus. A Itália é, assim, desarmada política, militar e institucionalmente pelo anacronismo da organização das cidades-Estado e pela ausência de liderança central incontrastável. A essas razões acrescenta-se a política temporal do papado que, não sendo suficientemente forte para reduzir todos os Estados ao seu domínio, não é também tão fraca a ponto de impedir a unificação, através da figura de um príncipe secular.
No século XV são evidentes os sintomas da decadência. Florença envia seu último navio para a Inglaterra em 1480. Lourenço, o Magnífico (1449-1492), e Júlio de Médicis (1453-1478) instalam manufaturas de lanifício no arquipélago britânico e 33 barcos florentinos transferem suas sedes para Lyon, na França.
É nesse panorama de crise econômica que nasce Nicolau Maquiavel, no dia 3 de maio de 1469, filho de Bernardo, advogado pertencente aos ramos mais pobres da aristocracia toscana. Do fim da sua adolescência em diante sua biografia confunde-se com a história de Florença e da Itália, da qual não pode ser desligada sob pena de não ser possível compreender-lhe o significado.
Em 1594 quando os Médicis são expulsos de Florença e instala-se o severo regime republicano do monge Savonarola, Maquiavel inicia-se na vida pública trabalhando na chancelaria em cargos de pouca importância. Quatro anos depois, a oposição interna, sustentada pelo papa Alexandre VI, depõe, enforca e queima Savonarola, e Maquiavel é indicado para o posto de Segundo Chanceler da República.
Como funcionário permanente, é mero executor das decisões dos ottimati, em nome dos quais administra os negócios e relações externas da república. É comissionado no conselho dos dez da guerra e enfrenta os problemas decorrentes da decadência do império florentino em relação às cidades vizinhas, apoiadas por potências estrangeiras. Especialmente importante é a longa guerra contra Pisa, bastião comercial e principal escoadouro dos produtos de Florença. O episódio mais marcante do conflito é o da participação do condottiere Paolo Vitelli, comandante das tropas florentinas. Depois de algumas vitórias significativas, Vitelli detém-se às portas da cidade inimiga. Alega razões de conveniência militar e nega todas as acusações de ter-se vendido aos pisanos, mas, apesar dos protestos de inocência, é executado.
"A ‘questão Vitelli’ suscita pela primeira vez um dos temas permanentes da obra de Maquiavel: a necessidade de organização de uma milícia nacional, formada por soldados locais disciplinados. A soberania política - pensa ele - depende de exército próprio, constituído por soldados leais a convencidos de que lutam pela causa da pátria." (MAQUIAVEL. 1996)
Em setembro do mesmo ano do ataque frustado a Pisa celebra-se finalmente a paz entre Florença e França, que até então apoiava Pisa, mas agora necessitava de mãos livres para dominar o reino de Nápoles. Ao mesmo tempo, a intrincada política italiana da Renascença faz com que os franceses se aliem também ao papado, pondo em cheque os interesses florentinos em Rimini, Pesaro, Urbino, Faenza e Imola. Apesar disso, em 1499, as tropas franco-florentinas atacam e sitiam Pisa, mas não conseguem a vitória. O soberano francês, Luís XIII, atribui o fracasso à estreiteza da burguesia de Florença, incapaz de cuidar devidamente do aprovisionamento das forças, e Maquiavel é enviado à corte do monarca, como assessor de Francesco della Casa. Com os franceses aprende como era insignificante o peso de um Estado pequeno como Florença nas relações internacionais e, principalmente, que se deve confiar pouco em aliados demasiadamente poderosos.
 


Cesare de Bórgia
Outras embaixadas seriam feitas pelo secretário florentino, junto a Cesare Bórgia (1475-1507) e ao papa Júlio II, e com ambos aprenderia também lições fundamenteis sobre a ciência e a técnica da política: Cesare Bórgia, filho do papa Alexandre VI e poderoso condottiere, invade Faenza em 1501 e avança sobre Florença, exigindo o retorno dos Médicis e um contrato como defensor da cidade. O território florentino do Val de Chiana se subleva e facilita a entrada do invasor. Enquanto isso, os aliados franceses hesitam em socorrer Florença e a república ameaçada envia Maquiavel, juntamente com Francesco Soderini, bispo de Volterra, para parlamentar e ganhar tempo de invasor. Finalmente as tropas francesas decidem intervir e as forças do condottiere abandonam os territórios ocupados.
"O episódio tem grande importância para Maquiavel, porque foi o primeiro encontro com aquele que viria a ser o modelo de O Príncipe e por fazer germinar uma parte de sua produção teórica posterior. Encarregado de fazer um relatório sobre como tratar os revoltos do Val de Chiana, Maquiavel afirma ser a história a mestra dos atos humanos, especialmente dos governantes, e que o mundo sempre foi habitado por homens com as mesmas paixões, sempre existindo governantes e governados, bons e maus súditos. Aqueles que se rebelam devem, portanto, ser punidos." (MAQUIAVEL. 1996)
 


Casa de Maquiavel em San Casciano
"A despeito da criação das milícias e de todo o empenho de seu chanceler, a carreira política de Maquiavel estava para sofrer sério abalo. Enquanto Florença alia-se aos franceses, o papado inclina-se pela Espanha e a oposição de interesses tem como resultado a derrocada dos governantes da cidade. Um pequeno exército cerca Florença e, ao mesmo tempo, eclode um levante interno pelo retorno dos Médicis. O golfanoleiro Piero Soderini é destituído do poder e Maquiavel não tem mais lugar na nova ordem das coisas. É preso, torturado, acusado de sedição e confinado em sua propriedade particular em San Casciano." (MAQUIAVEL. 1996) Em San Casciano, Maquiavel procura reconquistar os favores da família que reassumira o poder; escreve O Príncipe e o dedica a Lourenço de Médicis. Não atinge o intento na extensão desejada, mas de qualquer forma consegue voltar para Florença.
Em 1527, o saque de Roma pelas forças do imperador Carlos V, do Sacro Império, liberta Florença do jugo dos Médicis. O acontecimento é saudado por Maquiavel, que via nele a possibilidade de voltar ao comando da chancelaria. Mas os novos poderosos da república esqueceram-se do amor que ele sempre teve pela cidade e por sua liberdade. Foi o último de seus desapontamentos. Falece no dia 21 de junho de 1527.
 
ANÁLISE GERAL DA OBRA - O PRÌNCÍPE
 
 

"Toda ação é designada em termos
do fim que se procura atingir".
  O Príncipe é dirigido a um príncipe que esteja governando um Estado e o aconselha sobre como manter seu governo da forma mais eficiente possível. Essa eficiência é a ciência política de Maquiavel.
Ele começa descrevendo os diferentes tipos de Estado e como cada tipo afeta a forma de governo do príncipe. Também ensina como um príncipe pode conquistar um Estado e manter o domínio sobre ele. Por exemplo, no caso dos principados hereditários, por já estarem afeiçoados à família do príncipe, é mais fácil de mantê-los: é só continuar agindo de acordo com seus antecessores. E mesmo que o príncipe não seja bom e acabe perdendo o Estado, ele o readquire por pior que seja o ocupante.
Entretanto, o difícil é manter os principados novos que na verdade não são novos, e sim mistos por terem sido incorporados a um Estado hereditário. Diz que "as sua variações nascem principalmente de uma dificuldade comum a todos os principados novos, a saber, que os homens mudam de boa vontade de senhor, supondo melhorar, e estas crenças os fazem tomar armas contra o senhor atual. De fato, enganam-se e vêem por experiência própria haverem piorado. Isso depende de outra necessidade natural e ordinária que faz com que um novo príncipe careça ofender os novos súditos com a sua tropa e por meio de infindas injúrias, que acarreta uma recente conquista." (MAQUIAVEL. 1996) Portanto, são inimigos do príncipe todas as pessoas que se sentiram ofendidas com a ocupação do principado. Também não se pode ter como amigo aqueles que o colocaram ali, pois estes não podem ser satisfeitos como pensavam. Porém é necessário ter cuidados e não usar contra eles "remédios fortes", pois o príncipe depende deles, e mesmo que tenha um exército forte é necessário a ajuda dos habitantes para entrar numa província.
É interessante notar que Maquiavel apresenta os problemas e as dificuldades, e isso tudo é demonstrado de uma forma que perece não haver solução. Porém, logo em seguida ele apresenta não só a solução para os problemas como também conselhos, os quais o governante deve seguir se quiser ser bem sucedido. Seguindo o mesmo raciocínio, se um príncipe anexa um Estado a outro mais antigo, e sendo este da mesma província e da mesma língua, ele será facilmente conquistado. Porém, para mantê-lo deve-se extinguir o sangue do antigo governante e não alterar as leis nem os impostos. Agindo dessa forma, em pouco tempo está feita a união ao antigo Estado.
No entanto, surgem dificuldades quando se conquista uma província de costumes, língua e leis diferentes. Nesse caso é preciso que o príncipe tenha habilidade e sorte. O melhor é ir o príncipe habitá-la, pois assim poderá perceber os problemas e tentar solucioná-los mais rapidamente. E estando o príncipe mais perto, os súditos ficam satisfeitos, os ataques externos serão mais raros e é muito mais difícil o príncipe perder a província, mas ele não fizer nada disso ele só terá notícias delas quando esta já estiver perdida.
"Outro remédio eficaz é organizar colônias, em um ou dois lugares, as quais serão uma espécie de grilhões postos à província, pois é necessário fazer isso, ou ter lá muita força armada. Com as colônias não se gasta muito, e sem grandes despesas podem ser feitas e mantidas. Os únicos prejudicados com elas serão aqueles a quem se tomam os campos e as casas, para dá-los aos novos habitantes. Mas os prejudicados sendo minoria na população do Estado, e dispersos e reduzidos à pobreza, não poderão causar dano ao príncipe, e os outros que não foram prejudicados deverão por isso aquietar-se, por medo de que lhes aconteça o mesmo. Enfim, acho que essas colônias não custam muito e são fiéis; ofendem menos, e também os ofendidos não podem ser nocivos ao príncipe, como se explicou acima. Deve-se notar que os homens devem ser mimados ou exterminados, pois se se vingam de ofensas leves, das graves já não podem fazê-lo. Assim, a injúria que se faz de ser tal, que não se tema a vingança.
Mas conservando, em vez de colônias, força armada, gasta-se muito mais, e tem de ser despendida nela toda a receita da província. A conquista torna-se, pois, perda, e ofende muito mais, porque prejudica todo o Estado com as mudanças de alojamento das tropas. Estes incômodos todos os sentem, e todos por fim se tornam inimigos que podem fazer mal, ainda batido na própria casa, por estas razões, pois, é inútil conservar força armada, ao contrário de manter colônias.
Também numa província diferente por línguas, costumes e leis, faça-se o príncipe de chefe e defensor dos mais fracos, e trate de enfraquecer os poderosos da própria província, além de guarda-se de que entre por a caso um estrangeiro tão poderoso quanto ele." (MAQUIAVEL. 1996)
A passagem do livro citada acima é uma das mais interessantes, engraçadas e que ao mesmo tempo não deixa de ser contemporânea. Como se pode notar, o autor pensou nos mínimos detalhes para que o príncipe seja bem sucedido na sua conquista. E o mais interessante é que nesses parágrafos pode-se perceber que, de acordo com os seus ensinamentos, os fins justificam os meios, muito embora isso não esteja escrito dessa forma. Entretanto, quando Maquiavel afirma que quando se utiliza as colônias os únicos prejudicados serão aqueles que perderem suas terras, mas estes sendo minoria não poderão prejudicar o príncipe, ou seja, o meio utilizado para se fazer as colônias pode até não ser o mais correto, mas se o fim for bom, o meio foi justificado. Um outro ponto interessante é quando o autor diz que o príncipe deve se fazer defensor dos mais fracos. O que na verdade ocorre hoje em dia, pois muitos políticos se utilizam dessa tática para conquistar a confiança do povo e conseguir mais votos.
No caso de Estados que antes de serem conquistados estavam habituados a reger-se por leis próprias e em liberdade, existem três formas, segundo Maquiavel, de manter sua posse: arruiná-los, ir habitá-los ou deixá-los viver com suas leis, arrecadando um tributo e criar um governo de poucos. No entanto, Maquiavel chega a ser até engraçado ao dizer que "em verdade não há garantia de posse mais segura do que a ruína". Segundo ele, o príncipe que se torna senhor de um Estado tradicionalmente livre e não o destrói será destruído.
 

Um outro detalhe muito importante que pode ser percebido no decorrer de toda obra são os exemplos históricos. Maquiavel fundamenta toda a sua teoria na história dos grandes homens e dos grandes feitos do passado. Segundo ele, "…os homens trilham quase sempre estradas já percorridas. Um homem prudente deve assim escolher os caminhos já percorridos pelos grandes homens e imitá-los; assim, mesmo que não seja possível seguir fielmente esse caminho, nem pela imitação alcançar totalmente as virtudes dos grandes, sempre se aproveita muita coisa". (MAQUIAVEL. 1996) O mais interessante é que, através desses exemplos, ele comprova tudo o que está sendo dito e convence o leitor com os seus argumentos que são muito pertinentes e se encaixam perfeitamente no que ele está querendo dizer.

Ponte sobre o Rio Arno, em Florença
Outro aspecto marcante de sua obra é quando são tratados os meios de se tornar príncipe, que podem ser dois: pelo valor ou pela fortuna. Entretanto ele adverte que aqueles que se tornaram príncipes pela fortuna tem muita dificuldade para se manter no poder. Porém, a fortuna e o valor não são as únicas formas de se tornar príncipe. Existem outras duas: pela maldade e por mercê do favor de seus conterrâneos, mas Maquiavel diz que os príncipes que realizaram matanças e não tem nem piedade nem religião, podem até conquistar o mando, mas não a glória.
Analisaremos agora a parte da obra relacionada aos gêneros de milícia. De acordo com Maquiavel, é necessário a um príncipe estabelecer sólidos fundamentos; sem isso, segundo ele, é certa a sua ruína. As principais bases que os Estados têm são boas leis e boas armas. E as forças com que um príncipe mantém o seu Estado são próprias ou mercenárias, auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são úteis e perigosas. Se algum príncipe tiver o seu Estado apoiado em tal classe de forças, não estará nunca seguro, porque essas tropas são ambiciosas, indisciplinadas, infiéis, são insolentes para com os amigos e covardes perante os inimigos. Isso porque o que as mantém em campo não é o amor, mas sim um pequeno pagamento. Segundo Maquiavel, um dos problemas da Itália é ter sido governada muitos anos com armas mercenárias.
Com relação às tropas auxiliares, de acordo com o autor, não são mais do que tropas inúteis e quem valha-se dessas tropas quem não quiser vencer, pois elas são mais perigosas do que as mercenárias. Para Maquiavel, os príncipes prudentes sempre repeliram tais forças, para valer-se das suas próprias, preferindo antes perder com estas a vencer com o auxilio das outras, considerando falsa a vitória com forças alheias. O príncipe não deve, pois ter outro objetivo nem outro pensamento a não ser a guerra por ser esta a única arte que se espera de quem comanda.
O príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel. Daí surge uma questão muito debatida: é melhor ser amado ou temido? A resposta de Maquiavel é que o melhor é ser as duas coisas, mas como é difícil reunir ao mesmo tempo essas duas qualidades, é muito melhor ser temido do que amado, quando se tenha que falhar numa das duas. "Os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, devido a serem os homens pérfidos é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca. Deve portanto o príncipe fazer-se temer de maneira que, se não se fizer amado, pelo menos evite o ódio". (MAQUIAVEL. 1996)
Maquiavel faleceu sem ter visto realizados os ideais pelos quais se bateu durante toda a vida. Também não viu concretizado, enquanto viveu, o ideal de uma Itália poderosa e unificada. Deixou, porém, um valioso legado: o conjunto de idéias elaborados em cinco ou seis anos de meditação forçada pelo exílio. O objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada em termo de prática humana concreta, e o centro maior de seu interesse é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado. Não se trata de estudar o tipo ideal de Estado, mas compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.
Talvez nem ele mesmo soubesse avaliar a importância desses pensamentos dentro do panorama mais amplo da história, pois especulou sempre sobre os problemas mais imediatos que se apresentavam. Apesar disso, revolucionou a história das idéias políticas, constituindo um marco que a dividiu em duas fases distintas.
 
ANÁLISE DOS CONCEITOS
"Se ensinei aos príncipes de que
modo se estabelece a tirania, ao
mesmo tempo mostrarei ao povo os
meios para dela se defender".
"É necessário ser príncipe para
conhecer perfeitamente a natureza
do povo, e pertencer ao povo para
conhecer a natureza dos príncipes".


É nesse contexto de instabilidade política que o humanista Nicolau Maquiavel formula em 1513 os conceitos da obra – O Príncipe, o que lhe garantiu o título de fundador da Ciência Política Moderna, pois, sob as luzes renascentistas, tal obra representou um marco das Ciências Humanas. Ao delinear tais ensaios políticos, Maquiavel rompe com a tradição humanista baseada no abstrato, ou seja, em conceitos ideais de sociedade. Esse rompimento com o pensamento político anterior (escolástica) é caracterizado pela defesa do método empírico, isto é, o objetivo de suas reflexões é a realidade política, pensada em termos da prática humana concreta. O enfoque de suas análises é o estudo do poder formalizado na instituição do Estado.
 


Maquiavel escrevendo O Príncipe
em sua biblioteca particular
Contudo, esse exame empírico depende de uma filosofia da história baseada no princípio de que o fenômeno histórico não é linear, mas constituído por ciclos. Ou seja, Maquiavel acredita que a observação dos fatos passados é essencial para o estudo do presente. Baseando-se nesse princípio, Maquiavel retornará ao passado clássico greco-romano exemplificando os processos históricos. Tal concepção do acontecer histórico complementa-se com uma compreensão da psicologia humana. Nesse sentido, Maquiavel determina as causas da prosperidade e decadência dos Estados antigos, compondo assim, um modelo analítico para o estudo das sociedades contemporâneas, sem contudo desprezar as peculiaridades da circunstância sob a qual se pretende agir. Os elementos básicos definidores do método maquiavélico são: Utilitarismo – "Escrever coisa útil para quem, a entenda; Empirismo – "Procurar a verdade efetiva das coisas"; Antiutopismo – "Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos"; Realismo – "Aquele que abandona aquilo que se faz por aquilo que se deveria fazer, conhece antes a ruína do que a própria preservação".  Em síntese, O Príncipe é um manual para governantes que visa a auxiliar um novo príncipe a manter o poder e o controle no seu Estado. Apresenta exemplos da espécie de situações e problemas que esse príncipe poderá enfrentar, e aconselha-o de modo circunstanciado quanto ao modo de solucioná-los. 
Há na obra um esboço de sugestão de que o novo príncipe terá chegado ao poder, devido a uma conjugação do destino com o próprio valor e de que, para conservar o controle, ele será obrigado a agir com grande sutileza – e mesmo com astúcia e crueldade. A genialidade de Maquiavel personificada n´O Príncipe, cuja obra foi promotora de uma ruptura com a tradição filosófica, reside na originalidade de seus ensinamentos. O desdobramento cíclico permanece, para Maquiavel, no quadro teórico básico, de interpretação da história enquanto ciência. Ao desdobramento cíclico junta-se um outro nível de determinações mais próximas e concretas, compreendidas sobre a denominação geral clássica – virtú e fortuna.
 

No capítulo inicial d´ O Príncipe, Maquiavel postula haver duas principais vias pelas quais se adquire um principado – pelo exercício da virtú ou pelo dom da fortuna. Segundo o autor, o carisma da virtú é próprio daquele que se conforma à natureza de seu tempo, apreende-lhe o sentido e se capacita a realizar praticamente a necessidade das circunstâncias, isto é, dos momentos propícios fornecidos pela fortuna. Algumas figuras maquiavélicas – Moisés, Ciro e Rômulo – "criaram grandes e duradouras instituições", devido à virtú. Já a decadência de Cesare Borgia foi decorrente da fortuna que o abandonou. Por intermédio de uma história comparada, Maquiavel conclui que "apenas por meio da virtú" um príncipe pode vencer "a instabilidade da fortuna" e assim " conservar seu estado". No penúltimo capítulo o autor comprova sua tese ao demonstrar que a decadência italiana era reflexo da ausência de virtú, capaz de domar os ímpetos da fortuna

Santa Maria Novella, Florença
Autores como Isaiah Berlin e Quenten Skinner, estudiosos do universo maquiavélico, constataram que o traço de maior originalidade de Maquiavel é a preocupação em romper e até mesmo denunciar a ingenuidade das teorias políticas de seus contemporâneos. Munido por um espírito empírico e realista, Maquiavel traçou as bases de uma nova concepção política referente ao conceito de virtú, o que fez d´ O Príncipe alvo de equivocadas interpretações.
A corrente filosófica tradicional sustenta a tese de que a virtú caracterizada por qualidades morais individuais, como a justiça, deve ser completada pelas qualidades ou virtudes cristãs como a piedade e a fé. Ou seja, para o príncipe alcançar seus objetivos, deve estar certo de seguir os ditames da moralidade cristã. Segundo Maquiavel, esses pensadores não conseguiram perceber a incompatibilidade de uma "moral cristã", que atenda ao indivíduo e uma "moral política" que atenda ao coletivo, no caso, ao Estado. Essa incompatibilidade reside na natureza humana, pois, segundo Maquiavel, os homens são ingratos, caprichosos e mentirosos. Conseqüentemente, a moral cristã baseada na misericórdia, caridade e sacrifício é praticável apenas no plano do imaginário utópico de uma sociedade cristã formada por atitudes humanas ideais. Maquiavel comprova tal tese no capítulo XV. (...)" Seria muito louvável que um príncipe possuísse todas as qualidades consideradas boas. Não sendo isto porém inteiramente possível, devido as próprias condições humanas, é necessário a um príncipe aprender a poder não ser bom". (MAQUIAVEL. 1999)
Um governo bem sucedido aos moldes das instituições romanas seria realizável se o príncipe adotasse uma postura realista frente à natureza do poder político, bem como a natureza humana. Desse modo, surge o conceito de virtú engendrada na concepção da moral política baseada na astúcia, força, estabilidade e vigor de seus governantes. Para Maquiavel, virtú é um conjunto de qualidades, sejam elas quais forem, cuja, aquisição o príncipe possa achar necessária a fim de "manter seu estado e realizar grandes feitos". Dominado por uma visão clássica, humanista e patriótica, Maquiavel acredita que "os fins justificam os meios", ou seja, para a libertação da Itália do domínio bárbaro, bem como da decadência, o príncipe de virtú será capaz de "não se afastar do bem, mas saber entrar no mal, se necessário".
Nesse contexto, ao discorrer sobre "O Principado Civil", Maquiavel descreve a relação entre o príncipe e o povo, fundamental para a consolidação do Estado, antecipando o conceito posteriormente conhecido como a "teoria de luta de classes". Segundo Maquiavel, o principado provém do povo ou dos grandes, segundo a oportunidade que tiver uma ou outra dessas partes. Cria-se, assim, a seguinte antítese: "Enquanto o povo não quer ser oprimido pelos grandes... os grandes desejam oprimir o povo". (MAQUIAVEL. 1999) Para Maquiavel, a energia criadora de uma sociedade advém do sistema de oposição entre os grandes e o povo e, assim, os conflitos sociais são necessários para a consolidação do Estado, cabendo ao príncipe de virtú possuir uma "astúcia afortunada" para tirar as melhores possibilidades de tal oposição. Contudo, o autor enfatiza que é necessário ao príncipe "ter o povo como amigo, caso contrário, não terá remédio na adversidade" (MAQUIAVEL. 1999), pois na ânsia de não ser oprimido o povo possui fins mais honestos do que os grandes.
Quando Maquiavel defende a tese de que o príncipe "deve evitar as coisas que o tornam odioso e desprezível" satisfazendo o povo e fazendo-o contente, "porque esta é uma das principais funções que cabem a um príncipe", pensadores iluministas, como Rousseau, acreditavam que o autor disfarçava o amor pela liberdade, simulando dar lições aos reis, quando na verdade as dava ao povo. Já as afirmações maquiavélicas que ensinavam os príncipes a mesclarem "o leão e a raposa" simulando e dissimulando atitudes, fizeram com que pensadores como Voltaire condenassem o que consideraram amoralismo em política. Qual era, portanto, a verdadeira intenção de Maquiavel?
Ao analisar o último capítulo da obra dirigida a Lorenzo de Medici, observa-se que ao estabelecer um paralelo entre o povo hebreu (escravo no Egito) e o povo italiano (escravo dos bárbaros), Maquiavel, por intermédio de sua obra, teve como principal objetivo ver a Itália livre da crueldade e insolência dos bárbaros. Para tanto, era necessária a disposição de um príncipe munido de fortuna e virtú para a realização de tão nobre feito, reunindo em sua pessoa boas ou más qualidades, conforme as exigências das circunstâncias. Não obstante, para atingir tal fim, os meios seriam buscados a qualquer custo.
É inegável a contribuição de Maquiavel à história das idéias, especialmente à Ciência Política. Maquiavel concebeu as obras humanas como algo concreto e definidor da natureza humana, ou seja, ele simplesmente fez da prática uma teoria. Em tal concepção está a genialidade maquiavélica perpetuada no Príncipe, pois ao longo de quatro séculos tal obra ainda atormenta a humanidade. O grande mérito do Príncipe foi desmascarar o pseudo-moralismo ocidental consolidado sobre os dogmas cristãos, o que faz da obra universal.
 
PENSANDO MAQUIAVEL
 


Piazza Santa Croce, Florença
"Os regimes não se mantém com
padre - nossos". "Quem quiser fazer profissão de
bondade não pode evitar sua ruína 
entre tantos que são maus "

  Nietzsche, A vontade de poder
"Também o papado nunca esteve em posição de seguir uma política cristã; e quando os reformadores se envolvem em política, como aconteceu com Lutero, vemos que simplesmente seguem Maquiavel com qualquer imoralista ou tirano." (STRATHERN. 2000)
Bertrand Russel, História da Filosofia Ocidental
"Muito do convencional vitupério associado ao nome [de Maquiavel] deve-se à indignação de hipócritas que odeiam a franca confissão das malfeitorias." (STRATHERN. 2000)
Isaiah Berlin, ensaio sobre Maquiavel
"Podemos salvar a própria alma ou encontrar, preservar e servir um grande e glorioso Estado, mas nem sempre podemos fazer a duas coisas ao mesmo tempo." (STRATHERN. 2000)
Leon Trotsky, em sua biografia de Stalin
"Esse retrocesso ao mais cruel maquiavelismo parece incompreensível para quem até ontem descansou na confortável confiança de que a história do homem desenrola-se numa linha ascendente de progresso material e cultural." (STRATHERN. 2000)
Benito Mussolini (El Príncipe. Argentina, Editorial Sopena.)
"Não direi nada novo.
A questão é esta: há quatro séculos de distância, o que há de vivo ainda n’ O Príncipe? Os conselhos de Maquiavel poderiam ter alguma utilidade também para os chefes dos Estados modernos? O valor do sistema político d’ O Príncipe está circunscrito à época em que foi escrito o volume, e portanto limitado a ela e em parte caduco, ou é, ao contrário, universal e atual? É realmente atual?
Minha tese responde a estas perguntas.
Afirmo que a doutrina de Maquiavel está viva hoje, depois de mais de quatro séculos, já que, se bem que os aspectos exteriores de nossa, vida mudaram muito, não se tem verificado profundas variações no espírito dos indivíduos e dos povos." ( Martin Clauet Editores. 1986)
Antonio Gramsci, Escritor e Político italiano, (Maquiavel, A Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.)
"O caráter fundamental d´O Príncipe consiste em que ele não é um trabalho sistemático, mas um livro vivo em que a ideologia política e a ciência política fundem-se na forma dramática do "mito". Entre a utopia e o tratado escolástico, as formas através das quais se configurava a ciência política até Maquiavel, este deu à sua concepção a forma fantástica e artística, pela qual o elemento doutrinal e racional incorpora-se num condottiere, que representa plasticamente e "antropomorficamente" o símbolo da "vontade coletiva". O processo de deformação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de disquisições e classificações pedantescas de princípios e critérios de um método de ação, mas como qualidades, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, tudo o que faz trabalhar a fantasia artística de quem se quer convencer e dar forma mais concreta às paixões políticas.
O Príncipe de Maquiavel poderia ser estudado como uma exemplificação histórica do "mito"soreliano, isto é, de uma ideologia política que se apresenta não como fria utopia nem como raciocínio doutrinário, mas como uma criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e organizar a sua vontade coletiva. O caráter utópico d’ O Príncipe consiste em que o Príncipe não existia na realidade histórica, não se apresentava ao povo italiano com características de imediatismo objetivo, mas era uma pura abstração doutrinária, o símbolo do chefe, do condottiere ideal; mas os elementos passionais, míticos, contidos em todo o livro, com ação dramática de grande efeito, juntam-se e tornam-se reais na conclusão, na invocação de um príncipe "realmente existente". Em todo o livro, Maquiavel mostra como deve ser o Príncipe para levar um povo à fundação do novo Estado, e o desenvolvimento é conduzido com rigor lógico, com relevo científico; na conclusão, o próprio Maquiavel faz-se povo, confunde-se com o povo, mas não com um povo "genericamente" entendido, mas com o povo que Maquiavel convenceu com o seu desenvolvimento anterior, do qual e/e se torna e se sente consciência e expressão, com o qual ele sente-se identificado: parece que todo o trabalho "lógico" não passa de uma reflexão do povo, um raciocínio interior que se manifesta na consciência popular e acaba num grito apaixonado, imediato. A paixão, de raciocínio sobre si mesma, transformando-se em "afeto", febre, fanatismo de ação. Eis por que o epílogo d´O Príncipe não é qualquer coisa de extrínseco, de "impingido" de fora, de retórico, mas deve ser explicado como elemento necessário da obra, mais ainda, como aquele elemento que lança a sua verdadeira luz sobre toda a obra e faz dela um ‘‘manifesto político"." (Martin Clauet Editores. 1986)
 
 



Lorenzo de Médici
CARTA DE NICOLAU MAQUIAVEL "A um príncipe pouco devem
importar as conspirações se é
amado pelo povo, mas, quando este
é sei inimigo e o odeia, deve temer 
tudo e a todos".
"Ao Magnífico Lorenzo, Filho De Piero De Médicis
As mais das vezes, costumam aqueles que desejam granjear as graças de um príncipe trazer-lhe os objetos que lhes são mais caros, ou com os quais o vêem, deleitar-se; assim, muitas vezes, eles são presenteados com cavalos, armas, tecidos de ouro, pedras preciosas e outros ornamentos dignos de sua grandeza. Desejando eu oferecer a Vossa Magnificência um testemunho qualquer de minha obrigação, não achei, entre os meus cabedais, coisa que me seja mais cara ou que tanto estime quanto o conhecimento das ações dos grandes homens apreendido por uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição das antigas; as quais, tendo eu, com grande diligência, longamente cogitado, examinando-as, agora mando a Vossa Magnificência, reduzidas a um pequeno volume.
E conquanto julgue indigna esta obra da presença de Vossa Magnificência, não confio menos em que, por sua humanidade, deva ser aceita, considerado que não lhe posso fazer maior presente que lhe dar a faculdade de poder em tempo muito breve aprender tudo aquilo que, em tantos anos e à custa de tantos incomôdos e perigos, hei conhecido. Não ornei esta obra e nem a enchi de períodos sonoros ou de palavras empoladas e floreios ou de qualquer outra lisonja ou ornamento extrínseco com que muitos costumam descrever ou ornar as próprias obras; porque não quis que coisa alguma seja seu ornato e a faça agradável senão a variedade da matéria e a gravidade do assunto. Nem quero que de repute presunção o fato de um homem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre o governo dos príncipes; pois assim como os que desenham os contornos dos países se colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para considerar a das planícies ascendem aos montes, assim também para conhecer bem a natureza dos povos é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo.
Tome, pois, Vossa Magnificência este presente com a intenção com que eu o mando. Se esta obra for diligentemente considerada e lida, Vossa Magnificência conhecerá o meu extremo desejo que alcance aquela grandeza que a Fortuna e outras qualidades lhe prometem. E se Vossa Magnificência, do ápice da sua altura, alguma vez volver os olhos para baixo, saberá quão sem razão suporto uma grande e contínua má sorte." (MAQUIAVEL. 1996)
 
ALGUMAS OUTRAS OBRAS DE MAQUIAVEL
 


Palazzo degli Uffizi, Florença
"Não sei falar de seda ou lã,
benefícios ou pedras; preciso
discorrer sobre as coisas do Estado
ou fazer voto de silêncio".


A obra de Maquiavel não se restringe apenas ao livro O Príncipe, ela é muito mais vasta. Dentre elas temos: A Arte da Guerra; Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio; A Mandrágora (teatro); Clizia; A Primeira Decenal; Histórias Florentinas; Vida de Castruccio Castracani e muitos "escritos políticos" que foram feitos no decorrer de sua vida.
BIBLIOGRAFIA
"A natureza criou o homem de tal
modo que ele pode desejar tudo
sem poder obter tudo".


BERLIN, Isaiah. "A Originalidade de Maquiavel". In MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, São Paulo, Ediouro, 2000.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, Os Pensadores, Vol. 06, São Paulo, ed. Nova Cultural, 1996.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, São Paulo, Martins Fontes, 1999.
________ - O Pensamento Vivo de Maquiavel, São Paulo, Martin Clauet Editores, 1986.
SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
STRATHERN, Paul. Maquiavel (1469 - 1527) em 90 minutos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.

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